Não cabe aos que se propõem à análise
confundir a ação/atuação política (e erros políticos) com ações positivas de
gestão pública. Melhor explicando: não trilhar pelo caminho de reconhecer como
certo o ato político errôneo cometido pelo fato de que quem o cometeu teria a
seu favor méritos no conjunto da gestão administrativa.
Esmiuçando: não podemos esquecer os erros
políticos cometidos sob a desculpa de que a gestão pouco ou nada errou.
Esse tem sido o corriqueiro do avaliador
comum: confundir o ator com o autor. No nosso exemplo o autor é a obra
edificada conforme a elaboração teórica e o ator quem a pôs em prática conforme
a representação política. Em nível de gestão pública esse erro torna o leigo
simplesmente em delirante ou apaixonado por seu ator sem qualquer preocupação
com a peça autoral justamente por desconsiderar o essencial em favor do
circunstancial.
Inegavelmente —
em
qualquer parte do planeta — quando se
trata de gestão pública cumpre observar como a traduziu o ator (gestor) diante
do texto autoral (programa político/partidário).
A histórica distinção entre esquerda e direita é atribuída às posições ocupadas pelas classes trabalhadoras e capitalistas/burguesas nos parlamentos: à esquerda, os representantes dos trabalhadores: à direita, os da burguesia capitalista. Ou seja, os interesses representados, de uma e outra classe, passaram a definir o que cada uma defendia em razão do espaço ocupado no parlamento.
E assim se mantém contemporaneamente a representação dos
interesses: aos partidos ditos de esquerda cabe a defesa de políticas públicas através
de políticas governamentais que beneficiem o trabalhador e a base da sociedade:
aos ditos de direita, o da burguesia onde o capital se encastela em defesa dos
desígnios.
O poder, simplesmente, é o instrumento de que
se vale este ou aquele estamento social para gerir o Estado. O domínio de um ou outro quando do exercício do poder será definido em razão das diretivas para
os gastos públicos postos à disposição através do Orçamento Público (lei que
instrumentaliza os meios para a obtenção de recursos — receita pública — a serem aplicadas no custeio dos
gastos — despesa
pública — com o
fito teórico de promover o bem comum).
A crítica ao gestor, portanto, para ser mais
coerente com a realidade deve se amparar
nos propósitos delimitados no orçamento em defesa dos interesses da classe que
o elegeu.
O analista observa se o governo eleito por
partidos de esquerda aplica os recursos orçamentários em despesas que reduzam
as desigualdades, que promovam a eliminação da fome, que privilegiem a educação
em seus diversos aspectos (incluindo naturalmente a formal) que garanta
investimentos que motivem a iniciativa privada (inclusive em obras públicas)
para assegurar empregos, que uma política fiscal corresponda à reduzir a carga
de impostos sobre o trabalhador, maior participação da riqueza nacional
transferida através de salários (o que implica ganhos reais, superiores à
inflação). Em meio a isso, se houve distribuição da riqueza e proteção em favor
da população (moradia, emprego, saúde, educação, cultura etc.).
Porque o governo eleito por partidos de direita tem por escopo políticas de gastos públicos que tenham a iniciativa privada como destinatária dos recursos orçamentários. No plano fiscal, a redução de impostos sobre a riqueza e a herança, a especulação financeira, o inteiro afastamento da produção pelo Estado, uma vez que — por ideologia — cabe à iniciativa privada (sustentada pelo Estado, naturalmente) a condução do processo produtivo.
Na recente história político-administrativa do
país temos duas experiências em torno do acima dito: o período petista
(2003-2016), lembrado por políticas de Estado mais consentâneas com o
pensamento das propostas políticas do pensamento mais à esquerda e pós golpe e
eleição de Bolsonaro, quando retomadas as políticas denominadas conservadoras,
sob escopo de extremo neoliberalismo.
No período petista, no entanto, não pode ser
afirmado que tenha promovido uma reviravolta na governança, aplicando em
plenitude o cartilha social-democrata. Mesmo Lula, em mais de uma oportunidade,
afirma que os bancos nunca ganharam tanto como no período em que governou.
Não se esvai tal colocação ao seu período.
Dilma Rousseff mesmo chegou a entregar as rédeas da condução econômica à representação
bancário-financeira. E no primeiro mandato ampliou o leque de desonerações em
torno de 500 bilhões de reais favorecendo os detentores privados dos meios de
produção sem impor uma resposta factível, ainda que a crise internacional
impusesse a intervenção governamental para manter empregos. Mas, sabemos, só um
lado da balança assumiu seu papel.
Fato é, para concluirmos a ponderação, que
este ou aquele governo pode contrariar os primados contidos em seus estatutos.
O frigir dos ovos demonstrará a distinção em relação ao que restou diante dos
propósitos.
O posto no título decorre de declaração do
ex-ministro da Fazenda Guido Mantega a TV 247, lançando a culpa da queda do período
petista a uma ‘conspiração internacional’ movida a partir do 2012 pelo capital
financeiro internacional.
Passou ao largo o ex-ministro de fatos como os
relatados acima (e desmentir Lula com todas as letras).
No entanto, sob a ótica deste cronista de
província, parece-nos que o expresso pelo ex-ministro ratifica o que temos
dito: o PT não soube ler as entrelinhas a que estava obrigado. Inclusive a
entrevista de Moniz Bandeira, em 2013, afirmando que os EEUU não tolerariam o
protagonismo internacional do Brasil.
E, para nós, a pá de cal no processo (no
início dele) está na descoberta do pré-sal pela Petrobras e a adoção do sistema
de partilha em vez do de concessão. Afinal, pelo menos uma centena de trilhões
de dólares não é coisa de jogar fora.
Para confirmar o que afirmamos trazemos o
testemunho ilibado de José Serra, comprometido até o pescoço com a petroleira
Chevron: promessa de acabar com o sistema de partilha (primeira proposta de lei
que levou ao Senado quando assumiu).
Quanto ao ex-ministro Mantega — considerando tudo aquilo que deixou
de dizer claramente (inclusive a participação efetiva e comprovada do
Departamento de Estado dos EEUU) —
recomendamos uma boa ‘ficção’: “Intriga Internacional” (1959), de Alfred
Hitchcock, e “Conspiração Internacional” (2019), de Xue Xiaolou, disponíveis em
DVD.
Melhor que não passar ao largo dos erros e posar
de vítima.