domingo, 24 de setembro de 2023

Por amor à Pátria

 

O ineditismo causou espécie à época: o chefe de estado de um país prestando continência a uma bandeira estrangeira. Desde as lições do catecismo da Educação Moral e Cívica (EMC) ou da Organização Social e Política Brasileira (OSPB) de tempos idos sabia-se que os símbolos da Pátria dizem respeito à própria nação que apatria o cidadão e a este cabe lhes prestar respeito: a Bandeira e o Hino dentre eles.

Mas, com tudo que já nos aconteceu, sabemos que a visão de subserviência colonialista permanece impregnada em parcela considerável da sociedade. Especialmente quando esta passa a incorporar o fanatismo religioso como reforço. A construção da idiotia cívico-religiosa aí está – mais viva do que possamos imaginar – atropelando o país dos brasileiros.

É também essa parcela do ‘pensamento’ pátrio que aplaude ‘continência’ a pavilhão estrangeiro, mesmo porque sonha – nos limites de sua insignificante compreensão da História, da Geopolítica, da Economia Política etc. etc. (para não dizer, de tudo) – em ser comparado de alguma forma com o colonizador contemporâneo e a ele subserviente.

Para ela seus povos originários devem ser tratados como o foram os “peles-vermelhas” do ‘grande irmão’ exaltado.

A mesma gente que somente entende viagem ao exterior se for para a Disneylândia, comer na origem sanduiches cancerígenos e beber refrigerante que compete com tal finalidade. Supimpa – o máximo em estesia e deslumbramento – morar ou admirar quem mora em Orlando ou Miami.

Até mesmo importou movimento antidemocrático e buscou “na mão grande” destituir mandatário legitimamente eleito como, naturalmente, o fizera um punhado de extremistas estadunidenses.

No entanto a gente que aplaude e endeusa quem se humilha a outro país e outra gente, ainda que à época não traduzisse o melhor de exemplos gestores, começa a espernear quando por aqui ensaiam fazer o que fizeram por lá: investigar ex-presidente.

Certo que nada custa aos seguidores compreenderem os riscos por que passa o ex-presidente dessa Terra de São Saruê. Afinal, por muito menos Trump corre risco de ir para a cadeia. Pelo menos respondendo à Justiça já está.

Nessa terra brasilis aprendemos como respeitar as instituições no exemplo de um ex-presidente, indiciado, julgado e condenado em 2ª instância no curso de anos-luz de 1 ano e 8 meses. Mais de ano e meio passou preso. Para depois descobrirem a trama armada desde o início e que, por ser tão medíocre, desmoralizada interna e externamente.

Por aqui também responderam a processo e curtiram cadeia políticos outros, incluindo governador de estado membro.

E muito avançamos. Porque tempo houve não tão distante que preferiam ex-presidentes suicidas ou mortos em circunstâncias até hoje pouco explicadas.

Que essa gente aplauda – como o faz em relação aos Estados Unidos – o que deram os senhores do Judiciário pátrio de imitar: investigar, processar e condenar quem atente contra as liberdades democráticas e o Estado de Direito.

Sejam ‘patriotas’ .

Por amor à pátria.


domingo, 17 de setembro de 2023

Beethoven para o Brasil e o mundo

 

Obra – das seminais – o Concerto nº 4 para Piano e Orquestra, Opus 58, de Ludwig von Beethoven. Para nós pode ser ouvida como lição metafórica para a geopolítica e a economia política contemporâneas. Não o 1º e 3º Movimentos, e sim, o intermediário, de pouco mais de cinco minutos: Andante com Molto, do 2º Movimento.

Desperta-nos a singularidade de um típico confronto entre orquestra e piano, vencido pelo piano quase inaudível depois de carrear a orquestra para o seu terreno. Destaca-se para a época o fato de inovar a regra geral (orquestra abrir o concerto. Similaridade também presente em Concerto de Aranjuez, de Rodrigo) e de imediato o piano o faz, como se se afirmasse ditando as regras. Na obra bethoveana há um singular jogo de pergunta e resposta, cada um a seu tempo, e quase não se encontram. Dispensou Beethoven os metais da orquestra para alimentar a contundência da orquestra e o faz por meio das cordas e madeiras. Traça e amacia no piano o seu desejo de terno convencimento para demonstrar que – como o fará no 3º Movimento – unidos podem tudo fazer e não subjugando uns a outros.

A lição do mestre do Romantismo – como o expressará em obras como as 3ª, 5ª e 9ª Sinfonias – nasce de um idealista que sonha com a igualdade entre os homens, menos distorções, e – certamente – hoje militaria por ver a redução do desequilíbrio sócio econômico entre os povos. Caso o ideologizássemos o teríamos certamente na fronteira das lutas em favor de maior igualdade entre os homens.  

Há países que trabalham como a orquestra; outros como piano. Os primeiros continuam aos gritos para amedrontar os que não tocam sob sua partitura e regência. Lá fora começam a ouvir notas suaves oriundas do piano; mas ainda insistem em impor sua tessitura ferindo os tímpanos dos que não pretendem usar suas técnicas. E persistem em não compreender que há gente morrendo em decorrência das desigualdades e sucumbe atravessando mares fugindo da asfixia a que submetida. Gente esquálida – que motivaria Castro Alves a compor novo e épico ‘Navio Negreiro’ – estampando a miséria e a desumanidade que ainda revive aquele triste exemplo.

O mundo não está só. O Brasil, internamente, imaginou através de uma parcela de sua gente de que gritar e ameaçar também seria o caminho mais fácil. No entanto destoou na leitura das notas.

O mundo começa a sentir que caminhos há para solucionar problemas e que não passam por convicções de religiões particulares que ensaiam novo formato para o patrimonialismo clássico ou que ensinam novo e revolucionário planisfério em nível de Geografia.

Essa gente, no entanto, dificilmente ouvirá Beethoven. Quando muito dirá que conhece o alemão por meio de caixinhas de música*.


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* Für Elise

 

domingo, 10 de setembro de 2023

Igualdade e fraternidade como aspiração

 

Karl Marx (1818-1883) afirmou que no plano da luta de classes – Capital versus Trabalho – o capitalismo, como instrumento daquele, sucumbiria a suas próprias contradições centradas no fato de coletivizar/socializar a produção da riqueza (através do trabalho) e concentra-la a seu favor por meio da acumulação e mais valia. Isso porque simplesmente tudo se origina do trabalho. Que adianta toneladas de ouro na natureza se não houver a força que o extraia? E esta – manual ou maquinariamente – se origina da força do homem.

Para o filósofo alemão Immanuel Wallerstein (1930-2019), o sistema não sucumbirá num ato heróico. Desabará sobre suas próprias contradições. Ou seja, não o será pela imaginada revolução do proletariado como pensadores muitos no curso dos Séculos XIX e XX, de Proudhon (1809-1865) a Bakunin (1814-1876) e Trotsky (1879-1940).

E adiantou, em entrevista ao Outras Palavras, em 2011: “Na minha visão, o capitalismo chegou ao fim da linha e já não pode sobreviver como sistema. A crise estrutural que atravessamos começou há bastante tempo. Segundo meu ponto de vista, por volta dos anos 1970 – e ainda vai durar mais uns vinte, trinta ou quarenta anos. Não é uma crise de um ano, ou de curta duração: é o grande desabamento de um sistema. Estamos num momento de transição. Na verdade, na luta política que acontece no mundo — que a maioria das pessoas se recusa a reconhecer — não está em questão se o capitalismo sobreviverá ou não, mas o que irá sucedê-lo”.

Ainda que envolvidos o pensamento do filósofo e do sociólogo no entremeio de dois séculos, mantem-se a evidente contradição no plano interno do sistema capitalista ao não partilhar parcela da riqueza gerada pelos trabalhadores – produtores de tudo através da força do trabalho – excluindo-os dos sistemas de saúde, segurança, moradia, educativo, que deveriam ser comuns a todos.

Desta forma tendo o capitalismo como objetivo a obtenção de lucros, cada vez multiplicados com a parcela que absorve e não distribui, sem reconhecer a fonte que o alimenta (fábricas, agricultura, comércio) aprofunda a cada instante, mais e mais, a desigualdade entre quem concentra e quem produz.

O progresso científico e a decorrente substituição de parcela da observação empírica dos fundamentos da teoria marxista não excluem a conclusão básica, definida historicamente como luta de classes.

Aí, mais viva do que nunca, travestida em outras roupagens. Não mais a vetusta escravidão humana como regra, mas escravidão à tecnologia imposta como consumo a quem não alcança recursos suficientes para corresponde-la sem perder a dignidade.

O capitalismo monopolista (contraponto ao de livre-concorrência ou liberal) ocupa o planeta com todos os seus tentáculos aprimorado em apropriação através de sua forma contemporânea: o capitalismo financeiro.

Na esteira de tudo a lição não aprendida de ver no outro o semelhante; a soberba e a indiferença tão só subsiste como se nada mais houvesse, nos que ostentam tal potentado.

Nenhuma sensibilidade para corresponder aos milhões de carentes atendidos por outros milhões que contribuem com parcelas de 30 reais mensais, atendendo aos que imploram nas redes os grupos humanitários, enquanto trilhões de dólares pautam carteiras de produtividade nula em relação a quem, para sobreviver, carece de centavos do que acumulam.

Inconcebível (se não fosse concreto) que o Homem, em dimensão de Humanidade e Civilização, convivesse com tamanha distorção: sem moradia milhões de famílias enquanto alguns milhares vivem em castelos e mansões milionárias; homens do campo sem um pedaço de chão para plantar a sua sobrevivência enquanto milhões de hectares estão concentrados nas mãos de poucos, que ainda acham muito pouco o que têm; milhões de seres humanos tornados objeto de uma cultura que os descarta, como coisa nenhuma diante dos ‘benefícios’ econômicos; que a Economia tenha primazia sobre o Homem espelhado em famílias sem teto, terra, saúde, educação e comida.

Havermos chegado a esse nível de indiferença espanta. E não se trata de ideologia tal espanto. Tão só clamar por mais equidade. Os homens não precisam ser iguais; mas, menos desiguais, mais fraternos e solidários. Afinal, a igualdade e a fraternidade como aspiração dispensam conteúdo ideológico, apenas espírito humanístico.

E não custa lembrar a lição irrefutável, inexorável: seremos reconhecidos (aqui e além) por aquilo que fizemos ao semelhante e não pelo acumulado, que aqui permanecerá.

Ainda que a terra seja plana, como imaginam alguns.