domingo, 31 de janeiro de 2021

Esperando Godot

O chefe da diplomacia (com minúscula, revisor!), aquele que defendeu um movimento criminoso, nos Estados Unidos (invasão do Capitólio), para agradar o ainda chefe e dono da coleira de plantão, ainda que correligionários e adversários repudiassem tal absurdo internamente e o mundo se visse estarrecido diante do acontecido, o mesmo que gargarejava “mito!”, “mito!”, “mito!”,  em reunião em que o inquilino do Alvorada desancava (com palavras doces e amenas ao seu estilo) a imprensa que descobriu o inusitado consumo de leite condensado, goma de mascar e quejandos tais adquiridos a uma empresa de parente de um pastor evangélico foi posto na corda-bamba. Insatisfeito com o nível de suas proezas tenta uma ‘aliança contra a China’, ainda que seja o gigante asiático o maior parceiro comercial do Brasil.

E o que dizer da ‘divisão do dinheiro’ envolvendo suíços, americanos (estadunidenses). A quadrilha que integrou a Operação Lava Jato local contando com ajuda suíça para dar menos dinheiro das apurações aos amigos do Tio Sam e sobrar mais. Não à toa aquela fundação picareta esperando um dinheiro para ser por eles 'administrado'..

Em meio a isso a confirmação oficial, com mais uma revelação da fraude judicial promovida contra Lula.

Efeito derrota de Trump: o inquilino do Alvorada abre espaço para os chineses no leilão do 5G.

Caro e paciente leitor: tudo d’antes como no quartel de Abrantes.

"Parem o mundo que precisamos descer", parodiemos Raul Seixas.

Agravando o quadro moribundo por que passamos como país e parece que nos acostumamos.

Nos acostumamos a clamar por impeachment, mas nada acontecerá e – de nossa parte, pessimismo que seja – não acontecerá, mesmo! Isso porque enquanto as classes dominantes internas e externas se beneficiarem permanecerá aquele que as atende.

Afinal, o que representa um milharzinho de mortos diariamente?

Mas esta nossa gente, por mais que tenha cometido seus deslizes e tenha pecados e culpa no cartório no curso de sua história, não merece passar pelo que passa.

Em meio a tantos Godots que poderíamos esperar – como típico teatro de absurdo – Godot nenhum há... Em singular instante desta terra brasilis um singular zeitgeist (espírito da época) nortearia Samuel Beckett.

E cá ficamos os largados em um mundo devastado, que nem de árvore dispõe para quem deseje dele fugir.

Pasmo o país da lucidez e da sensatez espera... espera...

Espera por respostas que não vêm.

Amanhã, talvez!...

Amanhã, talvez!...

domingo, 24 de janeiro de 2021

Derrota

 

Enguiando, não conseguimos registrar mais que isso.

Para os que asfixiaram e asfixiam, para os que negaram e ainda negam eis que pautam a mais hipócrita das mensagens: “Brasil imunizado / Somos uma só nação”.

Quando precisaríamos de, pelo menos, 350 milhões de doses para estabelecer mecanismos de proteção para a população os que propagam – e ainda propagam – a ‘prevenção’ como solução dão-se por pais da vacina(ção), ainda que meia dúzia de doses diante das necessidades.

Vacina que continua sendo objeto de debate ideológico que nos leva a pagar mais caro à Índia – que a pretendeu distribuída ao mundo sem ônus – mas o Brasil recusou para agradar aos compromissos estadunidenses de Trump para com a indústria farmacêutica.

Mas aí estamos: ainda discutindo ideologias enquanto o mortandade avança.

Duas derrotas se fazem, no entanto, presentes: uma, a do governo, que passa a admitir a vacina que ele mesmo não admite; e uma outra, do povo, que continua morrendo, especialmente quando a variante do coronavírus pode já ter se espalhado pelo país.

Alguns continuam aplaudindo o ‘mito’, como o fariam gladiadores: “Ave Cesar, morituri te salutant” (Ave César, os que vão morrer te saúdam!).

Ao banquete.

domingo, 17 de janeiro de 2021

Zkylon pelo “Banquete de vermes”

 

Em contato com o ar o Zkylon-2 se transforma em gás letal, de ação rápida. Experimentado em Auschwitz, pela primeira vez em setembro de 1941, no auge de sua utilização eliminava até 6 mil diariamente. Foi o coroamento das experiências em extermínio posto em prática pelo nazismo. Sua inalação levava a um ataque cardíaco em poucos segundos, depois de gerar uma dor intensa, convulsões violentas, afetar o cérebro e bloquear a respiração celular.

No curso da semana o mundo, estarrecido, assistiu ao desenrolar da crise manuara, com a infraestrutura de saúde amazonense em estado de caos absoluto, por falta de oxigênio, mortes multiplicadas por asfixia.

Neste domingo a Anvisa anunciava a liberação de vacinas em caráter emergencial. Não sabe quando a vacinação em nível necessário ocorrerá. Afinal, a logística parece não dispor nem de insumo básico, como seringas, tampouco produção e distribuição da vacina suficientes à demanda etc.

O planeta enfrenta a segunda onda do Covid-19 (incluindo suas variantes) e aqui ainda discutimos o sexo dos anjos no plano de guerra entre liberdade e comunismo stalinista.

A quem representa o inquilino do Alvorada?

Jessé Souza — dos mais lúcidos intérpretes da burguesia brasileira, na dimensão dos encastelados na classe dominante que se beneficia de crises e mesmo as promove, aquela “elite branca” de que fala Cláudio Lembro — em entrevista concedida à TV 247 a classificou como a “elite do saque” para traduzir o porquê da eleição e manutenção de um dirigente com evidentes sinais de desequilíbrio e uma política econômica sedimentada em não promover o desenvolvimento, mas privatizar a preço de banana podre.

Como temos registrado em opinião neste espaço, Jessé alimenta as razões da manutenção de tão estranha gente, muito bem atendida em seus reclamos:


“A elite brasileira é uma elite do saque, e ela está contente com o saque que Bolsonaro está promovendo. O grande saqueador de Bolsonaro é Guedes.

[...]

“Esse é o serviço que essa elite quer de um presidente, essa elite tem desprezo pelo povo, essa elite, a classe média branca, odeia o povo, tem vergonha do povo brasileiro. É isso que a gente tem que pôr, o povo brasileiro precisa saber quem é seu inimigo. O povo brasileiro nunca vai ter chance sem que seja explicitado o saque e o ódio que a elite tem desse mesmo povo”.

Enquanto aguardamos o instante para pagar nosso IPVA de cada ano (os que possuem veículo para trabalhar, se transportar etc.), a “elite branca” permanece isenta de tributação para aviões, iates, jetisquis. Enquanto os despossuídos se amontoam em transporte ou locais de trabalho, quando muito usando máscaras para barrar um pouco o contágio, essa gente navega em águas cristalinas pelo Caribe ou se recolhe às mansões paradisíacas em ilhas particulares.

Para essa gente Manaus não existe. É fake news de comunistas, de Lula, do PT, de esquerdopatas outros.

Para ela amparada em poderosa divulgação sionista extermínio só o nazista nunca o da escravidão africana e a contemporânea, nunca o da fome, nunca o das guerras sem razão, nunca...

Mortos ontem e hoje, alhures e aqui: em Auschwitz, nas câmaras de gás, asfixiados, em poucos segundos; em Manaus, asfixiados em hospitais, mais lentamente, por falta de oxigênio.

Escorregando em palha de bananeira amanteigada o país não é convidado para cúpulas que discutem a pandemia (não tem prestígio nem para comprar vacinas da Índia), fábricas cerram as portas, Banco do Brasil fecha agências e busca demitir 5 mil funcionários, e a ideologia definindo se libera ou não a vacina.

Porque para quem a iniciou o foi “em desacordo com a lei” declara-o o Ministro da Saúde(?). Afinal, a “lei” de quem comanda é para exterminar, não para salvar!

Em meio a uma crise humanitária a quem competia definir soluções nada mais faz que lutar para permanecer no poder e manter suas sinecuras. E, naturalmente, atender à classe dominante.

Um governo muito bem enxergado por Aroeira em o “O banquete dos vermes”. Servindo ao povo Zkylon no cardápio...



domingo, 10 de janeiro de 2021

A fábula a que chegamos

 Quando insistimos no tema não fazemos buscando proselitizar em relação a este ou aquele. A circunstância de existir este ou aquele decorre do fato elementar de que tudo que ocorre na sociedade diz respeito a um este ou aquele. Conforme quem veja qualquer deles — ou a circunstância que motiva — este pode ser aquele e vice-versa.

No particular chama a atenção quando este ou aquele é vítima de um sistema que não admite concorrentes. Seja Assange, destruindo a ‘verdade’ estadunidense, seja o manuseio de instrumentos estatais (judiciais, legislativos, policiais) contra este ou aquele cidadão para corresponder a interesses privados, alguns muito particulares em seara tupiniquim.

E voltamos ao que nos motiva escrever, posto no primeiro parágrafo. O que gira em torno deste ou daquele. Em entrevista concedida ao Canal 247 o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos destaca: “A credibilidade do sistema judicial brasileiro depende de anular a condenação de Lula”.

Redigimos neste espaço, aos 22 de novembro do ano findo, "Direito, STF, democratas estadunidenses, Lula e leituras". Fundávamos nossas considerações no “’Manifesto de solidariedade internacional ao presidente Lula e pela votação do habeas corpus pelo STF’, subscrito por 356 líderes e intelectuais em diversos ramos”.

E refletíamos:

Nossa leitura é outra: não a temos como pedido em favor do ex-presidente. Pelo contrário: há no manifesto uma clara defesa do Direito que deve ser aplicado de forma equânime". 

E afirmávamos:

"E, mais grave, muitíssimo grave: parcela respeitável da comunidade jurídica internacional duvida do Julgador brasileiro. Este o aspecto mais grave — mesmo inimaginável — posto à luz na manifestação”.

 

Quase 60 dias daquele registro. E nos vem Boaventura novamente tocar na ferida, clamando por “credibilidade do sistema judicial brasileiro”, que estará indelevelmente maculada caso não anule a condenação de Lula, escândalo dos maiores nos registros da história da Justiça no planeta. Aqui não há uma particularidade como a denunciada por Émile Zola, em “J’acuse’, no que se tornou o famoso Caso Dreyfus, mas a escancarada bocarra de um poder que se faz casta no país de famintos, de desempregados e de sem vacina. Do poder responsável diretamente afirmamos peremptoriamente por tudo que está a nos ocorrer.

Um dedicado leitor nos encaminhou uma relação que supera cinco dezenas de envolvidos no escândalo do judiciário baiano. Agradecemos e lhe dissemos que está a faltar muita gente de agora e de antes. E não enveredamos em torno de outras honrosas carreiras de Estado maculadas por nada honrosos ocupantes.

A manifestação do sociólogo português Boaventura de Souza Santos é a reafirmação de que a luta desta terra brasilis diz respeito a sair do luto em que está: luto por mais de 200 mil mortes pelo Covid-19 atestadas e por outras milhares omitidas ou que virão inexoravelmente; luto por havermos perdido a credibilidade política e diplomática; luto por termos de conviver com o permanente alerta de que uma injustiça perpetrada neste país permanece porque a instituição maior se nega a fazer a Justiça que deve não só ao condenado sem provas mas a todos os que um dia acreditaram que o Poder Judiciário (onde se destaca o STF) seria o último bastião para os desalentados.

Ou, talvez careçamos a nos habituar, como na fábula, e permaneçamos o cordeiro que tenta convencer o lobo de que quem está abaixo (jusante) não suja a água de quem a bebe acima (montante).


domingo, 3 de janeiro de 2021

Em ano que nasce velho resta-nos contar os dias

 

Vivemos em tempos idos de província  áureos tempos!  costumes singulares levados às ruas no formato de celebrações: o enterro do Ano Velho, por exemplo. Alcançamos a tradição de um grupo em desfile noturno carregando um caixão de defunto. Os que estranhavam enterro àquela hora e levavam a curiosidade aos píncaros, afastar os chorões em volta, meter a cara e lá encontrar o ‘defunto’ Ano Velho e abrir na gargalhada. Acompanhantes entoavam loas regadas a cerveja servida em penicos cheios de salsichas... o que escandalizava muita gente  maldosa, naturalmente. Uma toada servia de ‘incelença’: “Minha comadre, meu compadre morreu / e a senhora vai ficar sozinha / se a senhora quiser namorar, minha comadre / a primeira preferência é minha”.

Certo que não havia concentrações gigantescas, espetáculos artísticos e queima de fogos. Sintetizando: não havia a exploração comercial das tradições. Não precisava o que ‘luta pelo pão nosso de cada dia’ cingir-se à esta ou aquela marca de cerveja, à necessidade de comprar uma mesa e quejandos tais. Gasto, mesmo, ocorria para um punhado de sócios de um clube social, que dançava sambas e boleros até a meia-noite (em traje social) e no primeiro instante do ano entrante a orquestra atacava com as marchinhas tradicionais ou as que o rádio lançara a partir de novembro para o momesmo seguinte (quando a indumentária oportuna vinha à tona). E rompia o Carnaval até o amanhecer. Ali o primeiro ‘grito de carnaval’. Mas, efetivamente um ano se findava e outro começava: de esperanças, de começar com o pé direito, de repetir erros do passado.

Ficamos nos passos de cágado que esperamos dar no caminhar para completar três quarteis de existência (adiantamos de logo por que de janeiro a abril o tempo é pouco e não deixa de ser um jeito de fazer soar como esperança a incerteza). E, um pouco de personagem de Millôr Fernandes, com o pé atrás: “’Estou de passagem. Vim só dar uma olhada’ com dizia o outro, entre o berço e a cova”, vendo “numa laje, meu nome meio apagado”

Ultrapassados os cinquenta o existir nos levou a aprofundar reflexões, pensar em torno das coisas, buscar razões em meio às contradições, exercitar a dialética à procura tão somente de uma síntese. Alcançamos a capacidade de refletir, de pensar, de maturar, de inovar e discutir o porquê das coisas.

Em instante de passagem de ano-calendário fica-nos a certeza de que tal abstração atende apenas à limitação humana. Afinal, vida bilionesimamente curta no que toca à Eternidade o tempo medido é apenas um mote para “passar o tempo” sem que isso possa ser considerado um passatempo. Quando nada o calendário é apenas uma convenção humana. O tempo imanente não o reconhece, observa-o com desdém.

Toda a construção humano-civilizatória está pautada no tempo: passado, presente, futuro. Uma ciência o registra quanto ao passado (ainda que conforme quem o registre) como lição para o presente e reflexão para o futuro: a História.

E tudo que em torno dele se faz menos alimenta o Homem/Humanidade, o Ser destinatário de tudo que por este planeta ocorre e mais, muito mais, o que se beneficia de oportunas soluções que atendem apenas uns poucos bafejados pelas oportunidades onde encastelados.

Personagem nosso em “Amendoeiras de Outono” (Via Litterarum, 2005) reflete em torno dos avanços e criações da civilização: “O progresso me traz comodidade, não felicidade”. Eis o mote para refletir em torno da passagem de um ano-calendário: progredimos em busca da Felicidade?.

Arrumando o que chamamos de ‘biblioteca particular’ nos deparamos com duas circunstâncias flagrantemente escancaradas: encontro com velhas e sábias leituras (reservadas para imediatas releituras) e a constatação dolorosa de que de útil para o semelhante pouco adiantou-nos tanta leitura e tanto ler. Até porque quem deu de escrever padece de não ser lido como gostaria ou  quando muito  pouco lido.

Não deixa de ser um caso perdido essa coisa de mais um ano ultrapassado na estrada da vida (nada a ver com Federico Fellini e seu clássico “La Strada”, de 1954).

E em meio aos alfarrábios reencontrados uma edição de “A Revista” (editada por Carlos Drummond de Andrade e Martins de Almeida, em Belo Horizonte, nos idos de julho de 1925), em edição especial reimpressa por José Mindlin/Metal Leve em 1978.

Registra Mindlin que Carlos Drummond protestou porque “...não considerou válido fazer ressurgir do passado uma produção literária a seu ver de pouco valor”.

Registre-se que entre o de “pouco valor” para Drummond o primeiro capítulo de Mário de Andrade “(do romance Amar, Verbo Intransitivo) – (INÉDITO)”.

Em ‘Para os Scepticos’ os editores registram no último parágrafo:


“[...] Ao Brasil desorientado e nevrotico de até agora, oponhamos o Brasil laborioso e prudente que a civilização está a exigir de nós”. (Redação original).

E deixamos o quase um século e partimos para o “Sobre o autor”, de ‘Solo de Trombone (ditos & feitos de Alberto Roisel)’, de Antônio Lopes (Editus-Editora da UESC, 2001):


“Lopes é dono de texto econômico, meditado, não raro irônico, traduzindo um profundo cansaço com o discurso político que o rodeia. Costuma dizer que se ganhasse pelas vezes em que editou a salvação da Pátria (em reportagens e entrevistas) estaria rico, e a Pátria salva. Mas, filosoficamente, reconhece que  apesar do discurso politico repetido  ele e o Brasil continuam os mesmos: um pobre, outro à beira do abismo. Ou vice-versa.”

No limiar deste calendárico 2021 nos debruçamos em reler sobre um “Brasil desorientado e nevrotico” de antanho ou aquele ‘vice-versa’, de “um pobre, outro a beira do abismo”, para concluir que não há quem se oponha. E quando há quem cuide de fazê-lo não falta quem atropele o indigitado “Com Supremo, com tudo”.

Por tal mister  e suas singularidades  temos apenas o tempo permanente, querendo ser imanente, provando que o novo nasce velho. Coisa que nem Benjamin Button* em vice-versa ao cubo resolve.

E nem mesmo temos as províncias enterrando o “Ano Velho” e cantando ‘incelenças’. Resta-nos, tão somente, contar os dias.

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* Personagem do conto homônimo de F. Scott Fitzgerald (1896-1940), publicado em 1921, levado ao cinema sob direção de David Fincher, em 2008.