domingo, 25 de julho de 2021

De joelhos

 Cenário 1

Dia destes dos tantos que se repetem teimosos convidando à reflexão e à provação circulou na rede uma ameaça militar ao Estado de Direito. Descobrem agora que o ameaçador recebeu, em junho último, a sinecura correspondente a 100,7 mil reais líquidos a título de remuneração. ‘Apenas’ 30,9 mil o foram de salário/vencimentos; o restante (2,3 três vezes o principal), beirando 70 salários mínimos, sob a rubrica “outras remunerações eventuais”.

Estranha nomenclatura essa: “outras remunerações eventuais”. Primeiro, porque ‘outras’ pode muito bem ser exposta de forma clara, não esconder-se em biombos. Pior essa tal de ‘eventuais’. Que escondem de tão singulares que não encontram tradução como ‘diárias’, ‘gratificações’, ‘férias’, ‘antecipação do décimo terceiro’, ‘ressarcimento de despesas’ etc.?

Este escriba de província entendeu estar ‘justificada’ a ameaça de golpe. O indigitado não pode perder tal ‘boquinha’ que lhe assegura a jabuticaba tupiniquim denominada “outras remunerações eventuais”.

Cenário 2

Para não descurar de seus compromissos o Vice-Presidente visitou Angola. Este escriba de província imaginou ser viagem “de Estado”. Lula, por exemplo, viajava muito, acompanhado de dezenas de empresários para abrir espaços para os negócios brasileiros. É função do governante. Os Estados Unidos fazem, de modo competente (incluindo com ameaças) e sempre fizeram de tudo para garantir espaço para os seus negócios e de seus empresários além fronteiras.

Mas, a informação que circulou diz que a viagem “de Estado” de Sua Excelência visava outra coisa: aparar as arestas angolanas contra a Igreja Universal, que botou para fora os pastores/ministros brasileiros que arrecadavam em território Angolano para os cofres da matriz, no Brasil.

Registre-se que Angola ainda não fez o que a França ameaça: bani-la. Tampouco tomou posição como a Alemanha...

Não sabemos se o Vice-Presidente fez outra coisa além disso. Quanto ao propósito maior encontrou um sonoro não.  

Cenário 3

Uma parlamentar sofre agressão violenta em seu próprio apartamento funcional. Deixara de lado a defesa do ‘mito’ e mesmo anunciou ter ouvido dele (cerca de quinze dias antes do ‘fatídico’ ocorrido em 2018) que ‘uma facada lhe garantiria a eleição’. Por razões difíceis de explicar no ‘fatídico’ dia o hoje inquilino do Alvorada ‘dispensou’ o uso do colete de segurança que, segundo a ex-aliada, nunca deixara de usar, assim como naquele dia reduzira o número de seguranças.

Está explicada a agressão. Pode vir de gente que se vê ‘vingador’ inspirado naquele ‘senhor’ do Antigo Testamento.

Cenário 4

De outra banda, o chargista e ativista político Carlos Latuff confirma o óbvio ululante (perdoe-nos o leitor a expressão hiperbólica): os militares são testa de ferro da CIA.

Desde priscas eras, senhor Latuff: o Brasil integrou a Tríplice Aliança contra o Paraguay para atender aos interesses da Inglaterra, que via em Solano López um inconveniente à sua manutenção no controle da América Latina. (Basta que lembremos que o Paraguay avançava na indústria bélica e naval, competindo em nível regional com os britânicos).

Depois da II Guerra, os EEUU ocuparam o lugar da Inglaterra. Imposta a ‘guerra fria’ o Brasil militar sempre alinhado com os Estados Unidos. A experiência anterior Lula/PT no governo legou, em nível de política externa, uma certa autonomia e construiu ambições geopolíticas ‘inconvenientes’ ao ‘irmão do Norte’.

Sabe ele que o retorno de Lula implica em retomada de alianças com China, Índia, Rússia...

Conclusão

Por fim, um jornal da maior tradição do conservadorismo pátrio, um dos órgãos de imprensa a serviço do conservadorismo em todas as suas dimensões ataca, em editorial, o inquilino do Alvorada, afirmando estar ele de joelhos perante a Igreja Universal.

Nos cenários acima muitas formas de rezar.

Há quem de joelhos fique para rezar, para pedir ou para se humilhar. Para ameaçar não há necessidade.

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Algumas fontes que ilustram a matéria aqui aqui aqui aqui  aqui

domingo, 18 de julho de 2021

Lucidez que se exige

 

O título deste dominical inspirado em mensagem de Paulo Alysson Mascaro através do 247 alcança os que não mais se sustentam em termos idealísticos nas bandeiras de tempos não mais condizentes com a realidade. Explicando: o que fizemos, o que pusemos em prática há meio século foi atropelado pela dinâmica dos tempos. Menos decidimos hoje ainda que reunidos e congraçados que ontem.

Temos que aquele modelo se esgotou como caminho único para viabilizar os avanços de que carecemos.

Este articulista de província tem batido nesta tecla (basta que o paciente leitor releia nossos textos nos últimos anos). Porque não encontramos para tanto fracasso de alguns movimentos além de um fato concreto: não estão enxergando os tempos presentes e seus instrumentos de convencimento, de manipulação, de apropriação da verdade e da realidade em benefício próprio.

Não se negue a luta, o espaço aonde praticá-la. Mas as estratégias de Napoleão não condizem com uma guerra nuclear.

A luta política imprescindível e imperativa no Estado moderno vive nesta contemporaneidade o manuseio por métodos espúrios.

Exemplo mais que flagrante reside na realidade tupiniquim desde que fatos concretos no atual governo não conseguiram gerar indignação suficiente ao manuseio do impeachment

O que hoje leva ao conhecimento os fatos denunciados não é a mobilização concentrada, a não ser em casos extremos de consciência (não necessariamente de conscientização) do que está realizando.

Não fora isso não há como entender que ‘mobilizações’ tenham afastado a ex-presidente Dilma Rousseff e não consiga fazê-lo em relação ao atual inquilino do Alvorada.

Hoje as mobilizações de rua só existem se transmitidas ou referenciadas através dos meios de comunicação, com especial peso para a televisão. Não a mobilização humana em si, mas o ‘como’ se fale dela. A rede começa a ocupar espaços, mas não ainda bastante a superar as necessidades de alcance das pretensões.

O debate hoje muito utilizado para confundir vai perdendo em essência. E tudo fica igual, vulgar, nivelado por baixo. Ideias postas em prática são aniquiladas por repetidas negações e aquele beneficiado se torna o próximo a negar o que o beneficiou. De certa forma, vivemos o modismo das redes arautas da verdade, ainda que quase a totalidade dos que nela se baseiam estejam limitados ao minimo minimorum. Qualquer bobagem veiculada toma corpo. E influencia ao contrário, tornando o de valia como “mais um” que circula.

Sob a égide desta preocupação fincamos bandeira neste espaço como crítico da postura da esquerda, que nos parece discutindo apenas o instante imediato sem estabelecer uma proposta concreta para enfrentar não a alternância de poder mas, acima de tudo, a consolidação do poder conquistado.

E o dizemos em relação à esquerda por uma razão elementar: como governos exercita na prática políticas de Estado consonantes com o Estado de Bem-Estar Social. Assim, ocupar o poder e realizar políticas produtivas e depois deixar que se esvaia pelo ralo todo o alcançado constituirá um moto perpetuo como o que ora se ensaia. Os que acreditam em Lula (e não lhes falta razão) não podem estar limitados tão somente à sua liderança, mas ao projeto consolidado que pôs em prática quando governante. Ou seja: não será o retorno de políticas válidas e comprovadas em sua eficácia que assegurarão aquela ‘consolidação’ acima registrada, mas o que deixou de ser feito no passado para que tal fosse compreendido e levou ao estado em que nos encontramos.

Eis a razão por que temos questionado a postura apenas imediatista das mobilizações. Apenas “fora”, apenas “impeachment”. Não que tal não devesse ocorrer, mas continuamos passando ao largo do histórico problema brasileiro, centrado no colonialismo. 

Uma breve leitura dos anos 50 até o presente nos exibe a realidade crua e nua: alternância de poder como solução. Nenhum projeto para superar os vícios clássicos encastelados nas castas judiciárias, políticas, militares, religiosas, empresariais. Os que surgiram foram sufocados, como o mais recente. 

E não discutimos a razão por que tudo se repete, tampouco temos elaborado instrumentos de consolidação de um poder que traduza políticas públicas voltada para o povo. Limitamo-nos aos avanços referentes a esta ou aquela classe social, não ao contexto da nação. 

O momento demonstra à sorrelfa que não deixamos de viver a mítica sebastianista. E nesse tanger os instantes se sucedem, a maior parte de tragédia para a nação. E aqui ‘nação’ está posta como povo que depende do Estado gestor que o tenha como destinatário das políticas públicas.

O dito por Paulo Alysson Mascaro bem traduz essa crua verdade, dolorosa realidade.

Destes cafundós indagamos: aonde o projeto de país levado à consciência da nação através dos movimentos?

Não, todo “Dom Sebastião” ultrapassa seu Alcácer-Quibir. Mas não basta tê-lo como exemplo de luta.

Compreender isso é a lucidez que se impõe.


domingo, 11 de julho de 2021

O tormento e o atormentado

Por mais insensível que o seja — e o demonstra diante das intempestivas falas e posturas — não anda fácil a vida do inquilino do Alvorada. Para quem teve o caminho de acesso ao poder pavimentado por conluios os mais variados — onde o menor foi aquele de vítima de uma tentativa de homicídio — como sói ocorrer a quem se encastela no poder em regime que admite a reeleição, o sonho imediato de consumo é dispor de um segundo mandato para ver a “sua” obra concluída.

Os sinais a pouco mais de um ano para a tentativa de permanecer no poder não são alvissareiros. O temor maior, candidatura do ex-presidente Lula — afastado em 2018 em meio a um daqueles conluios envolvendo esferas do Judiciário (em especial o STF), Ministério Público e quejandos — está a pleno vapor, bem avaliada e tornou-se obstáculo concreto ao projeto do governante atual.

Os arroubos e ameaças — incluindo não aceitar o resultado eleitoral (que lhe seja desfavorável, naturalmente) — permanecem encontrando eco naquele percentual que o tem como o ‘mito’ (à perfeição de si mesmos), que beira em torno de 20% a 25% do eleitorado (ainda).

Mas, o instante traduz a sabedoria popular: quem joga canivetes para cima tende a ferir-se com um deles.

Não bastasse, está acossado por denúncias. Não mais somente aquelas que o vinculavam à milícias e desdobramentos tais, como as rachadinhas (e não se tenha que somente ele o pratica na seara política. Deve contar-se nas pontas dos dedos quem não o faz, em todos os níveis de legislativo — federais, estaduais e municipais).

Seu carro-chefe de campanha repetiu o trivial: ser diferente ‘de tudo isso aí’ e combater a corrupção. Pois não é que o indigitado começa a aparecer como ciente de denúncias da existência dela no seio do governo sem que qualquer providência tenha tomado para combatê-la?

Um “mar de lama” (expressão cunhada por Carlos Lacerda contra Getúlio Vargas, em 1954) brota nas entranhas do governo. Denúncias gravíssimas de desmandos no seio do poder, que não foram enfrentadas com vigor necessário, levam ao público a dedução de que o seu timoneiro está envolvido, quando nada por omissão ou incapacidade, afirma-o pesquisa Datafolha.

Certo que já se acumulam indícios (e mesmo provas) de que o inquilino do Alvorada prevaricou. Ou seja, sabendo dos desmandos não tomou as providências que lhe cabiam para apurar e punir.

Como se fez auxiliar de milhares de militares na condução da gestão pública a situação ocupa um patamar tal que repercute na imagem das Forças Armadas — sempre cuidadosas em proteger-se, como se únicas vestais da moralidade o fossem — que já são avaliadas como inconvenientes quando assumem posicionamento político Datafolha.

A desconfiança do homem comum já reconhece a existência de corrupção no Ministério da Saúde, quando comandado por um general. E essa coisa corre como fogo de monturo, sem que ninguém perceba.

E a expressão ‘militar’ começa a ser sinônimo de compactuação com irregularidades. No que diz respeito aos indivíduos inconvenientes que se utilizam da farda e da função para negar o que a ética e a disciplina das corporações recomendam não mais reflete somente Exército, Marinha e Aeronáutica: lançado na mesma panela tudo o que vista farda e se utilize do aparelho estatal para benefício particular.

Como não bastasse aquela lista de militares beneficiados com auxílio emergencial, o governo também beneficia até aquele “investigado por tentar vender 400 milhões doses de vacina”, que recebeu o seu quinhão de sinecura.

O que estranha é o estágio que alcançamos no quesito reação. Apenas a de sempre. Nada de colocar em prática os instrumentos institucionais para pôr um basta a tais descalabros, ainda que escancarados fatos não tão recentes. Ou seja, se não cair de podre o governo não cairá sob a égide de impeachment ou coisas tais.

Afinal, pensa este escriba de província que por aqui as coisas efetivamente acontecem (sempre) sob o crivo da conveniência. Desta forma, enquanto for conveniente ao sistema (e ainda o é) não haverá instrumento jurídico que o afaste. E melhor ficará quando indicar o seu ministro “terrivelmente evangélico” para o STF.

Mas, ainda que persista a realidade escancarada em escrito deste escriba (Na pátria da hipocrisia uma pá de cal no sonho da democracia) há sinais de que o tormento causado se volta contra o causador e sua fisionomia atormentada o diz.

Que nunca será o das vítimas da incúria que, somando mais de 530 mil (somos hoje o país com maior número de mortes diárias por Covid-19 no mundo, superando os totais diários, isoladamente, da Europa, Ásia e África), assistem não mais somente as diatribes do inquilino do Alvorada. Também a escada ascendente dos malfeitos.

No fim, essa novela chã nos leva ao tormento por que passamos. Tende o atormentado de plantão receber a sua parcela em dobro — a de sofrer a si e fazer sofrer aos seus. O ‘mito’ já tem estampado na testa a marca que dizia combater: a desonestidade. 70% acham seu governo desonesto (Datafolha).

Sua capacidade de causar tormentos já alcançou até o futebol — dirão seus críticos, com razão, diante dos fatos: até a Seleção Brasileira, utilizada para impressionar o ‘defensor’ da disputa da Copa América no Brasil, sucumbiu para os ‘hermanos’. Em pleno Maracanã.

Acalenta-nos a sabedoria popular. Dizia vó Tormeza: “Se não há bem que sempre dure não há mal que não se acabe”.

Os tormentos cairão, certamente.

Aos atormentados ultrapassar na barca de Caronte o Portal (“Deixai toda esperança, ó vós que entrais”) e ocupar a Esfera de Antenora, no Nono Círculo, como preconiza Dante Alighieri.

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Observação: as referências ao Datafolha reproduzem o veiculado no Brasil 247.


domingo, 4 de julho de 2021

Novos velhos tempos

 

Semana que finda. Mais uma a demonstrar um coacho teimoso. A cantida de sapo porque repetida dispensada de avaliações profundas sobre este imediato que muito representa para o futuro do país. Ainda não amparada na imprescindível toada por buscar outras vertentes de discussão para o país longe do mesmismo nosso de cada dia, de cada semana.

No frigir dos ovos um viés permanece na cartilha que lemos. Na da oposição soletra-se ‘genocida’, ‘fora’, ‘impeachment’, ‘CPI da Pandemia’, ‘prevaricação’; na da situação ‘perseguição’, ‘STF’, ‘endurecer’.

Não vemos de concreto qualquer coisa que se nos afirme o país trilhando na estrada da esperança, de dias melhores, não fosse através do noticiário que apoia ou se acautela, que exalta ou ataca.

Lemos que o ‘lulismo’ se consolida. Afirma-o André Singer, no 247, que sobre o fenômeno editou pela Companhia as Letras, em 2018, “O Lulismo em crise: Um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016)”.

Independente do fato de que tal efetivamente ocorre e que há elementos que, através dele, sonhos possam ser materializados, vemos matizes de outro instante histórico com igual densidade: o getulismo.

Um e outro demonstram ao analista o grau em que se encontra o instante político nacional: ser contra ou a favor de Getúlio (antes) ou de Lula (hoje).

Não bastasse, os elementos sob o prisma geopolítico, que até pouco tempo pareciam página virada da história, fazem-se presentes de forma escancarada sem o mínimo pudor com gente de segundo escalão dos Estados Unidos sendo recebida pelo governo atual como expressão de importância ímpar, quando apenas agente voltado para aprofundar a desagregação interna como forma de garantir ao seu país maior parcela no pirão alheio, já que tradicional ‘elaborador’ de golpes institucionais, implantação de ditaduras etc. etc..

Parcela da sociedade indo às ruas: uns, para apoiar o governo; outros, para cobrar seu afastamento.

Por seu lado o governo mais uma vez fere postulados fiscais e pretende desconhecer parecer contrário à sua pretensão de anunciar edição de Medida Provisória para atender aquela parcela da sociedade a ele vinculada e que pode assegurar apoio a um golpe: nada mais nada menos que a instituição de um programa de crédito imobiliário (Habite Seguro) na ordem de 100 milhões de reais para agentes de segurança (247) para financiar, através da Caixa Econômica, imóveis de até 300 mil reais.

Em meio à crise no abastecimento de energia que se anuncia e elevação do custo da continha nossa de cada mês, de déficits engordando as contas governamentais, volta ao dia o fato de que aquele percentual (1,16%) de militares inativos e pensionistas que representam 15,4% do rombo (UOL) assegura pensões que superam dezenas de milhares de reais a filhas de militares, uma delas chegando a receber 117 mil em um mês, segundo dados disponibilizados pela Controladoria Geral a República e veiculados pelo Brasil 247.

Acolá pipoca denúncia de corrupção no governo de quem dizia combatê-la até a alma

Os mesmos novos velhos tempos.

E para não desmentir que os novos repetem os velhos tempos aí está a ‘conselheira’ CIA, recebida e aplaudida pelo inquilino do Alvorada.

Gostaríamos de ver escutada a cientista política Daniela Mussi em torno de um tema tão caro à atualidade: educação popular. Talvez muitos repensassem o que andam escrevendo/defendendo nas redes. E abandonassem — em defesa efetiva do país — essa guerra insana entre o Bem e o Mal.

Então sairíamos dos novos velhos tempos.