domingo, 31 de dezembro de 2023

Juca Chaves presente

 

Em instantes como o presente em que o ‘instante’ é percebido instantaneamente não dá para jogar embaixo do tapete por muito tempo o que se esconde para disfarçar realidades.

Em 1960 Juca Chaves lançou “O Brasil Já Vai À Guerra” (liberado em 1961) criticando a recente aquisição do governo brasileiro do porta-aviões Minas Gerais, que diziam uma quinquilharia obsoleta para a Inglaterra tornada símbolo de poder bélico imensurável para o país sob os aplausos dos ‘patriotas’ de então.

Nunca se soube de guerra alguma encetada pelo Brasil (a não ser aquela a serviço da Inglaterra para promover a intervenção no Paraguai atendendo aos interesses britânicos e que levou ao genocídio da população masculina do vizinho, visto que à época restaram apenas 4% dela). Mas lá estava o Minas Gerais à espera do nada em lugar nenhum.

Não falemos aqui da custosa manutenção das Forças Armadas dispostas sempre para uma guerra imediata consumindo bilhões anualmente retirando parte da comida que os programas sociais poderiam ampliar.

Mas, eis que a patriotada vê oportunidade para um embate glorioso. Afinal, podemos ser levados a intervir em defesa da ‘soberania’ territorial diante de uma ameaça da Venezuela à Guiana (a antiga Inglesa).

E para lá deslocados equipamentos e bucha de canhão.

Em outros tempos saberíamos da nossa capacidade bélica através de fotos de nossos temíveis blindados.

Mas...

Lá estão ao vivo, muito à distância, o potencial de que dispomos.   

Não ria – tampouco chore – caro e paciente leitor. Apenas reze para que tudo fique como está para ver como é que fica.

Mas não custa nada dar umas boas gargalhadas. Para alegria da passagem de ano.

Ah! Não deixe de ouvir Juca Chaves!

domingo, 24 de dezembro de 2023

Pedidos em aberto

 

Ensinaram-nos a pedir bens materiais como reconhecimento ao nascimento de um ser especialíssimo, que dataram – conforme o atual calendário – como vindo a este planeta de todos nós no dia 25 de dezembro. 

Teria nascido em uma estrebaria e agraciado com a surpresa de pastores, ovelhas, vacas e jumentos. Iluminado por uma Estrela Guia.

Antes do contemporâneo ensinamento durante séculos alimentou a esperança de milhões por um mundo melhor. Lembrado através da reprodução do cenário simples em que nasceu que lhe deram por nome presépio, trazido por São Francisco de Assis em 1223. 

A instalação de um deles em qualquer espaço remetia de imediato à lembrança de um Salvador para a Humanidade para quem viesse a seguir suas mensagens, todas pautadas, antes de tudo, no Amor.

Eis-nos que neste 2023 - passados oito séculos da lembrança franciscana não vemos como – humanista e humanitariamente – comemorar. 

Quase no limiar da noite sagrada somente uma família – em meio a um punhado de crianças dentre outras mais de cinco mil que já sucumbiram – perdeu 76 de seus membros bombardeados por viverem próximo aonde nasceu o Salvador e o local estar no centro de ambições que contrariam a mensagem deixada por Aquele.

E corremos por ruas e praças em busca de uma manjedoura. 

Porque “A poesia, como os poetas, não morre” (Jean Cocteau) restaram-nos versos de pedidos em aberto:

            Ubuntu 

 

“Eu sou porque nós somos” – Ubuntu

diz a sabedoria Xhosa, ensinando

a todos o valor e a importância

da solidariedade como razão

 

Não há maior lição que isso

compreender e praticar no dia a dia

a singularidade universal de que

nada somos, como ser, sem o outro

 

Esquecida lição, nem mesmo aprendida

por tantos, os muitos que se apropriam

da razão que nos faria aperfeiçoados

destinados a alegrar o Deus da Criação

 

Afinal, “Como um de nós pode ser feliz

se todos os outros estiverem tristes?”

                                                  o-o-o

                

  Século XXI

 

No presépio de então

a infância tenra

o armava conforme a tradição

Avenidas e ruas de papelão

da fonte correndo água

lantejoulas cintilando

no céu de papel

Nele a manjedoura refletia

da penúria exibida

o sorriso da Redenção

Os magos reis

caminhando

 um pouco a cada dia

Tudo no mais ali

somente completava

a mais pura devoção

 

Não mais o presépio de então

nada lembra a tenra infância

armando sadia tradição

 

Na manjedoura não há a santa penúria

tão somente exibição em fúria

de hodierna ostentação


domingo, 17 de dezembro de 2023

Revendo prévias

 

Hábito de final de ano: rever e programar. Para este escriba de província o rever se tornou a melhor forma de perceber o que muito provavelmente virá. Assim, fomos buscar os alfarrábios arquivados, nada mais que a contemporânea forma de ‘folhear’.

Revisitamos figuras de primeiro plano midiático, hoje no ostracismo (mas, com a missão cumprida dentro de seus propósitos). Recomendamos a (re)descoberta de alguns adiante.

Naquele Dezembro de 2012 publicamos Epifania no blog, material que já circulara em nível nacional através do GGN.

E no final de mês e ano enaltecíamos a criação do Vale Cultura 

Em dezembro de 2013 reencontramos aquele ministro do STF “Caindo no laço” no Alguns destaques 

Mas de melhor lembrança O rescaldo com o que poderia ser uma conclusão de Tia Zulmira (personagem pontepretana) em relação a uma experiência científica denominada eletroconvulsoterapia (ECT)

Em 2014 destacamos Trilha sonora e os Destaques do De Rodapés e de Achados. 

Em 2015, muito a dizer em duas recomendações: Destaques (I) e Destaques (II) 

Em 2016, nos fartamos de ‘profetizar’ os dois anos seguintes em ReaçõesOs Novos Limites da Fome  e Peru da vez 

Por enquanto aqui ficamos. Cremos que alguma análise possa nascer. E possível concordância com este escriba de província de que REVER é PREVER.

Ainda que a postagem pareça curta há muito que ler!


domingo, 10 de dezembro de 2023

Mingau de café

 

No 16 de dezembro faria 103 anos; faleceu sem alcançar os 64. Da mais nobre estirpe sertaneja. Não por honrarias de família, títulos ou brasões. Mas pela intrepitude em decorrência da vivência naqueles confins de mundo, à época muito menos assistido que hoje. Por ali e além  aprendeu a traduzir os lajedos como natural à crueza do ambiente. E quem não o fizer sucumbe.

Nascer por ali exige marca na testa em ferro em brasa como mensagem a ser lembrada diante de um espelho: sobreviver é tudo. Sem faltar o “Se Deus quiser”! – porque Ele se tornou  dos púlpitos único caminho para tudo ‘desculpar’ do que o semelhante por aqui causa ao semelhante.

Multípara, com sete sobreviventes: dos nove, um levado aos dois meses; outro nasceu na terra quando já no Paraíso.

Fazia milagres com o quase nada. De invejar economistas, que só sabem teorizar em torno da acumulação da riqueza, porque em seus vocabulários nenhuma palavra há sobre a escassez como sinônimo de fome, onde a vítima participa tão somente como unidade estatística.

Desenvolveu singular técnica para atender as necessidades familiares em nível de Vitamina C: uma laranja espremida, tornada laranjada, e o bagaço levado ao próprio estômago. A laranjada desdobrava-se em tantos copos ou meio copos até o limite de atender os filhos.

Quando terminava o cozer, a lavagem dos pratos de esmalte, de carrear água da cisterna para o encher de potes e moringas, hora de cuidar da banca dos que estudassem e logo o pedalar na velha máquina Singer para costurar os retalhos e torna-los em colchas, cobertas ou cerzir as roupinhas dos filhos. De vez em quando um vestidinho, um calçãozinho.

Nunca se viu nela uma lamúria, um desassossego.

Tampouco alimentou ‘papai noel’ algum. Tanto que aprendemos a assistir os visitados escolhidos pela lenda debruçados no batente das janelas quando amanhecido o dia. Até que esquecêssemos que não fôramos visitados pelo velhinho porque, muito provável, desobedientes quando insistimos em ficar acordados a sua espera para agradecer por tudo.

No rádio da vizinha, “seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem” abafava o alarido da alegria infante exibindo bonecas, carrinhos, bicicletas, bolas, brinquedos vários.

Mas havia algo mais.

Sabido e consabido que carne seca – quando dispõe –, rapadura e farinha de mandioca são o milagre dos peixes que faz sobreviver no sertão caatingado e resseguido.

Para ela, outro milagre: quando tudo faltava – do dinheiro ao que comprar – café e farinha. Reunidos naquele manjar dos deuses chamado mingau de café.

O mingau de café de Adelaide.

A “mãe e heroína” que nos levou “à compreensão mais extrema do significado de saudade”.*

___________

*Extraído da dedicatória levada ao romance Amendoeiras de Outono (Via Litterarum, 2ª edição, 2013).

domingo, 3 de dezembro de 2023

Eis mais um dezembro!

 

Mais um final de ano; simplesmente mais um dezembro. Até 753 a.C. constituía o decimo mês do antigo calendário lunar romano de 354 dias até a intervenção de Numa Pompilio (753 a.C.-673 a.C.), segundo rei de Roma, que o submeteu ao calendário astronômico de 365 dias, definido de uma vez por todas pelo Calendário Gregoriano, editado pelo Papa Gregório XIII (1502-1585), autor da canetada pontifícia em fevereiro de 1582, e que aí está desde então.

Nele (dezembro) a Igreja Católica celebra o Advento, a devoção especial ao Coração da Imaculada Conceição e ao Menino Jesus.

Mais um dezembro chegando. E quase nada lembrado em razão de suas origens na Roma Antiga, e muito pouco pelas efemérides que abarca.

Em nível de religiosidade a figura do Menino Jesus, definido como nascido no 25, resume-se às celebrações religiosas, mais e mais escassas de gente porque a cada ano vão passando ao largo a caminho do horizonte marinho.

Todo registro acima, em que pese milenar, foi atropelado por um senhor originado na Lapônia, hoje mais buscado que Jesus recém-nascido. Que trilha o planeta em seu trenó puxado por renas para corresponder aos ‘pedidos’ que lhe são feitos durante o ano.

No plano histórico a “bondade” que marca o velhinho tem origem no monge turco que viveu no século IV, de quem Noel herdou o “saco” (do qual, conta a lenda, São Nicolau lançou as moedas de ouro aos pés do pai para garantir a liberdade de uma filha prestes a ser vendida).

Mas, eis mais um dezembro! Que de novo traz além da mercantilidade que acomete o Natal de Papai Noel e faz mais a alegria de quem vende do que de quem recebe presentes?

O espírito natalino não mais é propagado como mensagem cristã, de reflexão em torno das mensagens do Messias, pautadas no amor ao próximo. Mas como mais um evento comercial através do qual ‘dar presente’ realiza a Felicidade.

Neste nada augusto ano de 2023 o coroamento se vê não só em aumento de miseráveis planeta a fora; também em mais morte de crianças de forma estúpida, determinada pelos novos Herodes. Qualquer que seja a idade basta que estejam no outro lado dos interesses em jogo. Hoje como ontem, anteontem... até com napalm e agentes químicos desfolhantes.

Lucram os mesmos senhores da guerra ou das fábricas “de ilusão”.

E Papai Noel ‘distribuindo presentes’

E você, Papai Noel, agente de enganação, vendendo o Diabo como se fora Deus, dando(?) presentes como se Felicidade o fora. Que desconhece o que realmente uma criança precisa.

Você, “bom velhinho”, não dimensiona o papel que representa “de vender ilusão pra burguesia”* e causar desesperança e tristeza para os que não dispõem de pouso para o seu trenó: sim, aqueles “meninos pobres da cidade” que não sabem “do desprezo que vancê tem pelos humildes”*. Nem mesmo percebe que alimenta até doenças e males outros, como observou uma criança no caso (verídico) registrado abaixo:

Tratou-se de Yan, num destes shoppings da vida: no alto da sabedoria dos seus seis aninhos, diante de uma bala doce (bombom) oferecida pelo ‘bom velhinho’, dispensou-a, justificando:

– Obrigado, Papai Noel! Doces estragam os dentes!

Sim, Papai Noel, ‘doces estragam os dentes’, como você ‘estraga’ vidas em lares destituídos de pouso para o seu trenó, faz esquecer que certo dia uma criança nasceu na manjedoura para anunciar ao mundo que nos amássemos uns aos outros como a nós mesmos.

Mas não deixa ao desamparo as corporações que mercam ilusões e faturam com as catástrofes que produzem à revelia do Homem/Humanidade.

__________________

*”Brinquedo de Papai Noel”, de Aldemar Paiva.

domingo, 26 de novembro de 2023

Filosofia sob a égide da negação

 

Não aventamos, para sustentar nossa digressão, por discorrer em torno das dezessete páginas para o verbete Filosofia, do Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano (edição revista e ampliada da Martins Fontes, São Paulo, 2007, 1210 p.), envolvendo sua compreensão e reinterpretação conceitual no curso dos últimos 2.600 anos.

Tudo, no entanto, que ocupou gênios e estudos tantos, não nos afasta do primordial pitagórico-platônico, tão atual como a realidade palpável de então. Afinal, ‘amor pela sabedoria’ perceptível apenas pelo ‘ser humano consciente’ de suas próprias limitações, através da qual o manuseio da investigação ‘da dimensão essencial e ontológica do mundo real’ como meio de ultrapassar ‘a opinião irrefletida do senso comum que se mantém cativa da realidade empírica e das aparências sensíveis’. Ou seja, um chamado ao estudo de questões gerais e fundamentais atinentes ao homem em sociedade sobre a existência, valores, razão, conhecimento, mente e linguagem.

Tudo posto como problemas a se resolver a partir da dúvida como fonte: POR QUÊ?

Ultrapassados dois e meio milênios aqui estamos diante de indagações que incomodam além do homem ‘consciente’. Acrescidas das conquistadas no curso dos séculos.

A consumação da negação se extrai da escorreita resposta ao porquê da acumulação material, por que de tanta riqueza em mãos reduzidas em detrimento da expansão da "sabedoria". Uma resposta que Voltaire (1694-1778) se dispensou de refletir/verbetear em seu Dicionário Filosófico.

Destinado o Homem à Felicidade, no curso da evolução histórica – eis o presente orientando futuro inexorável – descamba para negar-se a tudo que lhe foi disposto, existência controlada e submetida aos interesses parcos e de insignificância aos valores e à razão. Por quê?

O desrespeito à Natureza – em todas as dimensões – agravado pelo avanço ao pouco de que depende o planeta; guerras intermináveis (alteram-se os palcos) sacrificando crianças, mulheres, idosos; fome acometendo cerca de 1 bilhão, segundo dados da FAO (somente em 2022 mais 122 milhões) e mazelas et caterva.

Folheando páginas várias nos vimos descobrindo – em meio a este 1 bilhão famélico – que 2,6 mil bilionários concentram/detêm o controle sobre US$ 12 trilhões (uma bagatela, de 60 trilhões na moeda tupiniquim), que pagam a ‘fortuna’ de 0,5% de impostos, segundo Jamil Chade, no UOL.

Não há resposta ou teoria que justifique o avanço científico confrontado com a degradação da espécie como um todo: moral e materialmente.

Avançamos tanto em dimensão tal que já denominamos o processo de destruição do planeta, em decorrência do estágio de evolução humana, dando vezo a uma nova era geológica: a do antropoceno. Ou seja, a artificialidade desenvolvida pelo homem ‘engolindo’ a Natureza, em torno da qual perdeu o senso do quanto dela depende e quão insubstituível o é, assumindo-se como a grande ameaça para o planeta. 

Não bastando, esgotamos os limites de oferta da Natureza à sobrevivência e caminhamos – a passos muito muito largos – para o singular estágio de concentração de toda a espécie nesta “cápsula de Petri” em que tornamos a Terra. Afinal, último estágio/etapa da valiosa contribuição ao antropoceno, vitória inexorável do artificial sobre o natural, da qual nada levaremos.

Como antecipação do necrológio que se avizinha, para os organismos da ONU que acompanham a Sobrecarga da Terra (The Earth Overshoot), o limite se esgotou no último 22 de julho deste nada augusto ano.

Filósofos reconhecidos no curso da vida e da história – que se despertaram para o “amor pela Sabedoria”, “humanamente conscientes” etc. etc. etc. –  mantêm a pergunta milenar: POR QUÊ?

Resta-nos – nada mais – retornar às origens da Filosofia para desenvolvermos a teoria da negação aos seus postulados.

Certamente através da Inteligência Artificial o que ora denominam aquilo que artificializa o pouco de inteligência que nos resta.


domingo, 19 de novembro de 2023

Escrever ou reproduzir

 

A não publicação de duas postagens permanece por fruto de reflexão atropelando este escriba de província. Certa angústia em duvidar se o que levaria ao leitor seria, além de sua avaliação pessoal, uma imposição de caráter dogmático ou ideológico diante do que assim o é neste Ocidente publicado.

Privando os estimados leitores das elucubrações costumeiras nos debruçamos sobre alfarrábios em andamento, dentre eles “E assim os copia os homens”, tentativa de explicar o Cosmos através da província sob a égide do tempo.

Difícil o enfrentamento – se não reconhecermos como desistência – aos temas que pululam em uniformidade com o pensamento expresso. Afinal, em tempos em que não se mais percebe a diferença entre o sabor do pão de uma padaria e outra, entre a farinha de mandioca artesanal e a industrial, que a locomoção individual se perfaz do envaidecimento em relação ao veículo que exibimos e não em relação ao custo benefício, sentimo-nos como peixe fora d´agua e o oxigênio mais e mais escasso.

Lições pretéritas no curto pretérito deste existir registrado nos encaminham para compreender a grandeza que representamos como espécie escolhida, privilegiada. E nada mais!

Do nada ao fogo milênios; do fogo à destruição por um dos usos do átomo dominado algumas insignificantes décadas.

Os que morríamos por doenças e desnutrição várias aos 20 ou 30 anos há um século alcançamos possibilidades concretas de vida centenária, tanto avançamos cientificamente.

Crianças alcançavam o milagre de sobreviver quando completavam cinco anos. Que, por ironia, hoje escapadas da morte por doenças várias morrem estupidamente sob o cutelo da doença contra a qual não conseguimos vacina: ambição e poder.

Não percamos tempo pessoal em sacrificar o tempo do leitor afeito aos nossos sortilégios...

Busquemos o prólogo da obra acima referenciada o que pensamos lecionar sobre esta espécie que ainda não se encontrou e cada vez mais e mais se perde:

Mas o homem, em sua puída dimensão sapiens sapiens, impõe-se cronológico, ainda que perdida molécula na poeira da relação espacial: gasta-se para ir daqui para o ali, o acolá; do esperar, um pouco ou mais. Não basta o claro, o escuro; tampouco dia, noite. Precisa cerzi-lo ao alvitre do giro das engrenagens construídas como inexorável à sobrevivência e a ele se escraviza sob o ritmo dos segundos e, desconhecendo os anos-luz, aprisionado no túnel em que o conceitua. Do tempo em que se afirma existir nada mais que convenção materializada em segundos, minutos, horas, incapaz de reconhecer a nanotecnologia que o sujeita”.

Não fora assim o que configura crianças serem amputadas sem anestesia e clamarem desesperadas pelos pais que não mais verão?

Um punhado – dirão os algozes – de insignificantes seres que por desdita nasceram em Gaza encerrados atrás dos muros há duas décadas, sem futuro.

Dispensados estão de memoriais às vítimas de genocídio, como na Bósnia ou Ruanda (lições não aprendidas), erguidos por cúmplices comuns. Os de sempre.

Que em cada vala onde lançam uma criança sapiens sapiens vítima de guerra enterram o muito pouco que resta do que denominaram Civilização. 

Daí porque, nesta angústia que nos acomete, não mais sabemos quando escrever ou reproduzir.

 

domingo, 29 de outubro de 2023

As guerras e seus fronts

Valemo-nos de “O jornalismo e as guerras”, de João Lírio, redator-chefe da Carta Capital, que circulou em nosso e-mail, um texto preciso para instruir esta postagem:

 

"Se há uma verdade em um conflito, é esta: em algum momento, em alguma parte do planeta, um jornalismo inspirado, um analista arguto ou um político espirituoso vai repetir a frase “na guerra, a primeira vítima é a verdade”. É tão líquido e certo quanto o apoio dos Estados Unidos a qualquer decisão de Israel, justa ou injusta.

Não se sabe quem é o autor da frase. Há quem atribua ao grego Ésquilo, pai da tragédia. Outros apontam o político inglês Philip Snowden, famoso no século XVIII, ou o seu compatriota Samuel Johnson, ensaísta prestigiado que viveu cerca de cem anos depois. Seja quem for, o dito remete a um certo romantismo, quando aparentemente havia o genuíno interesse de perseguir a verdade, essa utopia.

No século XXI, quando uma guerra eclode, nem tempo há de matar a verdade. Ela é natimorta, enterrada em uma cova rasa, sem túmulo, epitáfio e flores. Há tempos, o poder entendeu: a propaganda é uma arma mais letal do que os mísseis.

A batalha entre Israel e o Hamas não foge à regra. O oligopólio midiático faz parte da engrenagem da guerra, imbuído da missão de vencer o Mal, à custa de sua independência. Não é permitido duvidar, contextualizar, relembrar, como fez o açoitado António Guterres, secretário-geral da ONU, ao dizer que o ódio não nasceu do vácuo, mas de uma história de ao menos 56 anos de ocupação.

Pensar de maneira autônoma tornou-se crime. É a prova de “apoio ao terrorismo” ou “perseguição aos judeus”. Uma heresia a ser punida com o ostracismo, o silêncio.

O terror do Hamas só pode ser combatido, então, com um terror ainda maior de Israel. Existe um sistema de câmbio para medir quando o “legítimo direito de autodefesa” estará saciado? Quantas crianças palestinas precisam morrer para compensar a perda de um bebê israelense?

A mesma lógica guia a “guerra urbana” no Brasil. A chacina no Guarujá, as operações policiais nos morros e favelas do Rio de Janeiro, a brutalidade na Bahia... Tudo vai além do olho por olho. Quantos civis, culpados ou inocentes, devem perder a vida para aplacar a morte de um policial? Quantas balas perdidas justificam o suposto combate ao crime?"

Pouco a acrescentar. O jornalismo constrói seus fronts. As guerras, os seus. 

Qual deles o pior: a morte humana nos ‘campos de batalha’ ou a da Verdade através do jornalismo que as alimenta?

O jornalismo escolhe seus culpados. Padroniza-os no imaginário de quem os lê, ouve ou vê.

A ênfase oferecida o define: massacre ‘terrorista’ cabe ao Hamas; massacre a civis em hospitais, escolas, comboios de ambulâncias e campos de refugiados apenas não passam de ataques justificados contra terroristas. 

Afinal, Josué à frente para conquistar Canaã. Para tanto:

"Vai, pois, agora e fere a Amaleque; e destrói totalmente a tudo o que tiver, e não lhe perdoes; porém matarás desde o homem até à mulher, desde os meninos até aos de peito, desde os bois até às ovelhas, e desde os camelos até aos jumentos".



domingo, 22 de outubro de 2023

Inverdades flertam com a informação

 

Alguns que houvessem acessado a postagem anterior antes de publicada teriam recomendado a este escriba de província que o evitasse. Entenderiam como inconveniente a uma parte poderosa.

Não deixavam de ter razão: universidade famosa perdeu apoio de financiadores judeus por ter sido palco de protestos em favor do povo palestino!. Que dirá pobres mortais que dependem dos outros em quase tudo!

Desde que o homem tornou-se sedentário, fixando sua realização material não mais na busca do alimento sob o nomadismo, resultou o que seria natural: excesso no que produziu. Encontrou como saída a experiência da troca – época que fez surgir o mais típico escambo, um produto por outro. Mas não tardou alguém produzir em excesso, o que tornava sua produção, excedente para troca, menos aceita por força da competição e passou oferecer mais e receber menos em razão da escassez do que produzia o que precisava.

O comerciar, levando a outros espaços carentes ou impossibilitados de produzir idênticos produtos, foi a descoberta milagrosa. Estocar tornava-se possível e garantia oportunidade de escoamento com menos prejuízo.

Precipitando a análise, no curso das eras que se sucederam o aperfeiçoamento do processo desenvolveu uma parcela que passou a controlar e beneficiar-se dos excessos da produção alheia. E mais se tornou quando a força de trabalho passou a ser mercadoria.

Lição elementar do surgimento do domínio da terra e de uma legislação que a protegesse na forma de ‘propriedade’ o que permitiu o controle de poucos sobre a riqueza que deveria servir a muitos.

E desde tempos muito pretéritos isso se firmou. E um bem de necessidade comum passou a ser disputado: água. Porque sem água (além do consumo humano) o solo nada produz.

Desde sempre TER passou a representar mais que SER. E contemporaneamente até mesmo se confundem na forma de submissão a ordenamentos e princípios elaborados para corresponder a tal jaez. Assim, ter passou a mais do que nunca a significar poder, controle sobre quem não possui.

Não de hoje o clamor:

“... Ninguém antes de Jove as terras desmembrava:

A lei que as fere agora, e marcos lhes encrava

que dor faria então. Se tudo era de todos,

a paz era comum a toda a humanidade;

a terra, abrindo a flor dos sonhos soterrados,

punha frutos nas mãos dos homens sossegados”.

                    Virgílio (70 a.C.-19 a.C.), no Livro I, das Geórgicas

Em tempos hodiernos duas riquezas se sobressaem: terra e água. A terra e seu subsolo e as riquezas nele abrigadas. Inclusive petróleo em nível mais profundo; e água, de que depende o homem para sobreviver...

O decantado agronegócio brasileiro, por exemplo, é exaltado como celeiro do Brasil e do mundo. Ainda que represente em torno de 3% do consumo mundial. Porque o que falta ao brasileiro de dieta de soja a Europa consome para seus animais.

Os poços d’água da Palestina são o celeiro ambicionado por Israel... os que restam. Que sejam expurgados os palestinos que ainda os detêm... afinal simplesmente terroristas por tentar protege-la!

Uma ocupação aqui e ali onde haja um poço explica o porquê da redução do território palestino e das ambições israelenses.

A guerra não passa de motivo. Motivada pela propaganda de quem detém o controle da informação.

O que inclui esquecer Públio Virgílio Maro.


domingo, 15 de outubro de 2023

Lá estavam os Cananeus

 

Um amigo, que viajou para Israel há alguns meses, nos indagava em torno do como compreender por que da guerra que ora ocupa os noticiários. Ele que viu, com os próprios olhos, palestinos e judeus convivendo pacificamente em Israel. Inclusive muitos deles trabalhando no hotel em que se hospedou.

Natural que, quem por lá andou, assim reaja diante do expresso pelo noticiário pátrio – tradicional em todos os níveis, inclusive em atender compromissos vários – que estabelece uma verdade absoluta e peremptória quando tratando do conflito Israel e Palestinos da Faixa de Gaza: terroristas (sempre os terroristas!) que atacaram o povo eleito.

O filme Exodus (1961), de Otto Preminger, conta uma ação (hoje denominada terrorista) da ocupação de um navio por judeus visando retornar à Palestina. Sim, caro leitor – Palestina, sim – a terra ansiada pelos judeus. Ali a sua pátria, as suas origens. Uma parte dela, onde viveram os descendentes de Abraão (vindo de Ur, na Caldeia).

E naquela Palestina lá fixados já estavam judeus, palestinos, mulçumanos, cristãos em convívio harmonioso sob o pálio do Império Otomano, desfeito depois da Primeira Guerra do séc. XX, dividido entre os vencedores franceses e ingleses.

Depois da II Grande Guerra daquele século a busca por um espaço que fosse seu. A recém-criada ONU encontrou uma solução: a criação do Estado de Israel, para abrigar territorialmente os judeus, e o Estado Palestino, em parte do que fora o Império Otomano onde já fixados e residentes há mais de um milhar de anos árabes, mulçumanos e cristãos modernos.

O primeiro foi de logo reconhecido sob o pálio da autodeterminação depois da autoproclamação, como registra a Enciclopédia Britânica; o segundo, até hoje espera a ‘boa vontade’ das nações poderosas, sempre apoiando Israel que afirma que não reconhecerá.

Que de lá para cá, com guerras ou simples ocupação de espaço, reduziu a área destinada ao Estado Palestino a um punhado indistinto de áreas separadas de Gaza, onde hoje se aloja o Hamas, grupo de resistência que se diz voltado para eliminar Israel.

Quando os orientados por Moisés partiram do Egito tinham por prometido por Javé alcançar a terra de Canaã, descrita na Bíblia. Que situada estava na costa oriental do Mar Mediterrâneo, “como se estendendo do Líbano até o riacho do Egito, no sul, e ao vale do Jordão, no leste”.  Uma terra que teria sido “prometida” por Javé (aquele estranho “deus” que gosta de sangue) aos descendentes de Abraão (veja-se, para começo, Gênesis 12:7).  

Quando ascendeu Roboão ao trono de Judá, por volta dos anos 900 a.C., as 12 tribos originárias se desfizeram da centralização e houve certa diáspora.

E aqui estamos, como antes de Cristo, aquele que defendeu o Amor e recomendou perdoar os inimigos e agirmos em relação ao semelhante como a nós mesmos.

A Nova Aliança de Jesus não foi aceita por quem segue Javé. Amor como mensagem não convém a quem pede sangue.

Digladiando-se ontem como hoje. Cabe saber, apenas, quem tem razão. Caso haja razão para tanto.

Lá estavam os antigos cananeus: uns e outros

Para os que têm a Bíblia como referência e o Velho Testamento como paradigma de Fé, para entender a postura atual de negar terra e vida ao próximo, não custa refletir em torno de:

Deuteronômio 20

16 Contudo, nas cidades das nações que o Senhor, o seu Deus, lhes dá por herança, não deixem vivo nenhuma alma.

17 Conforme a ordem do Senhor, o seu Deus, destruam totalmente os hititas, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus.

18 Se não, eles os ensinarão a praticar todas as coisas repugnantes que eles fazem quando adoram os seus deuses, e vocês pecarão contra o Senhor, contra o seu Deus

.

1 Samuel 15

Vai, pois, agora e fere a Amaleque; e destrói totalmente a tudo o que tiver, e não lhe perdoes; porém matarás desde o homem até à mulher, desde os meninos até aos de peito, desde os bois até às ovelhas, e desde os camelos até aos jumentos.

 

A Paz é possível e viável. Mas Javé não deixa. 

Dezenas de propostas de Paz oriundas do Conselho de Segurança da ONU foram rejeitadas por veto dos Estados Unidos. aliado incontestável de Israel.

Ainda que a maioria absoluta dos membros do Conselho concordem com a busca de uma solução para a Paz (que passa necessariamente pelo reconhecimento do Estado Palestino) um veto, com certeza, a inviabilizará: Estados Unidos.

Na briga estúpida sobra para os inocentes, em especial mulheres, crianças e idosos. De um lado e outro vítimas da intolerância.

Uns chamados de terroristas; outros, de povo eleito pelo deus Javé.

 

domingo, 8 de outubro de 2023

"Acorda, Brasil!"

 

Crianças de então – os que adorávamos as chanchadas nas matinês de domingo – ríamos a não mais ver. Afinal, humor circense de cacos e chistes, tropeções e empurrões valiam mais que o enredo. Quem de nós entendeu aquele “Trabalhadores de Gaza”” proferido pelo Sansão/Oscarito no “Nem Sansão, nem Dalila” (1955), de Carlos Manga?

A sátira de costumes e as paródias (“Matar ou Correr”, de Manga, 1954, entre elas) superavam os limites financeiros nativos para enfrentar Hollywood (confundida por muitos com a marca de cigarros) ocupando em plenitude as poltronas dos cinemas Brasil a fora. Nada entendíamos. Importava-nos rir!

Cabe destacar como rimos a valer com “O homem do Sputinik” (1959), do mesmo Carlos Manga.

Rever, por meio dele, este espaço do Cinema Brasileiro nos remete a reviver no presente aquilo que à época não compreendíamos: de que tudo não passa(va) de metáfora. E que de lá para cá nada difere; permanece a conviver com a realidade, travestida ao sabor das pretensões/interpretações oferecidas.

União Soviética,  França e Estados Unidos ali estereotipados vigaristas. A Guerra Fria levada na galhofa tendo como palco a terra brasilis. Deixando a lição de que os interesses de sempre, mais que tudo, faziam/fazem girar a disputa entre países. 

Chanchada de ontem, vigarice que a Geopolítica contemporânea faz permanecer sob idênticos paradigmas em outros palcos, sem dispensar o nosso.

Detalhe: os brasileiros – crianças de ontem, como as de hoje – deixaram de rir, mas continuam a viver ‘mensagens’ por meio das Agências United Press, France Press, BBC (contrapontuando com as rádios de Pequim, Havana e Moscou de então) capitaneadas pelos mesmos detentores do controle dos meios de comunicação/informação e quejandos tais permanentemente alimentando a “teoria do subdesenvolvimento” (obrigado Celso Furtado!).

E a sabujice e a imbecilidade – dos que desconhecem a leitura como fonte de informação – aí estão discutindo 'convicções' nos bares, nas esquinas e praças a ‘realidade’ que lhe é imposta formando ‘juízos de valor’ lançados aos quatro ventos no mesmo patamar que nos levou ao suicídio de Getúlio, ao Parlamentarismo de ocasião e ao coroamento de propósitos: golpe militar de 1964 carreando uma ditadura que nos corroeu no curso de 21 anos e destruiu valores pátrios ao alvitre dos ‘libertadores’. Trazendo, para coroamento de significativa parcela desta 'intelectualidade', a revolucionária teoria de que a Terra é plana.

Ainda permanecemos em igual patamar. Talvez em pior estágio – este nosso pessimismo(?) não nos permite expressar diferentemente – porque tão somente diante do fruto de todo o programado pelos ‘vitoriosos’. Que o digam as “reformas” tupiniquins no curso destes agros anos.

Mas não deixa de ser tempo, certamente – eis-nos prenhe de otimismo, novo Cândido à espera de um Voltaire (1694-1778) – de lembrarmos daquele instante de “O homem do Sputinik” em que a reportagem do jornal sai para o ‘furo’ e o fotógrafo – com o simbólico nome e sentido de tudo projetado em tela – é desperto para a obrigação: “Acorda, Brasil!”

Triste que não mais sejamos aquelas crianças que riam!


domingo, 1 de outubro de 2023

"Mande embrulhar"

 

Arautos contra o preconceito há muitos. Auto declinados de consciência avançada e revolucionária.

FHC comprava religiosamente o jornal “O Lampião da Esquina” em banca localizada na Avenida Paulista. Tempos difíceis, ditadura estourando bancas etc. Disse o jornaleiro que o Sociólogo adquiria o alternativo mas “mandava embrulhar”. Ou seja, negava que lia.

A lição nada recomendável permanece. Eis que é tempo de negar

No plano da compreensão da existência humana situar a espécie como paradigma em razão da exclusiva existência em nível de sapiens sapiens para nós pouco representa no plano de sua evolução social. Isso porque desde então – por volta de 30.000 anos da atualidade – saímos de Eras várias e alcançamos a presente de forma realmente incrível sob o prisma das ciências. 

Dos últimos sete mil anos (com o advento da escrita) até o instante em que vivemos a nanotecnologia, expectativa de revolução na Física e busca de conquistas interplanetárias assustam por não serem palpáveis para parcela considerável das gentes, impacta-nos tudo como certamente o homem primitivo diante da primeira chama.

Mas de nossa parte, de quem escreve e interpreta a província (e o planeta não está longe dela, já o disse Tolstói), avanços científicos avançaram a anos-luz de quando imaginávamos e parece que deixamos de aperfeiçoar e compreender o que representa a convivência, que trilha a passos de cágado.

Cada dia mais escravizados ao consumo em sua dimensão consumista alimentamos o ter e o elevamos à divindade tornando-nos pura e simplesmente peças indistinguíveis de uma realidade mais e mais cruel para com o Homem/Ser.

De modo concreto estamos regredindo no quesito evolução de valores que deveriam nortear a Humanidade no presente estágio civilizatório

E quando em torno disso cabia-nos refletir - e dispomos de todas as ferramentas alcançadas - fazemos de conta que não existe. 

Fugimos de assumir a realidade. Porque mais cômoda a fuga.

Assim, para esconder nossa pequenez vivemos como FHC, leitor de Lampião da Esquina: “Mande embrulhar”.


domingo, 24 de setembro de 2023

Por amor à Pátria

 

O ineditismo causou espécie à época: o chefe de estado de um país prestando continência a uma bandeira estrangeira. Desde as lições do catecismo da Educação Moral e Cívica (EMC) ou da Organização Social e Política Brasileira (OSPB) de tempos idos sabia-se que os símbolos da Pátria dizem respeito à própria nação que apatria o cidadão e a este cabe lhes prestar respeito: a Bandeira e o Hino dentre eles.

Mas, com tudo que já nos aconteceu, sabemos que a visão de subserviência colonialista permanece impregnada em parcela considerável da sociedade. Especialmente quando esta passa a incorporar o fanatismo religioso como reforço. A construção da idiotia cívico-religiosa aí está – mais viva do que possamos imaginar – atropelando o país dos brasileiros.

É também essa parcela do ‘pensamento’ pátrio que aplaude ‘continência’ a pavilhão estrangeiro, mesmo porque sonha – nos limites de sua insignificante compreensão da História, da Geopolítica, da Economia Política etc. etc. (para não dizer, de tudo) – em ser comparado de alguma forma com o colonizador contemporâneo e a ele subserviente.

Para ela seus povos originários devem ser tratados como o foram os “peles-vermelhas” do ‘grande irmão’ exaltado.

A mesma gente que somente entende viagem ao exterior se for para a Disneylândia, comer na origem sanduiches cancerígenos e beber refrigerante que compete com tal finalidade. Supimpa – o máximo em estesia e deslumbramento – morar ou admirar quem mora em Orlando ou Miami.

Até mesmo importou movimento antidemocrático e buscou “na mão grande” destituir mandatário legitimamente eleito como, naturalmente, o fizera um punhado de extremistas estadunidenses.

No entanto a gente que aplaude e endeusa quem se humilha a outro país e outra gente, ainda que à época não traduzisse o melhor de exemplos gestores, começa a espernear quando por aqui ensaiam fazer o que fizeram por lá: investigar ex-presidente.

Certo que nada custa aos seguidores compreenderem os riscos por que passa o ex-presidente dessa Terra de São Saruê. Afinal, por muito menos Trump corre risco de ir para a cadeia. Pelo menos respondendo à Justiça já está.

Nessa terra brasilis aprendemos como respeitar as instituições no exemplo de um ex-presidente, indiciado, julgado e condenado em 2ª instância no curso de anos-luz de 1 ano e 8 meses. Mais de ano e meio passou preso. Para depois descobrirem a trama armada desde o início e que, por ser tão medíocre, desmoralizada interna e externamente.

Por aqui também responderam a processo e curtiram cadeia políticos outros, incluindo governador de estado membro.

E muito avançamos. Porque tempo houve não tão distante que preferiam ex-presidentes suicidas ou mortos em circunstâncias até hoje pouco explicadas.

Que essa gente aplauda – como o faz em relação aos Estados Unidos – o que deram os senhores do Judiciário pátrio de imitar: investigar, processar e condenar quem atente contra as liberdades democráticas e o Estado de Direito.

Sejam ‘patriotas’ .

Por amor à pátria.


domingo, 17 de setembro de 2023

Beethoven para o Brasil e o mundo

 

Obra – das seminais – o Concerto nº 4 para Piano e Orquestra, Opus 58, de Ludwig von Beethoven. Para nós pode ser ouvida como lição metafórica para a geopolítica e a economia política contemporâneas. Não o 1º e 3º Movimentos, e sim, o intermediário, de pouco mais de cinco minutos: Andante com Molto, do 2º Movimento.

Desperta-nos a singularidade de um típico confronto entre orquestra e piano, vencido pelo piano quase inaudível depois de carrear a orquestra para o seu terreno. Destaca-se para a época o fato de inovar a regra geral (orquestra abrir o concerto. Similaridade também presente em Concerto de Aranjuez, de Rodrigo) e de imediato o piano o faz, como se se afirmasse ditando as regras. Na obra bethoveana há um singular jogo de pergunta e resposta, cada um a seu tempo, e quase não se encontram. Dispensou Beethoven os metais da orquestra para alimentar a contundência da orquestra e o faz por meio das cordas e madeiras. Traça e amacia no piano o seu desejo de terno convencimento para demonstrar que – como o fará no 3º Movimento – unidos podem tudo fazer e não subjugando uns a outros.

A lição do mestre do Romantismo – como o expressará em obras como as 3ª, 5ª e 9ª Sinfonias – nasce de um idealista que sonha com a igualdade entre os homens, menos distorções, e – certamente – hoje militaria por ver a redução do desequilíbrio sócio econômico entre os povos. Caso o ideologizássemos o teríamos certamente na fronteira das lutas em favor de maior igualdade entre os homens.  

Há países que trabalham como a orquestra; outros como piano. Os primeiros continuam aos gritos para amedrontar os que não tocam sob sua partitura e regência. Lá fora começam a ouvir notas suaves oriundas do piano; mas ainda insistem em impor sua tessitura ferindo os tímpanos dos que não pretendem usar suas técnicas. E persistem em não compreender que há gente morrendo em decorrência das desigualdades e sucumbe atravessando mares fugindo da asfixia a que submetida. Gente esquálida – que motivaria Castro Alves a compor novo e épico ‘Navio Negreiro’ – estampando a miséria e a desumanidade que ainda revive aquele triste exemplo.

O mundo não está só. O Brasil, internamente, imaginou através de uma parcela de sua gente de que gritar e ameaçar também seria o caminho mais fácil. No entanto destoou na leitura das notas.

O mundo começa a sentir que caminhos há para solucionar problemas e que não passam por convicções de religiões particulares que ensaiam novo formato para o patrimonialismo clássico ou que ensinam novo e revolucionário planisfério em nível de Geografia.

Essa gente, no entanto, dificilmente ouvirá Beethoven. Quando muito dirá que conhece o alemão por meio de caixinhas de música*.


________

* Für Elise