domingo, 28 de junho de 2020

A boiada de interesses precisa de um boi de piranha

Aquele que se faz cavalgadura por convicção não falta quem sinta a hora apropriada para defenestrá-la do plantão. E as ruas enchem-se de esperança. Uma reedição de manifestações como ‘Diretas Já’ embala ‘sonhos de uma noite de verão’ tupiniquim. Basta o povo nas ruas e tudo estará resolvido. Assim, levemo-lo às praças e as portas se abrirão para a retomada do crescimento com distribuição de renda, redução das desigualdades, justiça social e respeito internacional.

Na esteira de esperanças que afloram em mentes tantas há quem afague a ideia de que o inquilino está prestes a sair. Basta o povo exigir.

Tudo belo, mas não vemos este sonho amparado na plenitude da discussão em torno do dia seguinte a partir do porquê acontecido.

Levantamos senões à tais especulações, porque vemos esperança vã em quem não percebe que a luz que o guiou ao Alvorada ainda não está satisfeita em suas ambições. Porque não vemos ‘como’ acontecer se os motivos que levaram a tudo que passamos ainda são ‘motivos’. Isto afirmamos porque a obra – iniciada em 2016 – não está concluída. Caso contrário será imaginar que todo o elaborado seria desprezado pacificamente e deixado de lado a sua plena realização depois de ‘tanto trabalho’.

Naturalmente, para corresponder aos interesses em jogo, a melhor solução ‘moral’ passaria por afastar o inquilino e elevar o vice Mourão ao estrelato. Afinal – nos quesitos elaborados por quem banca o jogo de interesses – lê na mesma cartilha: aquela referida no texto de domingo passado neste blog – a partir da obra de Manoel Domingos Neto comentada no GGN – qual seja integrar a parcela de militares que se subjugam a uma nação diversa sob o manto da defesa de qualquer coisa que àquela não seja conveniente.

Para os beneficiados – destituídos de qualquer resquício moral, a não o ser o que para eles o é, lucro acima de tudo, não importando o que seja feito para que tal se consume, tampouco o meio de que se valha – cada tropeço do inquilino e cada vexame, nada dizem se continua a efetivar o projeto gestado lá fora com apoio de parte da classe dominante local que explora aqui para gastar lá. Neste trilhar o que nele assusta é a possibilidade concreta de sua megalomaníaca vocação ao absolutismo monárquico levar à interrupção do butim.

Escrevemos o que ora escrevemos para estender além destas linhas a certeza de que muito do que há de esperança panfletada, anunciada, protestada não será consumada no atual estágio caso não se aplaine ou se ajuste àqueles interesses. Começando por um pacto que os mantenha, nos moldes da ‘transição democrática’ conhecida onde o mínimo alcançado resultou em anistia para crimes contra a humanidade.

Tanto isso se confunde com a verdade que a única coisa impossível de acontecer para essa gente é o retorno do PT ao governo aplicando políticas em benefício da sociedade.

Por fim – para coroar o projeto em andamento – uma anistia nas apurações legitimada pelo STF, que se resolve com a protelação de decisões e, em casos de ordem penal, aguardar a prescrição.

Mas, caro leitor, acabamos de registrar: STF. Aí – para nós – o principal nó górdio a ser desatado. Desate que passa por conformar sua composição aqueles interesses. E nesse viés o inquilino tem papel crucial que é indicar membros. Como o PT indicou e o fez em prejuízo próprio e do país  tanto que parcela de suas indicações o escorraçou do poder – o que vem por aí para integrar a Casa consistirá no aperfeiçoamento de interpretações que favoreçam aqueles interesses em todas as searas (privadas, administrativas e políticas).

Sustentamos nossa descrença, alicerçada na profunda desconfiança em relação às instituições desta terra brasilis, a partir do que lemos em textos oriundos de visão progressista. Um deles escancara o que há dias vem sendo sinalizado: uma trégua entre o inquilino e o STF. No contraponto, a grande imprensa (a serviço daqueles interesses) sinaliza a profecia imediata: teria o inquilino sido enquadrado pela prisão de Queiroz e outros, pelo STF. Nem falemos da postura altamente ‘conciliadora’ do Congresso se aproveitamos as declarações do Presidente da Câmara.

O pitbull ficou desdentado, porque enquanto dentes teve rosnou ameaçadoramente. E um de seus alvos favoritos justamente o STF. Que – muito brevemente – para o bem de todos os interesses e felicidade geral dos mesmos – terá a composição dos sonhos. Assim, dentes os tenha, mas não os exiba.

Caso alguém imagine alguma reação, esqueça. Editorial de O Globo – tradicional representante de interesses estranhos aos do país retrata – à perfeição – a realidade: "A prisão de Queiroz pode ter ajudado Bolsonaro a entender que prejudica a si mesmo tentar governar como se tivesse um impossível poder absoluto”.

Ou seja, o recado claro: o inquilino precisa se limitar/compreender que dele nada mais esperam que “tentar governar” dentro do sistema que lá o colocou e que disso não passa a sua ‘honrosa’ missão.

Eis a chave do nó górdio indesatável: o problema não é o inquilino e seu desastroso governo para o país, mas pôr em risco que tal não ocorra.

No mais nos resta, escriba de província que caiu na besteira de aprender a ler e interpretar – para não morrermos calado – vivenciar indignação suficiente a permanecer expressando a profunda tristeza que nos acomete diante da destruição do Brasil, fato que avança nos bastidores aceleradamente enquanto o inquilino do Alvorada vai ocupando sua função de boi de piranha para que a boiada dos ‘interesses’ seja salva.

Há quem enxergue diversamente. O tempo dirá quem tem razão.


segunda-feira, 22 de junho de 2020

Com a devida ironia e latinismo

Eis que continuamos (com a devida ironia e latinismo)

Muita coisa aconteceu no curso desta semana, a começar pelo inquilino do Alvorada estar assinalado como (muito) provável escondedor de foragido e garantindo a fuga de quem pode tornar-se um, porque investigado. Diríamos, em decorrência, que no curso da semana que passou muito foi precipitado, tamanha a velocidade dos fatos e os limites  exigíveis para quem trafega em estrada repleta de curvas sinuosas.

Mudança de água para vinho. Incluindo a utilização do aforismo "Cão que ladra não morde".

Bom instante – a considerar as especulações postas no texto anterior – para testar se os comandantes militares estão dispostos a sustentar um golpe para implantar uma ditadura que tenha Queiroz e outros quejandos como ‘salvadores da pátria’.

Em meio à balbúrdia – tônica deste governo surreal – o primeiro sinal do que representa o sentimento palaciano logo visto no desdobramento envolvendo uma peça singular dentro desta singularidade onde ministério para ser ministério exige, como condição sine qua non para o preenchimento do cargo, que a chefia seja exacerbação do surrealismo. E assim – como o exige o clima – sucede a exoneração de boca de um ministro de estado e a sua fuga para o exterior quando sob investigação, ingressando em país que fechou fronteira para brasileiros, o que permite a especulação de que para lá viajou amparado em passaporte diplomático (por ser ministro) quando já não mais o era e, muito provável, viajando em voo não comercial. Exoneração ‘de boca’ (ó língua!) porque a publicação do ato somente se deu no sábado (20) quando o indigitado já se encontrava em solo estadunidense.

Essa novidade, pautada na visão bonapartista do inquilino do Alvorada, nos remete a especular em torno do quão tamanha a autoconsciência de sua força e poder, a ponto de já ensaiar avanço sobre o planeta e expandir pelo mundo o caos que conseguiu implantar no Brasil.

Isso mesmo. Levado a exonerar o indigitado de logo indicou-o – certamente pelo nível e grau de sua ‘indukassão’ revolucionária – para o Banco Mundial, pilar da representação do Capital Internacional – assegurando sua fuga da terra brasilis.

Por este inusitado avanço não custa ironizar e ver em tal fato, e circunstâncias policialescas a envolve-lo, manifestação do inquilino do Alvorada (diante das reconhecidas limitações da figura indicada) – como primeiro teste de uma forma sui generis de iniciar o processo de reformulação planetária começando por transformar aquela renomada instituição em ‘tamborete de três pernas’.

Caso deixem esse rapaz vai longe! – diria Tormeza. Até porque ninguém imaginaria que no seio da extrema direita houvesse quem pudesse desmoralizar teorias que qualquer leninista-trotskista imaginaria para a sua luta contra o capitalismo: que o fosse comandada a partir do terceiro mundo.

Certo, caro leitor, voltando à realidade que nos afeta que, de segunda-feira passada para cá, nos vemos diante de um governo prestes a acabar – implorando para a cassação da chapa pelo TSE como saída honrosa – não porque as instituições funcionam(ram), mas porque o câncer que o carcomia entrou em metástase acelerada. Não porque o “fora” motivou o Congresso a pautar qualquer uma das dezenas de pedidos de impeachment, tampouco Judiciário exerceu a tempo suas funções (retardadas em meses) mas porque o câncer mostrou as caras e no ringue brasileiro o vencedor em apostas pede e implora para ser nocauteado.

Petronius (27-66 d.C.), contemporâneo de Nero, em Satiricon, testemunhou a sociedade contemporânea, onde ridiculariza a ‘alta sociedade’, e nem mesmo dispensou em torno dos militares de sua época. Precisa reviver no Brasil o seu Satiricon, até porque muito do que ironizou em relação àquela Roma, pelo palavreado e a freudiana fixação anal do inquilino do Alvorada em muitas declarações, pode estar a ocorrer nestas plagas. Certamente encontrará outros personagens desprovidos de pudor, uma outra antevisão da exploração social ao lado da hipocrisia e de anomia decorrente do caos, mas o encontrará, sim.

E trilhando pela ironia – naquela de pagando para ver – ficamos diante da efetivação ou não daquela ‘profecia’ de um cabo ocupando o STF, outro o STJ, outro o TSE, mais outro... e nos estados Tribunais de Justiça e Comarcas comandadas por cabos e sargentos das respectivas polícias militares.

Ou seja, o triunfo da república de Queiróz, aplaudida pelos mais de 50 mil mortos  decorrentes da pandemia na 'sexta-feira 13' em que se tornou o país. 

Miserere nobis!

Ora pro nobis et pro omnibus!


domingo, 21 de junho de 2020

De água para vinho: o inquilino do Alvorada em dois tempos

Antes de segunda-feira redigíamos

Os que estamos vivendo o instante histórico – para uns, singular; para outros, estranho – discutimos a realidade a partir do quanto dominamos em nível de informação. 

Sob esse jaez – afastados os que pensam que pensam e reproduzem aleivosias – temos observado o país tão somente sob um plano de organização sócio-política a partir do fim da ditadura sem atentarmos para todos os componentes que constituem o Estado nacional. Dito esse (nacional) sob a compreensão do Estado Democrático estatuído na Constituição da República, onde as instituições que o configuram estão formalmente delimitadas sob a égide da tripartição dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), cada um a ser exercido sob regime de freios e contrapesos dentro da salutar concepção de Montesquieu. Ou seja, cada poder em si limitado ao exercício de funções que lhe são próprias: administrar, legislar, julgar; nenhum exercendo o que não lhe seja próprio (ainda que intervenções ocorram quando, por exemplo, o Judiciário se arvora de legislador ou de executor etc., naquilo que a melhor doutrina denomina de judicialização).

O presente introito vem a lume a partir de leitura do quanto expressado pelo inquilino do Alvorada, em recado fácil de ser compreendido, de que não tolerará atos oriundos do Poder Judiciário (STF) que intervenham no Poder Executivo, em relação ao qual se vê ‘complacente demais’. (Conversa Afiada

De imediato cumpre interpretar o que parece ser o Poder Executivo para o inquilino: ele, tão somente ele, intocável e inalcançável, onde onipresença e onisciência asseguram a onipotência.

O fio da meada que move o articulista, cabe registrar, não está adstrito ao fato em si que teria justificado o dito pelo inquilino, mas a remota consciência em torno do quanto diz: ou seja, não está a fala vinculada a esta ou aquela decisão questionada pelo governante, mas no conteúdo ali expresso.

A mais primitiva e primária das interpretações em torno de uma decisão judicial sabe-o o mais bronco dos homens: goste-se ou não deve ser cumprida. Isso para que não sucumba o Estado-Poder-Força-Coação contida na figura de um magistrado, que é a de falar pelo Estado quando dirime conflitos de interesse.

Na esteira da realidade recente muito se passou a falar em torno de um ‘poder moderador’ na República a ser exercido pelas Forças Armadas. Logicamente – nas circunstâncias atuais – uma expressão que pode ser traduzida numa palavra curta e grossa: golpe. Ou seja, caberia às Forças Armadas cuidar daquilo que não lhe cabe: administrar o Estado brasileiro em dimensão plena, intervindo no Executivo, Legislativo e Judiciário, como sabemos ocorrer a partir dos exemplos registrados na história recente, aqui e alhures.

Falar como voz das Forças Armadas tem sido a tentativa do inquilino do Alvorada de fazer-se seu porta-voz, ainda que delas o seja comandante em chefe (e o é constitucionalmente). A indagação decorrente, no entanto, é se o que diz e o que proclama/pretende traduz o que os militares da ativa pensam. E mais: se o seu projeto bonapartista lá encontra apoio.

Na esteira de seu projeto, imagina-o o inquilino do Alvorada (como apoio até em um seu admirador que se diz jurista/intérprete da CF para assegurar-lhe força doutrinária), que as Forças Armadas sejam o efetivo poder moderador nesta república e que ponham a tropa na rua para assegurar-lhe poderes ilimitados para exercitar as políticas que pretende. 

As implicações são várias, começando pelo entendimento de que a caserna não reconhece o estado nacional em que a sociedade seja destinatária das ações governamentais, fácil de observar a partir de análise de Luís Nassif sustentada em obra do baiano Manoel Domingos Neto (Sobre o patriotismo castrense), no GGN, quanto à sua formação/constituição histórica. 

Em outras palavras: teriam elas dificuldade em entender o estado nacional sob a égide da distinção entre “interesse social” e “interesse nacional”. Sob aquele, o povo é sua razão de ser e destinatário das ações estatais, e não um ser distinto onde se torna apenas elemento de definição (povo, território etc.) e que a pátria é parte abstrata do conjunto não o concreto, visto que nela estão sedimentados os valores que hão de nortear a existência de um país, nunca o país/povo em si, mas neste repercutir.

A caserna clássica diz respeito às três armas (Exército, Marinha e Aeronáutica). Do domínio desta em nível de poder temos sobejos conhecimentos e algumas tristes lembranças quando se entendeu distinta de sua função institucional.

O inquilino do Alvorada deseja ardentemente que o “interesse nacional” sob a ótica castrense se sobreponha ao “interesse social” que lhe cabe promover (e não consegue). Razão por que de seu discurso de ‘comandante em chefe das forças armadas’ para, através delas, tornar-se o governante absolutista que sempre almejou. E vai além: incentiva, não tão às escuras, o uso de forças várias (privadas e policiais) para garantia do projeto.

Mas, aqui especulamos, no caso de não trilharem pelo discurso do inquilino: no curso de atuação das Forças Armadas intervindo desconhecemos a tomada do poder estadual por cabos e sargentos de polícias militares, muito menos de ocuparem o estado federal e subsumirem ao seu comando as três armas da República.

Assim, fica no ar se as ameaças de golpe nas instituições republicanas são efetivamente a ‘vontade’ dos chefes militares da ativa e ou a vontade/esperança do inquilino do Alvorada de que o exercitem aquelas. Isso porque, sabe-se à sorrelfa, os militares que o cercam não mais têm voz de comando sobre a tropa.

No entanto, das insistentes declarações do inquilino do Alvorada depreende-se a vocação de manter-se no poder pelo uso da força. Com quem contaria?


Depois de segunda redigimos

(Amanhã)


domingo, 14 de junho de 2020

Democraticamente “arrumando as coisas devagar”


Registramos na coluna anterior a Semântica e sua utilização nesta contemporaneidade tupiniquim. Por que não afirmarmos que a significação de Democracia já se materializa em outra interpretação? 

“A gente vai arrumando as coisas devagar”, afirmou o inquilino do Alvorada ao sinalizar a sua futura indicação para o STF enquanto fazia críticas à Corte.

Sobejas razões tem o inquilino. Há ano e meio está ‘arrumando as coisas’ e tudo tem andado conforme o figurino projetado haja vista as aberrações que tem cometido e nada lhe acontece. Como tem elevado críticas ao STF – acovardado – uma peça que venha a colocar na sua composição pode efetivamente mudar inteiramente os rumos de interpretações da Corte caso qualquer daqueles seis volte ao terreno palmilhado (de macular suas interpretações para corresponder a interesses político-eleitorais).

“Arrumando as coisas devagar” muito brevemente o inquilino do Alvorada terá a interpretação da Constituição semantizada ao seu alvitre. Faltam curtíssimos cinco meses.

Indagará o estimado e paciente leitor o porquê de nossa observação. Nada difícil. Basta esquecermos o suplício chinês diário que ocupa os meios de comunicação de massa e partirmos para analisar a postura de quem cabia, institucionalmente, reagir e se mantém fritando bolinhos de bacalhau da Noruega (alguns regados a vinhos e lagosta como acompanhamento). No contraponto a mesma conduta, com a prosa amaciada do ‘respeito às instituições’.

É simplesmente inconcebível que todo o mundo esteja a denunciar o que se passa no Brasil e somente aqui tudo pareça normal porque as ‘instituições estão funcionando’. Funcionando como cara pálida?

Um ensaio de ativismo destituído de qualquer fundamento se expressa pelos quatro cantos do país. Nada mais que reproduzir a liderança. Como esta é vazia de tudo que tenha origem no pensar ou racionar lógico a boiada segue o boi nadador, ainda que este os esteja conduzindo para o precipício.

Uma tresloucada se exibe com armas empunhadas, se imagina perseguida política e ameaça Congresso e STF. Um outro punhado lança rojões contra uma Corte de Justiça em Brasília etc. etc. etc. etc. Outros – inclusive políticos – invadem hospitais. Qualquer amalucado está se achando 'soldado' de um exército 'salvador da pátria'.

No país pululam atos inconcebíveis de ocorrência em um Estado de Direito, sem que ocorra a repressão dos órgãos de segurança institucionais.

“Parem o Brasil que eu quero descer” – dizemos os atônitos diante do inconcebível.

O genocídio urbano avança. Seja-o sob a égide da pandemia, seja-o pelo agravamento da violência que avassala o tecido social. Como se não bastasse, atingirá em dimensão de típico extermínio os povos indígenas em áreas remotas porque sobre eles avançam grileiros, garimpeiros e mesmo ‘salvadores de almas’.

E lemos nas redes a estupefação de alguns diante de tanto descalabro. Mas, neste particular, não é tocado o cerne da questão: a razão por que de tudo estar tolerado. Insistimos em nossa “paranoia” de que tudo se ampara no imediato (local) e no mediato (externo). Ou seja: o programado lá fora para a recolonização formal do país se materializa aqui dentro pela ação dos agentes pátrios a serviço dos interesses de fora.

E o jogo que não dará em nada vai se alimentando do “fora isso”, “fora aquilo” sem internalizar nas massas as reais causas. Tudo muito bem programado para acontecer como está acontecendo, “arrumando as coisas devagar”. Ano e meio já se foi e tudo certinho como boca de bode.

E as instituições funcionando justamente em defesa disso. Porque, até que nos provem o contrário, aí estão acovardados STF e quejandos judiciários legitimando a “arrumação”. O STF, comandante mor, desde quando deixou de reconhecer decisões de tribunais internacionais a que estava obrigado, assim como negar direito líquido e certo de quem pretendia concorrer às eleições presidenciais e mesmo ao se acocorar diante de uma ameaça militar. Na esteira TSE, STJ e quejandos hierarquicamente inferiores.

Tudo aí está, de fachada e fancaria.

A democracia sob esta dimensão semântica é a que traduz o fracasso diante de seus fundamentos, porque aquela conquistada se precipitou nas calendas e os seus instrumentos institucionais – e o ordenamento jurídico-normativo dele decorrente – não foram capazes de enfrentar o assaltante quando este lhe bateu à porta: mandou-o entrar e que trouxesse as milícias todas de que dispusesse para fruir da conquista e mais o fez: armou-os todos dos meios de que carecem para o exercício do mister, inclusive financiamento com recursos públicos.

Não reagimos quando devíamos. E por ficarmos calados nos habituamos à mudez. Não sabemos até quando. E quando dizemos “não reagimos” não o fazemos em relação às parcelas da sociedade que vão às ruas e protestam, mas tão somente às instituições em que confiávamos, porque nos ensinaram a nelas acreditar.

No fundo a democracia está sendo arrumada devagar para consumar seu suicídio. Uma democracia que não mais resiste nem mesmo a espirro de general de pijama.

domingo, 7 de junho de 2020

A fábula e o fabuloso. O que nos assusta

A significação das palavras representa um capítulo de singular importância no estudo da gramática, tendo por objeto o sentido ofertado por elas dentro de determinado contexto, definido como Semântica. Trazendo-a à compreensão no plano da antropologia social não temos como não perceber que os fatos que ‘edificaram’ esta terra brasilis nos últimos quatro anos estão a configurar significações que se expressam bastante distintas do que antes imaginávamos.

Ora vivemos a singularidade semântica decorrente da anedota do marido traído, que flagrou o incidente acontecendo no sofá da sala, e que determina, como solução, a retirada do sofá. Ou seja, a desculpa se torna mais importante que o fato em si. Ou da montagem do argumento da fábula “O lobo e o cordeiro” – seja-o pela lição de moral de La Fontaine ou de Monteiro Lobato – para reformular a realidade. E como um tal de Covid-19 deu de crescer em número de contaminados e mortos cuide-se de suprimir a informação por parte do governo e as ovelhas que balem nas avenidas se vejam diante do lobo.

O inquilino do Alvorada mantém-se no trilhar proposto e ameaça os movimentos que o criticam com armas para confrontá-los; afinal estão córrego abaixo turvando a água que bebe acima.

O quadro clínico é de paranoia. Que tem causa nas incertezas, nos erros cometidos, na insegurança, na absoluta incompetência para gerir. Não há como dominar a realidade, muito menos como compreendê-la. E vai aproveitando a fábula, ameaçando quem bebe córrego abaixo, dele lobo afirmando que turvamos a água que está acima enquanto tira o sofá (dados do Covid-19) da sala.

Busca o inquilino – e o tem demonstrado à sorrelfa – confirmar que o poder o tornou forte. E o faz como lobo da fábula: a razão do mais forte é sempre a melhor razão. Nele a inexistência de qualquer resquício de ética, fazendo prevalecer a razão de que contra a força não há argumentos.

As instituições estão brincando com o fogo que queima a democracia. Os discursos enfrentam somente o inquilino do Alvorada sem demonstrar qualquer avaliação concreta em torno do que tudo isso sustenta.

Ele não está só. Pouca gente, há de se dizer. Também dizem que tem perdido aliados. Mas não nos esqueçamos que outros aí estão. Que o diga o pentecostalismo católico, tão dinheirista como os criticados evangélicos que vendem água do rio Jordão e mesmo feijões milagrosos. 

Mas, caro leitor, parecem não perceber (e dimensionar o que isso representa) que com 550 cartuchos mensais e a liberação da venda de metralhadoras antes privativas das forças armadas liberadas está sendo construída a força como argumento.

O ministro do STF, Gilmar Mendes (ambos – Mendes e STF – artífices do que aí está) argumenta que pela Constituição não há admissibilidade de autogolpe. Ninguém perguntou a ele, Gilmar, se 2 bilhões de cartuchos (possibilidade a partir dos 550 mensais liberados) entendem de Constituição, considerando apenas as armas autorizadas atualmente para uso pessoal e caça (350 mil cada uma), como alerta a BBC Brasil.
      
A inquilino do Alvorada tornou-se o fabuloso narrador conforme sua imaginação, seguido por um punhado que saliva quando fala. Mas este punhado pode ser o detentor da força que o inquilino detém através do poder que lhe outorgaram as urnas. Se fraudulentas ou não que o diga a Justiça Eleitoral quando o desejar porque quando deveria fazê-lo não o fez.

É tempo de imaginar se há espaço para confronto, radicalização de pretensões ou de conciliar, ainda que perdendo algo de si por pouco tempo para não perder tudo por muito mais tempo.

É muito mais necessário tentar pelo menos compreender a razão por que do catolicismo pentecostal está pedindo apoio ao inquilino quando este retira dinheiro do Bolsa Família destinado ao Nordeste para garantir custear comunicação (porque as verbas orçamentárias já se esgotam), distribuídas entre amigos vários, entre os quais busca estar o catolicismo pentecostal, louco para participar do universo de fake news.

Afinal aí está: a fábula nos ensina, o fabuloso a semantiza. Não lhe faltam leitores aguardando a oportunidade de aplaudi-lo euforicamente. Como no velho oeste do cinema: com tiros.

No caso desta terra brasilis, tiros contra as instituições para assegurar eternidade ao fabuloso.

Instituições ajoelhadas no pelourinho, diante do feitor que as chibata. As mesmas instituições que por nada (porque nada provado) tiraram do poder uma presidente.

Mas, caríssimo leitor, não é o inquilino do Alvorada (que sempre foi de intimidações, desde quando ameaçou explodir a adutora do Guandu em 1986), o que nos preocupa são a inércia e a covardia de se fazerem impor as instituições diante de ano e meio de descalabro.

Porque, pelo andar da carruagem, o negro terá nova significação muito brevemente: será a cor da luz do dia. 

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Superando


Esta terra brasilis não dispensa oportunidade – em defesa da liberdade e da pluralidade – de confundir alhos com bugalhos. E como liberdade de expressão o avançar sobre a intimidade alheia ou mesmo impor conceitos em vez de educar para que possam ser aceitos com naturalidade.

Defendemos – acima de tudo como instrumento de competição com os canais comerciais privados – a TV pública como o meio de oferecer programação plural centrada em valores que façam levar a todos aquilo que, muitas vezes, não é considerado como papel pelas redes privadas no país (que visam o imediatismo do lucro), qual seja programas educacionais (em todos os níveis e vertentes), como forma de valorização e reconhecimento da cultura brasileira.

Na esteira de tal pensar, as televisões ditas Educativas tornam-se, em nível de estado ou região, um meio para que o telespectador acesse informação não ofertada por canais comerciais.

A produção cultural (cinema, literatura, artes, dança, teatro, música etc.) há de encontrar apoio estratégico através de ditas redes, valorizando a produção de conteúdos regionais o que implica não só no reconhecimento dos valores existentes naquela região como da expressão cultural em suas mais diversas vertentes e a geração e o reconhecimento de atores, atores, produtores, escritores etc. da região, o que implica na geração de emprego e renda a integrar a economia local.

Assim, com particular alegria vi hoje no noticiário local da TVE Bahia o anúncio da instalação de sinal digital da estatal em mais três localidades do interior baiano.

Em seguida acompanhei o Giro Nordeste. E mantive o aparelho sintonizado na emissora enquanto realizava uma atividade que me fez afastar o olhar da telinha.

Quando voltamos à telinha, surpreso e estupefato – a partir das 20h (mais exatamente às 20:05h) – vimos parte da programação para aquele horário (não lembro o programa, mas as cenas) em que uma relação homossexual/lésbica em plenitude se fazia e, em seguida, uma outra, heterossexual, exibindo em nudez como não o fazem muitos filmes que buscam atingir um público com idade superior a 16 anos.

Cumpre ressaltar que nada temos contra opções sexuais. Estranhamos – até porque a formação de nossa gente longe está de perceber o fato em si, mas sob sua dimensão sociocultural (onde em muito ainda permeia a influência/formação religiosa – o horário em que tais cenas foram exibidas.

Trilhamos por respeitar a produção cultural que promova o reconhecimento de lutas em defesa de dita liberdade. Mas não podemos descurar em torno do respeito às populações, em si distintas quanto à formação e à compreensão, em seus valores, inclusive morais.

No entanto – repetimos – estranha-nos o horário em que o programa foi exibido (20:00h desta quinta-feira, 4 de junho de 2020). Isso porque horário em que muitos ainda estão encerrando o jantar, ou mesmo iniciando-o. Simplificando: horário em que crianças não dormiram, a não ser os bebês.

Eis aí o busílis: crianças. Porque não pretendemos aqui inserir os adultos que não estão voltados para assistir tais cenas em horário de jantar.

Ficamos a imaginar nosso neto, que ao nosso lado assiste programas na televisão (documentários e programas infantis, preferencialmente) estivesse ali, do alto de seus 9 anos incompletos. Que indagaria ao avô ou à avó?

A reação posta neste texto não está voltada para a defesa de purismos ou puritanismos, Tampouco para elaboração de estudos acadêmicos. Até por que não faltará quem observe que a TV aberta (capitaneada pela Globo) há muito já o faz.

Mas por haver em nós gerado uma preocupação: a TV Educativa da Bahia, como televisão custeada pelo poder público – sob gestão louvável de interiorizar a recepção de seu sinal digital – levar em dito horário programações de fazer inveja a cenas íntimas dos malfadados BBBs.

Até porque não temos conhecimento de que tal conteúdo tenha sido objeto de proposta e programa de governo do atual governador quando candidato.