domingo, 27 de junho de 2021

"Conspiração internacional"

 

Não cabe aos que se propõem à análise confundir a ação/atuação política (e erros políticos) com ações positivas de gestão pública. Melhor explicando: não trilhar pelo caminho de reconhecer como certo o ato político errôneo cometido pelo fato de que quem o cometeu teria a seu favor méritos no conjunto da gestão administrativa.

Esmiuçando: não podemos esquecer os erros políticos cometidos sob a desculpa de que a gestão pouco ou nada errou.

Esse tem sido o corriqueiro do avaliador comum: confundir o ator com o autor. No nosso exemplo o autor é a obra edificada conforme a elaboração teórica e o ator quem a pôs em prática conforme a representação política. Em nível de gestão pública esse erro torna o leigo simplesmente em delirante ou apaixonado por seu ator sem qualquer preocupação com a peça autoral justamente por desconsiderar o essencial em favor do circunstancial.

Inegavelmente em qualquer parte do planeta quando se trata de gestão pública cumpre observar como a traduziu o ator (gestor) diante do texto autoral (programa político/partidário).

A histórica distinção entre esquerda e direita é atribuída às posições ocupadas pelas classes trabalhadoras e capitalistas/burguesas nos parlamentos: à esquerda, os representantes dos trabalhadores: à direita, os da burguesia capitalista. Ou seja, os interesses representados, de uma e outra classe, passaram a definir o que cada uma defendia em razão do espaço ocupado no parlamento. 

E assim se mantém contemporaneamente a representação dos interesses: aos partidos ditos de esquerda cabe a defesa de políticas públicas através de políticas governamentais que beneficiem o trabalhador e a base da sociedade: aos ditos de direita, o da burguesia onde o capital se encastela em defesa dos desígnios.

O poder, simplesmente, é o instrumento de que se vale este ou aquele estamento social para gerir o Estado. O domínio de um ou outro quando do exercício do poder será definido em razão das diretivas para os gastos públicos postos à disposição através do Orçamento Público (lei que instrumentaliza os meios para a obtenção de recursos receita pública a serem aplicadas no custeio dos gastos despesa pública com o fito teórico de promover o bem comum).

A crítica ao gestor, portanto, para ser mais coerente com a realidade deve  se amparar nos propósitos delimitados no orçamento em defesa dos interesses da classe que o elegeu.

O analista observa se o governo eleito por partidos de esquerda aplica os recursos orçamentários em despesas que reduzam as desigualdades, que promovam a eliminação da fome, que privilegiem a educação em seus diversos aspectos (incluindo naturalmente a formal) que garanta investimentos que motivem a iniciativa privada (inclusive em obras públicas) para assegurar empregos, que uma política fiscal corresponda à reduzir a carga de impostos sobre o trabalhador, maior participação da riqueza nacional transferida através de salários (o que implica ganhos reais, superiores à inflação). Em meio a isso, se houve distribuição da riqueza e proteção em favor da população (moradia, emprego, saúde, educação, cultura etc.).

Porque o governo eleito por partidos de direita tem por escopo políticas de gastos públicos que tenham a iniciativa privada como destinatária dos recursos orçamentários. No plano fiscal, a redução de impostos sobre a riqueza e a herança, a especulação financeira, o inteiro afastamento da produção pelo Estado, uma vez que por ideologia cabe à iniciativa privada (sustentada pelo Estado, naturalmente) a condução do processo produtivo.

Na recente história político-administrativa do país temos duas experiências em torno do acima dito: o período petista (2003-2016), lembrado por políticas de Estado mais consentâneas com o pensamento das propostas políticas do pensamento mais à esquerda e pós golpe e eleição de Bolsonaro, quando retomadas as políticas denominadas conservadoras, sob escopo de extremo neoliberalismo.

No período petista, no entanto, não pode ser afirmado que tenha promovido uma reviravolta na governança, aplicando em plenitude o cartilha social-democrata. Mesmo Lula, em mais de uma oportunidade, afirma que os bancos nunca ganharam tanto como no período em que governou.

Não se esvai tal colocação ao seu período. Dilma Rousseff mesmo chegou a entregar as rédeas da condução econômica à representação bancário-financeira. E no primeiro mandato ampliou o leque de desonerações em torno de 500 bilhões de reais favorecendo os detentores privados dos meios de produção sem impor uma resposta factível, ainda que a crise internacional impusesse a intervenção governamental para manter empregos. Mas, sabemos, só um lado da balança assumiu seu papel.

Fato é, para concluirmos a ponderação, que este ou aquele governo pode contrariar os primados contidos em seus estatutos. O frigir dos ovos demonstrará a distinção em relação ao que restou diante dos propósitos.

O posto no título decorre de declaração do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega a TV 247, lançando a culpa da queda do período petista a uma ‘conspiração internacional’ movida a partir do 2012 pelo capital financeiro internacional.

Passou ao largo o ex-ministro de fatos como os relatados acima (e desmentir Lula com todas as letras).

No entanto, sob a ótica deste cronista de província, parece-nos que o expresso pelo ex-ministro ratifica o que temos dito: o PT não soube ler as entrelinhas a que estava obrigado. Inclusive a entrevista de Moniz Bandeira, em 2013, afirmando que os EEUU não tolerariam o protagonismo internacional do Brasil.

E, para nós, a pá de cal no processo (no início dele) está na descoberta do pré-sal pela Petrobras e a adoção do sistema de partilha em vez do de concessão. Afinal, pelo menos uma centena de trilhões de dólares não é coisa de jogar fora.

Para confirmar o que afirmamos trazemos o testemunho ilibado de José Serra, comprometido até o pescoço com a petroleira Chevron: promessa de acabar com o sistema de partilha (primeira proposta de lei que levou ao Senado quando assumiu).

Quanto ao ex-ministro Mantega considerando tudo aquilo que deixou de dizer claramente (inclusive a participação efetiva e comprovada do Departamento de Estado dos EEUU) recomendamos uma boa ‘ficção’: “Intriga Internacional” (1959), de Alfred Hitchcock, e “Conspiração Internacional” (2019), de Xue Xiaolou, disponíveis em DVD.

Melhor que não passar ao largo dos erros e posar de vítima.


domingo, 20 de junho de 2021

Decida o leitor

Nada a acrescentar ao dia a dia do país. Que apenas mantém o enredo e o confirma com adição diária de texto que adita ao espetáculo macabro.

Uma declaração expressada pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, durante depoimento à CPI da Pandemia, não deixa dúvida em torno de algo que muitos sabem: a vinculação de gente hoje encastelada no Palácio da Alvorada com o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista.

Algo de tamanha gravidade, passível de ser revelada em sessão secreta – a pedido do depoente (“porque os fatos são graves”) – nada deixa de secreto no que ali seria dito.

Algum escândalo, alguma reação da sociedade: nada, absolutamente nada. Não por que as desconfianças se materializam, mas porque o jogo de conveniências leva todos ao castelo do silêncio. Afinal, os meios tradicionais de comunicação/informação negam-se a informar fatos, porque buscam tornar ‘fatos’ o que materialize os interesses que defendem.

Temos afirmado que o inquilino do Alvorada passa ao largo de fatos desta natureza porque atende aos reclamos dos interesses que o puseram onde está. Mais um se consuma esta semana: a privatização/abertura de capital da Eletrobrás, no imediato de anunciado colapso no fornecimento de energia que tende a ser mais grave que aquele ocorrido em 2001.

E nos vem à lembrança a Carta Testamento de Getúlio Vargas, passados 73 anos de sua morte: “Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero”.

E aí estamos: a Petrobras, destruída e retalhada; a Eletrobrás seguindo o mesmo trajeto. As conquistas sociais dos menos favorecidos às calendas...

Registramos no texto da semana passada: “O que denominamos formalmente de democracia brasileira que pode, por justiça, muito bem ser alcunhada de “à brasileira” está sem rumo, destroçada desde os avanços da Carta de 1988 (que estabeleceu as premissas de um Estado de Bem-Estar Social) e caminhando mais célere do que possamos imaginar para o precipício”.

Mas tudo que aí está se desenvolveu (desde tempos mais idos, passando por Getúlio Vargas) a partir da premissa de que o combate à corrupção é a única pedra angular do combate à miséria e às desigualdades históricas.

Tanto que, até uma Procuradora da República (sim, caro leitor!) — que palestra em torno da ‘cantiga de grilo’ — assume sua condição ideológica de colunista em espaço nazifascista.

Em 90 anos de sua história recente o país viveu toda experiência possível e experimentou oportunidades de se tornar referência internacional em definitivo, ocupando um lugar destacado no concerto das nações.

Conquistas não podemos dizer que não tivemos. No entanto, para cada passo adiante fizemos questão de dar três, quatro de volta ao passado.

Alerta Marcos Coimbra, através do 247: “Você pode não ter conseguido ainda se resolver a respeito de Bolsonaro, se é um gênio do mal ou um bufão autoritário, mas de uma coisa não há dúvida: se tiver condições, Bolsonaro dará um golpe. Não porque o golpismo seja parte de sua natureza e convicções (e é). Ele quer o golpe porque percebe que as chances de permanecer no poder pelo voto, que não eram grandes, diminuíram significativamente”.

Sabe o leitor, que pacientemente nos acompanha, que sobre a conclusão acima temos comentado e analisado neste espaço. Afinal, das metrópoles às províncias da análise tudo está por demais claro.

Como alertávamos no início de maio em torno do óbvio palpável (aqui) antes do final de junho alcançaríamos a estatística macabra dos 500 mil mortos sob o crivo do Covid-19. Que na sexta-feira 19 foi ultrapassada.

Mas os números não dizem apenas dados típicos de um genocídio; embutem um limite extremo da crueldade: 400 dos 500 mil mortos poderiam estar vivos caso houvéssemos feito, em nível de governo, o que recomendava a Ciência, começando por adquirir e distribuir material de proteção à doença, investindo em hospitais, promovendo campanhas protetivas e a vacinação quando possível. Sabemos hoje que o governo aplicou menos de 30% dos recursos orçamentários disponibilizados para combate à pandemia em 2020 (Senado), enquanto multiplicava em doze vezes os gastos na produção de cloroquina (Carta Capital).

Já não beirasse a crueldade, ouvimos de próceres do governo sugestões para consumo de alimentos vencidos para os pobres e restos de restaurantes para mendigos (Brasil de Fato), nós que somos, como país, o terceiro maior produtor de alimentos do mundo convivendo com o paradoxo de ter a metade de sua população em nível de insegurança alimentar, da qual quase trinta milhões em estágio famélico.

Ou seja, em vez de políticas públicas para reduzir o desemprego, gerar renda e distribuir riqueza o ilustre remete os necessitados às migalhas.

Em meio à evidência de práticas criminosas, de malversação de recursos públicos e o reiterado descaso para com a vida não sabemos se temos um governo que implanta um golpe de misericórdia contra seu povo (um novo formato da ‘solução final’ preconizada por Hitler) ou demonstra ao mundo o seu ‘Humanismo à brasileira’.

Decida o leitor.


domingo, 13 de junho de 2021

No cadinho comunista fundem-se Chico Buarque, Ruy Castro e Benjamin Netanyahu

 

Este escriba de província tem andado mais para Ubaldo, o paranoico de Henfil. Tanto já viu e tudo se repetindo que somente a paranoia o reconhece. Mas parece não estar só, como veremos adiante.

Começa sua versão ‘conspiratória’ transitando por terreno pantanoso, ainda que pareça galhofa, ao lançar o candente tema que também alimenta o cadinho noticioso: dispõe o inquilino do Alvorada de efetivo apoio das Forças Armadas para promover um golpe novamente civil-militar já que nenhuma saída há para ele mantendo o mínimo de normalidade democrática que deságue nas eleições?

O estágio a que chegou o país com este governo(?)  que demonstra interesse algum às leis e regulamentos pode ser compreendido pelo fato de o Ministério da Saúde impor sigilo por dez anos em torno de contrato celebrado para compra de vacinas. Que há de tanto segredo? Que de tão estranho – que possa configurar interesse (inusitado) para a Segurança Nacional – um mero processo disciplinar contra um general ex-ministro que violou os regulamentos militares, para que o sigilo o alcance por 100 anos?

Temos abordado neste espaço que tantos são os absurdos cometidos pelo atual governo, que se tornou ‘dos militares’ (tantos são os que o integram) que a ‘boquinha’ exige dos que vivem o ‘tempo de murici’ a defendê-lo o façam com unhas e dentes. Para entender: hoje cerca de 4% do efetivo das Forças Armadas (através de suas cúpulas) integram escalões do Poder Executivo e Estatais, sem falar em penduricalhos no STF e mesmo ‘generais’ embaixadores etc. etc.

O que denominamos formalmente de democracia brasileira – que pode, por justiça, muito bem ser alcunhada de “à brasileira” – está sem rumo, destroçada desde os avanços da Carta de 1988 (que estabeleceu as premissas de um Estado de Bem-Estar Social) e caminhando mais célere do que possamos imaginar para o precipício.

Tudo porque estamos a negar a existência de um Estado de Direito, que se caracteriza por uma coisinha simples: o respeito à lei. Não é o caso presente. Que o digam as ora denominadas ‘motociatas’.

Sabendo a cada pesquisa que dificilmente se reelegerá mantém ativo o grupo mínimo de apoiadores e mídia em torno dele para justificar a ação de um golpe.

A cada nova pesquisa mais se acumula de razões o projeto. E o inquilino é, com todos os senões, o ‘chefe das Forças Armadas’. E são estas, encabeçadas pelo Exército, que se beneficiam de tudo.

Mas, caríssimo e paciente leitor, no viés contemporâneo em que pensar/refletir constitui delito imperdoável e o ódio a quem discorde alcança foros de dogma de fé um velho lugar comum ocupa singular espaço: comunistas. Tudo que não presta, tudo de mal só tem uma origem: comunismo.

Como a terra brasilis não dispensa ser origem de algum inusitado criou no petismo o sinônimo para todos os males, ombro a ombro com os comunistas. Salvar o mundo desta turma é missão não somente nobre, mas de redenção espiritual. Quem o pratica como aquele fanático religioso que se suicida para matar outros tem assegurado um universo de lindas mulheres nuas dançando no Paraíso à sua espera enquanto explode.

Concentra a criação de neologismos pátrios em semânticas, como a que atinge o titular também de comunista quem critique o glorioso governo capitaneado pelo inquilino do Alvorada. E mais profundas do dantesco alcançará no Inferno quem o faça diretamente à figura do indigitado.

Sob essa vertente estão algumas peças.

Chico Buarque, perigoso comunista, denunciou esta semana: “[...] com apoio das Forças Armadas, é capaz, mesmo, de promover um Golpe de Estado. E eles vêm anunciando isso o tempo todo. Eles estão anunciando o golpe e algum pretexto vai ser usado para fechar de vez".

É isso aí: esse comunista e comedor de criancinha, Chico Buarque, falando em golpe.

Não bastasse, um outro celerado, Ruy Castro: "Neste momento, estamos também diante de um óbvio que talvez não queiramos enxergar: o de que Jair Bolsonaro chegou a um ponto sem volta na sua preparação para um golpe", E, peremptório: "Ah, sim, os generais. Deixaram-no ir longe demais. Talvez por isso, vendo-se sem margem de recuo, tenham agora de continuar com ele rumo à aventura".

E para não dizer que não falta nada lá de Israel aparece uma declaração revelando que o genocida de lá alertou para a possibilidade de o inquilino do Alvorada ser denunciado na ONU por genocídio contra os povos indígenas.

Sim, caro leitor, genocida Benjamin Netanyahu colocando guizo no nosso augusto e inquilino e envereda pelo perigoso subterrâneo do comunismo internacional.

Decididamente o mundo está cheio de comunistas.

E este escriba de província vai vivendo suas paranoias em meio aos que acreditam que pedir impeachment e deixar correr o processo eleitoral estará resolvido o problema.

A propósito  estamos pensando seriamente em pedir encaminhamento para um sanatório ou hospício nos vem Paulo Nogueira Batista (na Carta Capital deste fim de semana), com outra análise para enlouquecer qualquer um: considerando a realidade da Economia e com auxílio de um programa social tipo Bolsa Família/Auxílio Emergencial a vida do inquilino pode não estar tão ruim eleitoralmente em 2022, como muitos esperam.

Brrrrrrrr!


domingo, 6 de junho de 2021

Anarquia programada, objetivo definido

Remonta aos primórdios da Grécia Antiga, com Esparta (séculos IX a.C. a IV A.C.), a origem da disciplina militar. Estruturada para uma sociedade de guerreiros (os jovens retirados da família em tenra infância) que formavam uma casta voltada para a guerra, onde se desenvolveu o processo de conformação de uma unidade sob o primado da hierarquia e da disciplina.

Ainda que no curso da história os exércitos tenham correspondido aos interesses de seu tempo (de chefes, de reis e imperadores etc.) os princípios estabelecidos pelo norteamento espartano sustentaram a militarização em cada época, alcançando o Estado moderno. voltados, em tese, para a defesa da soberania e da integridade territorial dos países.

De simples compreensão que a Instituição militar se reduz ao binômio originário da velha Esparta: hierarquia e disciplina.

Razão por que um tema por demais sensível. no militarismo, diz respeito a evitar que seja ferido dito binômio, o que implicaria em anarquia. A bíblia de cabeceira da anarquia se ampara no descumprimento de códigos de conduta, de regulamentos, de ordens de comando, em negar a rígida disciplina, dogma de existência e unidade das corporações. Os sinais de sua presença são combatidos a ferro e fogo porque dela derivam todas as mazelas à imagem das forças militares.

A indisciplina é tema caro ao ordenamento militar. Razão por que inteiramente vedado — ainda que se afirme não existir — a politização nas casernas, porque onde se faz política não se exige disciplina, tampouco respeito à hierarquia onde a tônica é o debate de ideias.

Muitos dos fatos recentes (últimos anos) se iniciam com a escancarada manifestação de um militar de que traiu seus compromissos ao intervir concretamente contra o Estado Democrático impondo ao STF os ditames de um julgamento político e não jurídico, até a recente manifestação pública de um outro general em mobilização tida para muitos como de natureza política.

Este fato tanto incomodou que mesmo a imprensa, cautelosa e por demais melindrosa ao tratar de fatos que envolvam militares, alardeou a punição do militar por desrespeito ao ordenamento a que submetido aquelas.

Merval Pereira, uma figura de leitura imprescindível como porta voz da classe dominante, antecipou o que seria o caos quando escreveu no dia 3:


"Os generais do Alto-Comando do Exército, reunidos ontem para debater a situação da indisciplina do general de divisão da ativa Eduardo Pazuello, decidiram não anunciar a decisão no momento".

E acrescentou o bem informado editorialista de O Globo:


"Aproveitarão o feriado para amadurecer a tendência de puni-lo, em clima de indignação com a atitude do presidente de proteger seu ex-ministro da Saúde, em claro confronto com a instituição a que pertence."


"Evidente que um general da ativa investigado por indisciplina não poderia ser nomeado para nenhum cargo, muito menos um diretamente ligado ao presidente da República, a menos que ele queira protegê-lo e impor sua condição de comandante em chefe das Forças Armadas para pressionar o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira. Bolsonaro não tem limites e não respeita nada nem ninguém. Ou você o aceita como é, ou será confrontado sempre, não apenas o STF, o Congresso, mas até as instituições militares a que ele é ligado, sempre marcado por indisciplina e insubordinações...”.

Em meio às críticas o editorial do Estadão, na quinta-feira (em detalhes no 247), foi mais longe:


“Mais grave, contudo, é que o presidente consagra como princípios a insubordinação e a quebra da hierarquia militar, exatamente à sua imagem e semelhança.

[...]

"Bolsonaro, em resumo, nomeou o intendente Pazuello pensando escarnecer dos militares. Mas o escarnecido é o País e, antes dele, um comandante em chefe que se comporta como chefe de milícia."

O inquilino do Alvorada “comandante em chefe das Forças Armadas” (a quem competia o exemplo de fazer respeitar a lei) nomeara o indigitado e quase punido para cargo de assessoria imediata e proclamou aos quatro ventos que é ele o verdadeiro “chefe” e que ninguém interfere em decisões das forças armadas, em que pese tê-lo feito diretamente para que a anunciada punição não fosse consumada.

O mínimo a dizer-se é que o Exército sai desgastado, jantado pelo indisciplinado da motocicleta.

A gravidade que envolve o fato e seus desdobramentos reside justamente na singularidade de que um chefe interferiu em programada decisão punitiva, ferindo de morte o código disciplinar da instituição. Tal circunstância demonstra à sorrelfa o estágio de quebra de um ordenamento jurídico sob a vontade um. Ou seja, aquela de “O Estado sou eu”, de Luís XIV, o estado absolutista, personificado não na Lei, mas no monarca entronizado por vontade divina.

Não há como atribuir a decisão de tolerar a indisciplina ao Comandante do Exército — para mesuras ao ‘chefe’ — e, sim, ao Alto Comando que, constituído de 15 generais de quatro estrelas, certamente através de uma decisão colegiada de alto coturno, “amadurecida” para evitar um conflito aberto (que põe de joelhos o comando militar), abre quarteis e fortalezas ao controle político-partidário-eleitoral.

A indisciplina escancarada, amparada em razões de poder político pode constituir-se em precedente perigoso. Cabe saber se a hierarquia será capaz de manter a ‘disciplina’ de subordinados em quarteladas.

Ressalte-se que a cúpula militar não tem de que reclamar. Mesmo pelo precedente envolvendo o mesmo ator. O inquilino do Alvorada, então tenente, foi reformado/aposentado aos 33 anos de idade como saída encontrada pela Justiça Militar para não puni-lo com a expulsão por ameaça de terrorismo, quando anunciou explodir o sistema de adutoras do Guandu, no início do governo Sarney. E não lembremos do escabroso caso Para-Sar, em 1968, quando Burnier pretendeu explodir o gasômetro do Rio de Janeiro para lançar a culpa sobre os comunistas e desencadear uma matança de líderes políticos ao lado da perseguição aos esquerdistas.

Neste quesito ele sabe com quem está mexendo. Sabe que tem sua espinha dorsal sustentada na ala que pensa igual a ele encastelada no Exército: a turma que aplaude a cloroquina (produção), que detém alguns milhares de cargos no Executivo e Estatais, que se imagina a salvação de todos nos moldes dos “tempos de murici, cada um cuida de si”.

Algo que não mais faz sentido na contemporaneidade — forças armadas regulares — a cúpula tupiniquim lança às calendas o mais caro de suas tradições: a disciplina.

Daí para o caos nada falta.

Apenas o primeiro tiro. Isso, pelo menos, o que pode estar na mente do inquilino do Alvorada.

Para este escriba de província, com olhar de caboclo dos grotões, lendo nas nuvens o futuro, o indigitado deu o ponta pé para a instauração da anarquia e da indisciplina, o que nos soa como o objetivo definido.

Diz ele, com todas as letras ao observador e intérprete — que Deus se apiede de nós! — em mensagem cristalina: policias civis e militares, integrantes das forças armadas, podem se rebelar contra as instituições. Caso sejam frustrados em seus intentos, estou aqui para anistiá-los e impedir que sejam punidos.

Como desdobramento a instauração de um estado de exceção para controlar a ‘desordem’ e, naturalmente, suspender as eleições com a prorrogação automática dos atuais mandatos até que a ordem seja instaurada.

Quem duvidar reze para que o escriba esteja errado.


Porque há quem imagine que impeachment e calendário eleitoral são a solução para tudo.