domingo, 29 de dezembro de 2019

Eis por que não comemoramos


A produção de petróleo e gás oriundos das jazidas do pré-sal alcançaram os 4 milhões de barris diários em novembro (aqui). Antes, riqueza do Brasil diante do controle e investimentos da Petrobras; hoje, não mais nos pertence o grosso dessa riqueza.

A redução do preço do gás de cozinha cair(ia)á à metade, anunciava o governo ao assumir; o preço do produto foi aumentado, mais uma vez neste fim de ano. O presente, fixado em 5%, foi dado na última sexta-feira (27). (aqui)

Vendas atingem 9,5% de crescimento neste fim de ano, anuncia determinada Associação; outra desmente categoricamente o anúncio e afirma que tal não chegou a 2,5% em relação ao ano anterior, que foi um ano ruim. (aqui)

“[...] não há meios materiais nem recursos humanos que consigam correr atrás na velocidade necessária. Portanto, não se deve criar a fantasia de que, por decisão judicial, se bloqueiam fake news.” – declara o Ministro Roberto do STF/TSE diante da mentirada veiculada. (aqui)

Na verdade Sua Excelência – responsável por coibir a prática – lava as mãos. O mesmo magistrado que admite a assinatura eletrônica para criação de partido político.

“[...] É um desastre o que está acontecendo no Brasil, não apenas nas florestas, mas sim em toda a sociedade” – declara o fotógrafo Sebastião Salgado durante homenagem recebida na Feira do Livro de Frankfurt. (aqui)

A miséria e miseráveis em crescimento só não os vê quem não o quer.

Nada a dizer. Apenas ver e enxergar.

domingo, 22 de dezembro de 2019

Palhaços vertendo lágrimas


Não morremos de amores pelo atual inquilino do Alvorada. Tanto que dele nada cobramos porque nunca enganou a quem quer que seja, muito menos a nós. Não há ‘choro nem vela’ de nossa parte.

Mas toca-nos ler o que lemos dos que ora o criticam. Muitos dos que o defenderam com unhas e dentes até há pouco.

Mas, alerta-nos o escrito por Reinaldo Azevedo: "Sim, estou convencido de que Bolsonaro tem um problema que é clínico. Suas respostas, a meu juízo, o evidenciam com clareza. Ocupa, no entanto, um lugar de quem está obrigado a responder por seus atos. O único remédio que o institucionalidade tem de ministrar a ele é o triunfo da lei. O Brasil não pode se transformar em seu hospício privado".

Sob o primeiro aspecto – problema clínico por falta de controle das chamadas “faculdades mentais” – nada de novo. A maioria dos seus críticos se recusa a lembrar daquele Bolsonaro de 1986, ameaçando explodir a adutora do Guandu caso Sarney não concedesse aumento para os militares, fato que o levou a 15 dias de prisão e à reserva remunerada dois anos depois (o Tribunal Militar que o julgou evitou reconhecer o ‘terrorismo’ e conciliou a conveniência com a ‘aposentadoria’ aos 33 anos de idade). Ora, tal fato – explodir uma adutora que serve a uma coletividade do porte do Rio de Janeiro não pode traduzir ‘equilíbrio mental’, tampouco estágio de mínima sanidade.

Mas ninguém lembrou disso e o processo eleitoral passou sem debates e aplaudido por esta parcela singular de “formadores de opinião”. A conveniência do ‘esquecimento’ os motivava à elaboração de laudas para nos convencer a nós outros quão grandioso o que se dizia “contra tudo isso que está aí”. Mervais, Mírians e quejandos tais – uns mais subservientes que outros – o tornaram “mito”.

Fiquemos por aqui. Passemos ao lugar comum: por que o inquilino ocupa o Alvorada?

Malhar em ferro frio, mas não custa repetir à exaustão; interessava ao sistema aprisionar Lula e remeter ao impeachment uma presidente da República por haver cometido “crimes” (os mesmos de todos os anteriores) e hoje sabe-se que não os havia (os crimes). “Com Supremo, com tudo”.

Politicamente utilize-se os que têm utilidade – eis o argumento, a razão, ainda que promíscua: Eduardo Cunha, na Câmara para impulsionar o impeachment; o judiciário (com Supremo, com tudo) para promover o lawfare; a mídia para afirmar que tudo é verdade. 

Aos risos e gargalhadas os de sempre, desde Matusalém.

É que os objetivos remontam aos Matusalém em território tupiniquim. A História os registra. Desde trucidarmos o povo paraguaio em típico genocídio para corresponder aos interesses da Inglaterra que via nas políticas de Solano López (de fortalecimento das indústrias naval e bélica) um concorrente na América Latina. 

A propósito deste genocídio, quando da batalha de Acosta Ñu, sacrificado foi um exército de crianças entre 6 e 12 anos (a população masculina foi reduzida em 96% nos 5 anos de tão infame guerra) acompanhadas pelas mães desesperadas tentando salvá-las. A propósito de tamanha crueldade, escreveu Julio Chiavenatto, em “Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai”: 

"As crianças de 6 a 8 anos, no calor da batalha, aterrorizadas, se agarravam às pernas dos soldados brasileiros, chorando, pedindo que não os matassem. E eram degoladas no ato".

Sim, caro leitor, não custa conhecer nosso passado para nos reconhecermos no presente. Até porque quando nos faltaram paraguaios tivemos sertanejos, onde Canudos é singular exemplo de genocídio sem qualquer motivo que o justificasse como luta. 

Pode saltar a matança dos índios e a escravidão (do gentio e do negro), esquecer que indenizamos Portugal em 25 mil libras esterlinas por havermos proclamado a independência tomando empréstimo à Inglaterra (primeira dívida externa).

O fundamental em tudo é centro do x da questão: o que queriam (no passado e no presente) já conseguiram: mais recentemente a parcela do pré-sal, base de Alcântara, a Embraer e a tecnologia nativa desenvolvida a ponto de competir mundialmente com a própria Boeing que a adquiriu, arrebentar o parque da construção civil e aprofundar desigualdades em todos os níveis capitaneadas por uma campanha de retorno à fome.

Natal para quem? Para quê? Certamente para os que comem lagosta em lautas mesas, tudo regado a vinho importado às nossas custas, são os que legitimaram tudo isso.

Imaginemos a cidade do Rio de Janeiro, e sua Oitava Maravilha do Mundo, o Cristo Redentor, lembrando o maior exemplo de solidariedade, Jesus Cristo. Houvesse ele nascido nesta Cidade Maravilhosa de hoje pobre filho de carpinteiro trabalhando na favela ou nas periferias o que lhe aconteceria? Teria educação, comida, roupa, dignidade ou seria presenteado com uma bala perdida?

Um ano por findar. Mais um no caminhar deste escriba de província. Tudo o remete a desistir da vida e do viver em sociedade. Mas, ficamos com Cícero, olhando de cima a morte e agradecendo por ter vivido tanto. Afinal – parodiando Tolstói – algum sentido há que não será aniquilado com a morte: a esperança de que reste um homem para reconhecer em seus atos a Humanidade. Ainda que nela o homem desta terra brasilis não o pretenda.

Certamente por isso – nós que não morremos de amor pelo inquilino do Alvorada – assistimos do ‘galinheiro’ – do mambembe que em picadeiro o exaltou – os palhaços que sorriam vertendo lágrimas.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Difícil é entender


Temos buscado entender o que ocorre com nossa gente, nosso país e suas instituições. Perseguindo compreensão para o que consideramos absurdos praticados à luz de postulados civilizatórios. A razão por que nos distanciamos de tanto de evolução ocorrida nesta Humanidade em duas/três centenas de anos de existência se consideramos a sua dimensão homo sapiens sapiens como estágio que se lhe atribui de racionalidade, de capacidade de pensar, de refletir e de se comunicar.

Intriga o fato de percebermos em parcela da sociedade brasileira uma racionalidade de zumbis e mortos-vivos a partir de certa informação repetida a inibir quase inteiramente a capacidade de analisar, de refletir, de dialetizar.

Muitos os fatores, certamente. Afinal, a conformação de uma sociedade não se materializa de um instante para outro. O próprio inconsciente – como um código apriorístico definidor do habituar-se a algo como a um som ou a um ritmo – sedimentado está no alicerce que o desenvolveu no curso de décadas ou séculos, se nos aproveitamos de Carl Jung e seu ‘inconsciente coletivo’. O que uma sociedade reproduz se fez construir durante sua existência, aliada às influências absorvidas. A brasileira no curso de 500 anos. 

Quando aquele sobrinho de Sigmund Freud, nos Estados Unidos, abriu na década de 20 do século passado os caminhos da manipulação das massas, nada mais fez que metodologizar algo que de certa forma se fazia presente na concepção da fé e seus dogmas em nível antepassado. Apenas o promoveu para corresponder aos interesses de uma coisa que hoje se denomina deus mercado, onde o consumismo (entendido aqui como o desenfreado uso do que não seja necessário à sobrevivência) – e o Estado disso se apropriou ou se deixou cooptar – se tornou a pedra de toque.

A manipulação – como instrumento de “controle dos hábitos e opiniões” – tornou-se a pedra angular não somente da atividade negocial (produção, distribuição e consumo) mas também daquele “governo invisível” a que se refere Edward Barnays, teorizando a partir das pesquisas do tio.

Em “Propaganda”, Barnays declina:

“A manipulação consciente e inteligente dos hábitos e opiniões organizados das massas é um elemento importante na sociedade democrática. Aqueles que manipulam esse mecanismo invisível da sociedade constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder dominante de qualquer país. Somos governados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos são formados, nossas idéias são sugeridas, em grande parte por homens dos quais nunca ouvimos falar […] em quase todos os atos de nossas vidas diárias, seja na esfera da política ou dos negócios, em nossa conduta social ou em nossa vida, pensamento ético, somos dominados por um número relativamente pequeno de pessoas […] que entendem os processos mentais e os padrões sociais das massas. São eles que puxam os fios que controlam a mente do público, que aproveitam as velhas forças sociais e criam novas maneiras de ligar e guiar o mundo”.

Claro – assim o vemos – que a afirmação de tudo isso ser “importante na sociedade democrática” nada tem de contribuição para a Democracia, mas de quem a manipule para corresponder aos seus interesses.

Na esteira das observações acima postas nos defrontamos no Oráculo de Delfos diante da angustiante e milenar indagação, pautada na mais primeva pretensão filosófica: Por quê?

Certamente cansa utilizar dos meios de que dispomos para explicar. Mas não é difícil. Difícil é entender.

“Os homens são em grande parte movidos por motivos que eles escondem de si mesmos” – afirma-o Barnays. 

Eis o nó górdio desatado para compreender esta terra brasilis e sua gente. 

Jessé Souza vê no racismo elemento causal do muito que nos acontece:

 “Estamos em uma sociedade racista que não se vê, que não se critica como tal”. [...] Pessoas que estão a favor da injustiça, do ódio, da perseguição, a favor da própria destruição do patrimônio nacional que vai fazê-las perder oportunidades, a apoiar um governo que não investe em ciência. É esse racismo, essa necessidade de se sentir superior a alguém


Naturalmente, uma postura pequeno-burguesa há de alimentar tais egos pautada na exclusão do outro como fenômeno capaz de me afirmar superior, afastando a solidariedade (calor universal) como elemento catalisador de esperança e melhoria da coletividade. “Eu” sem o “outro” serei melhor. O que o “outro” tenha que me sirva dele me aproprio, não importa o meio de que me utilize, seja imagem ou força de trabalho.

Na esteira disso tudo a academia a legitimar com seus instrumentos de formação, informação e pesquisa os que a buscam como fonte do conhecimento em essência. E que se tornou apêndice e instrumento de controle dos “hábitos e opiniões”.

A propósito do universo jurídico, Lênio Streck: 

“Sempre disse e repito o que Dworkin já dizia em seus escritos sobre desobediência civil. É um disparate a ideia de que o Direito é o que o Judiciário diz que é. O ponto é que legisladores também não podem dizer coisa sobre qualquer coisa.

Ora, o Direito não é um amontoado de leis e precedentes aleatórios. O Direito é um todo coerente. Há um ordenamento, há uma tradição, há princípios que sustentam tudo isso. Tudo isso deve ser respeitado. O legislador tem o importante papel a cumprir; mas não pode dizer que ovos são caixas de ovos.”

Juntemos as pontas – diante do dito por Lênio Streck: Judiciário e legisladores no Brasil tornaram-se peça uniforme – cada um no seu mister – de dizer que “ovos são caixa de ovos”. 

Certo é que não lhes faltam os meios elaborados por Edward Barclays para nos dizerem/convencerem que estão certos, que a terra é plana e os que a sabem redonda são loucos.

Partindo todos eles de uma premissa errônea – de que é a lei, e não o Direito, o instrumento de promover Justiça – estão a tornar vontades, interesses e caprichos na fonte das mazelas todas por que passamos. Aquela lei que aprovam em inteira divergência com o interesse da sociedade passa a ser dogma de fé e sua aplicação a solução para tudo porque é lei. 

E aí entra a academia: analisa a lei e não o Direito que deveria norteá-la. Dela afasta os interesses que a fazem existir. E assim, o legislador se exprime, o Judiciário corresponde e a academia os legitima passivamente.

Não fujamos da realidade: escondemos de nós mesmos os motivos que efetivamente nos movem. Porque são espúrios e destruidores; desumanos e excludentes. Natural – não há como descurar – que sejamos dirigidos, legislados/representados e julgados por essa gente.

Não caro leitor. Difícil não é debulhar o por que de tudo isso. Difícil é entender que a exclusão e o patrimonialismo sejam aplaudidos por quem por eles é prejudicado porque tornou-se lei. Com aplausos da meritocracia doentia que a toma como dogma de fé.

Uma parcela a tudo aplaude, sim. Mas, mesmo que essa parcela seja tomada como vítima da manipulação de que trata Edward Barclays ela é o espelho do que somos. Até porque nós outros não estamos a enfrentá-la.

Em nível de academia  que o digam os cursos jurídicos, por exemplo  tudo está conforme. Esqueçamos a história do Homem e da Humanidade, tradições e princípios. Basta aplicar o método.


domingo, 8 de dezembro de 2019

À espera do que há no outro lado do arco-íris


Para bom entendedor
Notícia 1: Conselheiro da Embaixada dos Estados visita TRF-4 como referência para análises da atuação judicial brasileira.

Notícia 2: Estados Unidos ameaçam intervir em caso de protestos na América Latina.

No primeiro caso, um descarado desrespeito às instituições pátrias (com a conveniência dos sabujos de sempre).

No segundo, a velha política de Tio Sam: quando em risco os interesses estadunidenses a intervenção se impõe.

Liberou I
Do g1 sobre aquela lagosta regada àquele vinho:

“O pregão foi orçado em R$ 1.134.893,32, com lance mínimo de R$ 463.319,30. A proposta vencedora foi de R$ 481.720,88.

Conforme o texto do pregão previa, quando houver ‘refeições institucionais’ do STF serão servidos de entrada, por exemplo, queijo de cabra, figos, carpaccio, ceviche, medalhões de lagosta e risoto; no prato principal, medalhões de lagosta, carré de cordeiro, arroz de pato; e na sobremesa, musses e sorvetes.

O texto também especificava que os vinhos deveriam ser de safra igual ou posterior a 2010 com "pelo menos" quatro premiações internacionais. No caso dos espumantes, deveriam ser do tipo brut, também com ao menos quatro premiações internacionais.

‘O espumante deve ter amadurecido, em contato com leveduras, por período mínimo de 12 meses. A safra ou vindima do espumante deve ser posterior a 2013’, especificou o pregão.”

Liberou II
Do Uol:

“O Senado aprovou em votação simbólica, nesta quarta-feira (4), a reforma da Previdência dos integrantes das Forças Armadas, com a presença no plenário dos ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. 

Sem oposição e com acordo entre líderes, a votação foi rápida —em cerca de 24 minutos. O texto segue agora sanção presidencial. 

A proposta tem vantagens em relação à dos trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos. Os militares receberão salário integral ao se aposentar, não terão idade mínima obrigatória e vão pagar contribuição de 10,5% (iniciativa privada paga de 7,5% a 11,68% ao INSS)”.  

À espera
Resta-nos esperar que além do arco-íris haja um lugar menos excludente onde lagosta e vinho existam para todos e que assim o seja para os aposentados do andar de baixo. Inclusive "iguais perante a lei".

Ah! E que não careça de visitas à sala de jantar para ameaças aos que gritem por ver este outro lado do arco-íris.


domingo, 1 de dezembro de 2019

Por que não creio nos homens destes tempos bizarros

Desconvidado
Não há quem desconheça – pelo menos no Nordeste – o que representa uma quadrilha junina: uma cerimônia e festa de casamento caricatas regada à música e coreografia próprias. A noiva, o noivo, o padre, o pai e a mãe da noiva, o delegado, os fatos que a tradição cuidou de trazer à circunstância, como em outro instante: a ‘queima do Judas’. 

A Folha de São Paulo reagiu, em editorial, à postura do inquilino do Alvorada de boicotá-la explicitamente.

Nenhum exagero estabelecer um paradigma entre a quadrilha junina e a representação governamental do inquilino. Ambas apresentam singular hilariedade.

A diferença reside no fato de que o festejo joanino ocorre de ano em ano, e o outro no cotidiano.

Mas, ficamos com nosso elucubrar: em ambos, necessário a preparação.

Para o inquilino quem preparou a festa caricata o foi o que hoje estrila. Que  assim parece  passou a sentir-se desconvidado.

Aviso aos navegantes
De parte deste escriba um aviso: que não seja convidado por amigos a frequentar sítios ou casas de praia. Tal fato – se consumado (o frequentar) – passou a ser tipificado como vantagem ilícita e pode levar o desventurado a penas de até duas décadas de reclusão.

Não imagine o leitor que estamos enlouquecendo. Apenas atualizando a realidade a partir do fundamento para a manutenção de uma sentença ‘copia e cola’ e aumento da pena, da lavra do ilustre e ilustrado relator Gebran, do TRF-4: “relevante” é o “uso do imóvel” – disse sua excelência (com letra minúscula, revisor!) por qualquer indigitado sob o novo regime de avaliação processual – não tendo prova material, presumo – ser convidado para tais espaços pode custar caro.

Como diz Lênio Streck: há muita gente (de)formada em Direito.

Mas, quem avisa, amigo é!

Por que não creio nos homens destes tempos bizarros
Não porque não creia nos homens descreio dos homens nestes tempos. Bizarros tais tempos porque os homens não mais pensam. Apenas vivem o que lhe determinam viver os que comandam seu pensar.

As necessidades, as lutas por se verem melhor, eles os destinatários da Felicidade, são o fermento das mudanças que a história registra como avanços conquistados.

Fizeram-se os homens ‘multidões’, unidade de protestos contra o sistema que os asfixia. O sistema que enxergam e que em torno dele se dizem livres e libertos.

Os homens lutam contra o visível. Por desconhecerem o invisível suas vitórias são efêmeras, bandeiras agitadas que não sobrevivem ao tufão dominado pelo sistema.

Nestes tempos bizarros, destituídos de capacidade crítica, atendem aos reclamos das elites em plenitude de desprezo ao Homem Humanidade. Interessa-lhes – o que plantaram – o Homem como unidade estatística – como consumidor ou como mão de obra que alimente o aprofundamento da mais-valia.

O discurso do oprimido cansou. Ou melhor, foi apropriado pelo opressor que hoje comanda e controla os meios de convencimento não pela força do argumento mas pela repetição ad infinitum de um mantra elaborado.

Vivem os homens o aprendizado que não ensina a pensar. E pensam eles que pensam.

Afinal, caro leitor, para quem teve paciência de ler até aqui há de compreender a razão por que este escriba de província não tem como crer nos homens destes tempos bizarros.


domingo, 24 de novembro de 2019

Terra brasilis: a democracia em busca de definição


Política é para políticos
Nenhum exagero na afirmação. Assim como advocacia para advogados, medicina para médicos, engenharia para engenheiros etc. Simplesmente compreender que somente se torna possível o exercício de uma atividade sustentado no aprendizado e na prática. Tudo aliado a uma coisinha chamada vocação. Assim, a política cabe aos políticos.

Desta forma abordamos a tragédia por que vivemos em razão do irregular e incompetente exercício, se não inconveniente, da política pela magistratura e pela religião.

De imediato pela compreensão de que – ainda que não seja descartada a manifestação política de quem julgou ou de quem fale de um púlpito – não há como confundir a função institucional de uma com outra. São distintas na conformação do Estado moderno.

E não carece repetir Montesquieu para ver que a existência de três poderes independentes e harmônicos não pode ser confundida com a supremacia de uma deles sobre os outros ou qualquer dos outros. Tempos em que o Iluminismo entrava de sola contra a presença da representação divina entre os terráqueos se fazer tão presente e influente.

A Democracia e os políticos
Está fixado no imaginário: a Democracia como governo do povo, pelo povo e para o povo. Tudo nasce na Grécia de antanho, nos idos do séc. V a.C. – de Sólon a Péricles – quando levadas as decisões de interesse da polis à ágora (praça) para que nascesse da própria sociedade aquilo que a interessasse.

No século XVIII o Iluminismo aperfeiçoava concepções clássicas para uma sociedade que não se limitava tão somente a escassos milhares de habitantes e não mais se bastavam as cidades-estados e o Estado moderno surgia levando de roldão a monarquia absolutista.

Montesquieu defendeu a existência de Três Poderes para estruturar este Estado nascente, dois deles ‘representados’ – majoritária ou proporcionalmente – e um terceiro para manter o equilíbrio sob a égide da interpretação das leis.

Rousseau, em meio a isso, defendeu o que denominou de ‘representação comissariada’. Simplesmente uma forma de democracia direta que retomava as reuniões na ágora. Muito certamente Rousseau antevisou o modelo clássico da representação à sua contemporaneidade (monárquica), considerando-a uma fraude caso não pudesse ser confirmada pelo representado. Ou seja: não confio no representante que elegi até que possa confirmar o que ele decidiu porque pode ele agir diferentemente do que se ofertou em proposta a mim representado.  Não se pode abstrair outro entendimento para quem assim afirmou: “Os deputados do povo não são, pois, nem podem ser, seus representantes, são simplesmente seus comissários que não estão aptos a concluir definitivamente. Toda lei que o povo pessoalmente não ratificou é nula e não é uma lei.” (O Espírito das Leis).

Certo que o entendimento geral contrariaria Rousseau, entendendo que o sistema representativo se consolidaria progressivamente como modelo político. 

Sob tal vertente estudemos o Brasil.

Os políticos da Democracia contemporânea
A ideia originária, perpassada pela experiência representativa, desaguou nesta contemporaneidade utilizando-se da Democracia como o único instrumento possível de convivência harmônica de uma sociedade submetida ao controle de um Estado representativo.

O que pouco se observa – ou se nega explicar – é o fato de que tudo tem custos: o Estado tem custos em todas as esferas de poder, a sociedade tem interesses (concentrados ou diluídos, particulares ou gerais) e a Democracia não escapou de custar alguma coisa. Sob essa vertente, nesta sociedade capitalista, o dinheiro detendo o poder passou a controlar a Democracia.

Da Grécia a esta contemporaneidade a Democracia já pertenceu ao povo e o poder que inspira hoje está sob controle do dinheiro. Ou melhor, de quem o tenha. Não à toa aquele empresário jactando de haver elegido 16 governadores e duas centenas de deputados federais e duas dezenas de senadores.

E nem Montesquieu sobrevive. Afinal, aquele Poder imaginado por ele para assegurar o equilíbrio das instituições no sonhado Estado de Direito também sucumbe. Os escândalos que surgem não são mera coincidência; são resultado da convivência.

Inclusive político-partidária.

Conclusão
Tudo nos retalhos acima pode até alimentar escrito com ranço de artigo ou ensaio científico. Para isto apenas os fatos, naturalmente.

No fundo, temos a considerar que esta terra brasilis em  contemporaneidade da representação política é singular. Não só o dinheiro elege representantes. Outras vertentes de fazer dinheiro também.

Porque tudo o que aí está institucionalmente expresso em permanente disputa por dinheiro/poder exige urgentemente Midas em seus delírios de tudo ouro tornar.

E para coroar vem aí uma nova agremiação partidária, a mais perfeita expressão do que ora somos. Ou melhor, do que muitos desejam: o aprofundamento das desigualdades e da exclusão. Para tanto, na primeira oportunidade, não duvide: vote no três oitão.

Não à toa – queremos crer – em meio a tanta confusão nesta terra brasilis a democracia busca definição. Quem sabe – como essência dogmática – a de um regime que não tenha povo. Ou que o tenha tão somente para sustentar os que a controlam.

Inclusive milícias, o novo formato de democracia à brasileira. Tudo muito próximo: da arrecadação à proteção. 

E naturalmente, a eleição.

domingo, 17 de novembro de 2019

Em meio aos Fux e Hardt há recados, e reclamos por provérbios e Shakespeare

Fux e Hardt, um encontro marcado
A juíza está escrachada como a decisão ctrl+c – ctrl-v, magistrada do copia e cola. Há quem no desatino veja seu especial deslumbramento por aquele herói do “fato indeterminado”. Como não cuidou de encontrar o seu preferiu ir no caminho antes percorrido.

Mas não descobriu a pólvora. O copiar e colar aprendeu com Luiz Fux que, quando ministro do STJ e relator no processo que questionava o Título de Capitalização de Sílvio Santos, limitou-se a copiar trechos dos argumentos da defesa como fundamentos de sua decisão. Argumentos que não haviam convencido os juízos de primeiro e segundo graus de São Paulo.

Mas Sua Excelência se deu por convencido diante do fato singular de que alguém comprar por um valor determinado título e receber a metade ao fim de um ano se constituía investimento em título de “capitalização”.

No mais, para lembrar Lênio Streck, fazem parte daquela “gente (de)formada... em Direito”.

Recado I
O Presidente do STF, Ministro Dias Tóffoli, mandou um recado a Lula: você está em nossas mãos; não crie embaraços ou volta para a cadeia. Ou, pelo menos, continuará processado. Ou seja, não anularemos os processos. Outro não pode ser o recado nas entrelinhas daquele o STF não tolerará agressões às instituições.

De nossa parte entendemos que certas verdades – por serem verdades factuais – dispensam ser ditas pela esquerda. E Lula em particular. Não precisa chamar quem quer seja de “canalha” – ainda que verdade – por que cabe à sociedade reconhecer – como em processo de aprendizagem – que o indivíduo é canalha mesmo. Mas quando alguém o diz – se este alguém é visado, estereotipado – pode fazer com que o canalha deixe de sê-lo.

A mídia está aí para isso.

Não bastasse, cabe a Lula não esquecer que tudo o que ora ocorre o foi “Com Supremo, com tudo”.

Recado II
Alguns milhares de sigilos oriundos do COAF em mãos do STF, requisitados pelo ministro Dias Tóffoli. 

Muita gente ouriçada – que certamente tem culpa no cartório. 

De políticos a a empresários. Sem esquecer encastelados no Alvorada.

O recado está dado.

Não sabemos se o fez ou o faz com anuência do militar que o auxilia no gabinete.

Reclamos
Briga de cachorro grande, diz a sabedoria popular quando recomendado não se interferir em assuntos alheios.

O inquilino do Alvorada e seu ministro da educação (com letra minúscula, revisor) puseram em campo os peões para a batalha contra a Globo e seu sistema. 

Não sabemos se contam com bispos, cavalos e rainha para o desiderato.

De parte deste escriba a lição de que no caso sob comento não cabe aplicar a sabedoria popular, mas aperfeiçoá-la: briga de cachorro grande com cachorro doido.

Também da sabedoria popular no provérbio português: “Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”. Porque não há como fugir, como lembra Shakespeare em Hamlet: “Ainda que a terra inteira os haja de esconder, os atos vis terão no fim de aparecer”.

Afinal, tem sido tema histórico para filósofos, teólogos, políticos ou qualquer que pense o homem como ser em existência discutir as aparências que nutrem a sociedade fora dos eixos, exigindo – como o pressente Cervantes – buscar os meios para livrá-la dos entuertos.

E disto não escapa esta terra brasilis!
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Pensamento da coluna: Há hora para o triunfalismo, há hora para reflexão. Entre um e outro o amadurecimento com a leitura do instante para que não percamos um e outro.

domingo, 10 de novembro de 2019

A tênue linha entre a vitória de Pirro e a criação de corvos


Como evitar que tudo seja uma vitória de Pirro. Como indagação, não temos resposta. Tanto que especulamos. Isso porque nem sempre a vitória política encontra tradução prática naquilo contra que se pretendeu batalhar.

Com a decisão – tardia, e como tardia! – do STF em reconhecer o quanto insculpido na Constituição Federal (art. 5º, LVII) e legislação infraconstitucional atinente à espécie (CPP, art. 283) convivemos com dimensões bastante distintas. E de significados profundamente diversos. 

Óbvio que são mais que justificados os aplausos à retomada de princípio que norteia a existência de qualquer Estado de Direito, qual seja, o respeito à lei.

Entendemos – mais que justificada – a euforia por aquilo que se enxerga como “resgate” do Estado Democrático.

Mas nossa indagação se estende a um fato singular: democracia sem participação na riqueza produzida por todos.

Afinal, tudo que ora ocorre no país (“Com Supremo, com tudo”) se deve justamente ao fato de um Estado de Direito que passou – através de políticas públicas eficientes postas em prática por um governo – a ver os desassistidos como destinatários de parte do que produziam e – aliviando a histórica concentração (ainda que não eliminando-a) – abriu caminho para que se fizessem presentes na mesa da Saúde, da Educação, do Trabalho etc. E – o mais importante – passassem a comer um pouco mais – os que comiam pouco – e tivessem acesso a um pedaço de pão – os que não o tinham.

Sim, caro leitor, “Com Supremo, com tudo”, e para que tudo o que ora ocorre pudesse ocorrer, o Estado de Direito em sua essência foi desconsiderado para que Lula não desse continuidade às políticas que implantara (ainda que não plenamente suficientes).

‘Venceu a Constituição’ – cantam todos. Muito justo, mais que válido. Mas, não podemos esquecer quem e por que a Constituição foi derrubada, foi vencida. E o triste – no imediato – é confirmar que foi o próprio STF – dela guardião – que a desfigurou em efeitos e eficácia com sua interpretação. E como dizia Tormeza, cesteiro que faz um cesto faz um cento.

Não, não há como apenas nos alegrarmos. Também com que nos preocupar. Porque os mesmos sempre estiveram, estão e estarão. E os que apanhamos sempre vivemos, continuamos a viver e viveremos... apanhando. Até que a Democracia se faça plenamente.

E não podemos nos dar por satisfeitos tão somente com vitórias de Pirro.

Afinal, quem nos devolverá a Embraer e os empregos dela oriundos? Quando e em que termos e condições retomaremos a soberania que perdemos? Quando efetivaremos uma situação de pleno emprego? Quando a desigualdade se reduzirá a patamares mais toleráveis? Quando teremos ganhos reais para o salário mínimo superiores a 70%? Quando retomaremos a produção de nossa industrial naval? Quando – e se – o pré-sal voltará a ser nosso e o sistema de partilha retomado? E a Base de Alcântara? E as vendas de nosso cargueiro militar desenvolvido pela Embraer? E o Mais Médicos? E o Minha Casa Minha Vida? E...

Sim, insistimos: não podemos nos dar por satisfeitos com uma vitória que seja apenas “de Pirro”? O filme está sempre reprisado: Getúlio Vargas, em 1954; as ameaças a Juscelino (Aragarças e Jacareacanga); aquele Parlamentarismo de 1961; o golpe de 1964 e seus tantos anos de efeitos; o golpe de 1916 e a inviabilização da candidatura de Lula...

Lula já deu “régua e compasso” (e ele enxerga mais que qualquer outro); avancemos para que não percamos mais do que já perdemos. Isso, caso não possamos recuperar o prejuízo!

Por visão republicana e humanista, em seu período ele (Lula) deu dedos para não perder anéis. E os anéis naquele instante – e ele o provou – foram as políticas públicas implantadas e voltadas para a redução das desigualdades sociais.

Eis porque, enquanto não recuperarmos o que perdemos, a vitória que aclamamos cheira à vitória de Pirro.

Cria cuervos
Há quem não goste do líder incontestável que é Luiz Inácio Lula da Silva, razão por que também não goste do acontecimento da semana que repercutiu internacionalmente. 

No entanto uma coisa ficou flagrante, palpável: a autoestima ocupa milhões de corações brasileiros dentre os que amam este país sem maniqueísmos. Uma gente que se vê resgatada como cidadã. A gente que se fará contraponto com a possibilidade de Lula transitar em meio ao povo e a ele se dirigir. 

Sim, porque a fala canhestra do obscurantismo se utilizará de cada expressão do ex-presidente para alimentar o maniqueísmo que implantou. A loucura é tamanha que não faltou alguém – em sua fixação – afirmar que com a liberdade de Lula a esquerda vai realizar coito anal no meio da rua. Coisa que nem Freud explica. Mas explica o tipo de natureza humana que passou a ocupar o poder.

Não sabemos se a leniência daquele “Com Supremo, com tudo”, que levou a tudo por que ora passamos – que ensaia recuperar um tempo perdido para não ficar mal na telinha da Globo e quejandos tais – encontrará o terreno propício a sustentar o que ensaiou. Até porque – se levamos em conta que o inquilino do Alvorada tem indicações ao STF no curso de seu mandato – não há como afirmar que a consciência em defesa das instituições permaneça na consciência de Suas Excelências. De início – sabemos – aquela apertada maioria (que já foi maioria contrária) pode oscilar.

Uma coisa é certa: Lula reanimou a turma. Alea jacta est. 

E alertou para o risco de criar corvos. Mostrando o ninho que os abriga. Lembremo-nos da lição dos espanhóis: não cries corvos, que te arrancarão os olhos.

Cá em nosso meio os corvos sempre foram e não deixaram de ser o agouro da democracia, ávidos pelos olhos dos que enxergam.

Os dados foram lançados
Lula usou de expressões em São Bernardo do Campo que somente podem ser entendidas como: 1. Desabafo, humano, de quem se vê/viu perseguido por membros do Ministério Público e do Poder Judiciário; 2. um desafio às instituições democráticas em defesa de seu fortalecimento: ou condena os verdadeiros criminosos (inclusive começando a processá-los) ou se implanta a ditadura; 3. Escancarou um fato nas dimensões antes percebidas mas não suficientemente observadas: o vínculo do governo com milicianos.

Parece radical. Mas não vemos assim. Não há como contemporizar. A sorte exige ser lançada. E o foi - assim nos parece.

A decisão do STF não pode ser compreendida ou tida como uma ‘concessão’, mas como afirmação de que o devido processo precisa prevalecer. Sob esta ótica aguarde-se se vão Suas Excelências reconhecer os crimes cometidos por procuradores e Sérgio Moro e anular os processos viciados.

Neste sentido, o STJ tem em mãos embargos de declaração (com caráter infringente) para que se manifeste – o que não fez – sobre as nulidades processuais no caso do triplex. O fato também chegará ao STF.

Por fim, muita coisa em jogo. 

A rapadura não será entregue porque é do povo. Mas não custa o povo buscá-la. 

Muito a propósito, Jânio de Freitas: “Não pode haver Estado de Direito onde o poder militar, poder armado, pretende definir o destino judicial e cívico de um político”. E, adiante: “Sem o Estado de Direito o que viceja é o Estado de direita".

Lula lançou a sorte. Acompanhemos os desdobramentos.

E lhe seja garantida – como ao porteiro – a vida.

Afinal, ainda na memória deste escriba as estranhas mortes dos ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubitschek.

E porque reconhecemos que tênue é a linha que separa uma vitória de Pirro e a criação de corvos.