domingo, 26 de dezembro de 2021

Por outros caminhos as lições

 

Por pouco, muito pouco, o dominical não foi publicado na segunda-feira. A energia elétrica finou-se e não havia expectativa de retorno. “O rio de minha aldeia” (Fernando Pessoa) avalentou-se (neologismo que se impõe) como há muito não se via e cobrou o descaso do homem para com a Natureza à qual deve tributo.

Sobre este escriba de província o voo dos helicópteros resgatando os necessitados todos. Todos iguais perante a cheia.

Mais de cinco décadas o retorno das águas em alerta. O cordão de contas entre uma terra e outra, entre Itororó e Itabuna, sucumbido às águas.

Este Natal cobrou dívidas. Tornou iguais todos, ainda que não tão iguais assim.

Uns clamando aos céus, chorando os teres perdidos, única expressão de uma existência de economias. Agora sem mesmo dispor do alimento imediato. Outros, impotentes diante do caos, ilhados em suas casas, agradecendo por não haverem perdido tudo como outros, e mesmo sem poderem oferecer parte de si.

Lágrimas escoando de faces, traduzindo a dor contida, impossível de ser expressada com palavras.

As hidrelétricas com suas barragens transbordando.

Não sabemos se com tanta água que correu ainda justifica o anúncio de que o custo da tarifa de energia continuará alta no ano entrante.

Certamente, se mantida, o será para quem defende apenas o lucro dos que exploram a tragédia alheia.

Como os que aumentaram os preços da água engarrafada quando buscada por quem dela precisava para crianças, idosos e doentes, aplicando indecorosa lei de oferta e procura.

Por outros caminhos as lições ainda não aprendidas de quem ensinou que os mansos e os pequeninos alcançarão o Reino.

Tampouco leram Tiago, para quem “a Fé sem as obras é morta”.

Porque, ainda que muitos elevem as mãos para o alto rezando em nome do Menino da Manjedoura, apóstatas se fazem quando imaginam que o vil metal os torna deuses.

Deuses que não controlam as águas que os alerta de que somos todos iguais.


domingo, 19 de dezembro de 2021

Nas entrelinhas a continuidade do jogo

 

Ainda que a semana entrante se faça de esperança para o consenso ocidental, sublimada na existência de um símbolo do mercado que se ampara no primado cristão para justificar suas ações (compre e dê, compre e dê...) não há como dissociar a realidade que se avizinha da íntima relação com a expectativa de dias melhores, o melhor dos presentes ansiados.

Duas décadas são o palco da encenação: uma experiência político-administrativa recente, caminhando para o sexto ano, que se contrapõe àquela vivida nos 14 anos anteriores a nortear o desejo de que  traduzidas em defesa dos interesses da sociedade as políticas públicas sob a atuação do Estado.

De certa forma, uma metáfora ou alegoria se faz presente: que a atuação do governo se afine com a ficção noelina, qual seja dar presentes, e que não sejam os clássicos sob a égide do ho-ho-ho do morador da Lapônia. Porque a massa da sociedade ora carece do fundamental: comida, saúde, educação, emprego através da retomada da atividade econômica que segure tudo aquilo.  

Desta forma não há como afastar o instante natalino do processo eleitoral que se avizinha. E em torno dele o debate entre as experiências imediata e mediata.

Registramos em Não há mistério: “De entender ou buscar a razão por que não há quem se interesse sem interesse. O processo eleitoral o demonstra”. E cá estamos neste acompanhar porque discutir possível resultado eleitoral é ‘chover no molhado’ e cansar o leitor diante de tanta tormenta: Lula vencerá as eleições no primeiro ou segundo turno. A não ser – cala-te boca – que o mercado não confie nele e resolva buscar outras soluções, inclusive... libertando Adélio.

Temos registrado, sem arroubos acadêmicos, com palavras outras, a inexistência do Estado em dimensão conceitual diante da apropriação da instituição política pelas classes dominantes no correr dos séculos.

Postos os peões no tabuleiro avoluma-se a imprescindível análise em torno de propostas e projetos que permitam confiar naquele que pretende alcançar a magistratura maior da nação.

Da jornalista Myriam Leitão (veiculada no 247), porta-voz de destaque em defesa do golpe de 2016, sobre o proclamado Sérgio Moro: “No mercado financeiro já se ouve o farfalhar dos apoios incondicionais à pessoa sem conteúdo definido, como houve em 2018. O autoengano recomeçou", escreve Miriam. E prossegue: "O problema em torno de Sergio Moro é o quase nada que se sabe sobre suas ideias em várias áreas. Nos 16 meses que ficou no Ministério da Justiça, Moro barrou demarcações de terras indígenas, mandou o fracassado pacote anticrime para o Congresso, embutindo nele o excludente de ilicitude,... e abonou os sinais de desvios éticos no governo Bolsonaro, quando começaram a surgir".

E mais: “Houve um evento assustador na sua gestão no Ministério. Greve de policial é proibida, porque é motim de pessoas armadas. E que foram armadas pela sociedade com o fim exclusivo de protegê-la. Policiais militares se amotinaram no Ceará, desafiando o governador Camilo Santana e levando medo à população. Moro enviou o coronel Aginaldo Oliveira para resolver o conflito. Lá, o coronel definiu os amotinados como corajosos e gigantes".

Afastados os interesses pessoais e corporativos defendidos por Myriam Leitão o que diz contém verdades insofismáveis: o despreparo deste ensaiado mito, como daquele outro. Mas se o atual presidente conviveu com a política, Moro somente a praticou inapropriadamente no âmbito de interesses alheios às instituições nacionais. Sob a capa de combate à corrupção – e sob o manto do “eu acho” – prendeu quem queria prender e soltava os que faziam o seu jogo.

Fica-nos a indagação, já levada a termo como explicação, em outros instantes/textos deste dominical: o que remete parcela do mercado à defesa de figuras tão bizarras postas como ‘soluções’ para o país a ponto de incomodar até uma porta-voz do sistema.

Para compreender, caro e paciente leitor, é imperativo ler o que está contido nas entrelinhas. E entrelinhas se encontram com outras declarações, estas trazidas pelo editor Lúcio Costa Pinto, do 247, que diz ter ouvido de empresário de renome e com assento na Avenida Paulista de que a parcela em torno dele não votará pela reeleição do atual muito menos no Moro (“Ninguém vota no Moro”!

Para não cansar nosso caro e paciente leitor – e mesmo não ‘chover no molhado’ diante do que temos escrito neste espaço – cabe apenas “Entender ou buscar a razão por que não há quem se interesse sem interesse”.

Myriam Leitão é porta-voz do empresariado, como o é o empresário da conversa. Cada um defendendo seus interesses: um, através de porta-voz; outro, testemunhando os pares.

Pode-se mesmo especular até o limite dos interesses de um e de outro: os defendidos pela porta-voz muitos estão lá fora exercitando o controle sobre esta terra brasilis por via de contemporâneo colonialismo; o outro, mais vinculado a este chão.

O que está nas entrelinhas é a continuidade do jogo. Que, no fundo, atende a Papai Noel e não a quem nasceu na Manjedoura.

Ao povo desassistido resta a esperança de ver retornados aqueles dias melhores já experimentados.

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A visão deste escriba de província para o Natal está expressa em “Epifania” (Portal da Piedade; Via Litterarum, 2018), disponível em GGN/Luiz Nassif .


domingo, 12 de dezembro de 2021

Presidencialismo de coalizão exige renúncias

 

A ora decantada possibilidade de aliança político-eleitoral entre Lula e Geraldo Alckmin faz tapar narinas à esquerda e à direita. Observada sob a égide ideológica tal aliança é inteiramente incompatível.

A socialdemocracia de Alckmin é a defendida pelo mercado capitaneado pela teoria neoliberal, ou seja, a do Estado mínimo. Tudo à iniciativa privada quando assegure lucro a esta e obrigações para o Estado inclusive salvar bancos e empresas. O contrário do que defende a esquerda.

Não sabemos se uma aliança com Alckmin virá a se constituir em nefandas consequências para o Estado, como a do PT com o PMDB fisiológico. Não esquecer que em quase tudo atribuído ao PT em nível de escândalos estão figuras de proa indicadas pelo PMDB para formar feudos que alimentassem a sua cornucópia. Como não bastasse plantou uma figura grotesca chamada Michel Temer que conversava com o Departamento de Estado americano desde idos de 2006 e comandou as negociatas que alimentavam o golpe ainda encastelado no Palácio Jaburu, em típica traição “ao vivo e em cores”.

A percepção de Lula em nível deste tipo de composição política não é nova, quando diz respeito a alianças com o centro ou mesmo centro-direita.

Quanto ao prejuízo eleitoral em cada uma das hostes (esquerda ou direita) de pouca influência se levamos em consideração o eleitor comum.

Ninguém imagine que o eleitor conservador vote em Lula porque Alckmin é seu vice. A possibilidade concreta de eleitores progressistas não votarem em Lula em razão da aliança, proporcionalmente aos ganhos, é insignificante. Ou seja, o contingente à esquerda será bem maior na manutenção do voto no petista do que a perda deste dentre votos conservadores.

Observados em suas dimensões para a análise e avaliação do eleitorado quem pesa é Lula. Presidente da República atuou sob visibilidade plena; Alckmin tem limites provincianos em que pese a hercúlea sabujice da mídia com o sistema nunca passou de ‘picolé de chuchu’. Os limites de sua longa carreira como governante, em São Paulo (a mais longa da história da República), não ofuscam a da presença de Lula no restante do país.

Pesquisa recente (Quaest, no 247) confirma tal avaliação, uma vez que somente 10% dos eleitores de Lula dizem que a chance de voto diminuiria. Isso faltando um ano para a eleição. Para nós tal chance (de não votar) se tornará nula quanto mais se aproximar o dia D.

No entanto não há como afirmar que dita aliança se consumará. A pretensão de Lula em dispor de alguém com tal viés não se esgota em Alckmin. Por outro lado, o amadurecimento de tal tema exige dele Lula que não corresponda ao imediatismo, à irreflexão para que não seja visto simplesmente como um oportunista.

Temos que Lula enxerga possibilidade de votos vinculados a Alckmin para o petista Fernando Haddad para governador, uma vez que tal aliança não afastará de Haddad os votos de que dispõe. Em cenário mais pessimista o único prejuízo residiria em Haddad não conquistar qualquer voto conservador.

Conquistar o Estado de São é a maior ambição de Lula (certamente sua maior vitória no atual instante), praticamente igual a reconquista da presidência. Emblemático e significativo: lá está a maior concentração do capital, centro do sistema financeiro e industrial, maior contingente de trabalhadores sindicalizados e onde o PT nunca venceu eleição para governador, incluindo o próprio Lula.

Eis o nó górdio: não haverá aliança Lula-Alckmin se não for Fernando Haddad o cabeça de chapa para governador em São Paulo.

Os críticos à esquerda imaginam que tal aliança seria passar uma borracha no passado. Cremos que a realidade da busca pelo poder na história recente do país e tomando o próprio Lula candidato em todas as eleições depois da ditadura não venceu o PT em qualquer delas quando formou aquilo que chamam de chapa puro sangue.

No mais, difícil o homem comum entender, que em regime de presidencialismo de coalizão não somente o poder deve ser conquistado; também a governabilidade.

Começando por aumento da bancada petista e de aliados no Congresso como efeito de uma candidatura Haddad, com chances de vitória.

Este fato exige renúncias no campo purista. Narinas tapadas, mas voto na urna.

domingo, 5 de dezembro de 2021

De leitores e personagens a realidade se faz

 

Há em romance nosso, prestes a ser levado ao prelo, personagem enlouquecida que recita Navio Negreiro (Castro Alves) e tem a escravidão como a tragédia maior da humanidade sem o devido reconhecimento, “por faltar interesse” do sistema em fazê-lo. Aprendeu a entalhar com Hansen Bahia quando de sua passagem pelo Recôncavo e exercitava o mister para leva-lo ao fogo assim que concluído o trabalho. Como tema “crianças esquálidas, bocas escancaradas, acorrentadas umas às outras clamando aos céus”. Certamente as chamas expressavam a sua catarse de toda uma humanidade. Alfonsino, o seu nome.

Leitor deste blog nos enviou e-mail pedindo apoio para sua luta contra a ocupação de espaços públicos por bares e restaurantes, em especial calçadas. Questiona ele a omissiva atuação de órgãos públicos destacando Prefeitura e Ministério Público.

A catarse de Alfonsino e a denúncia do leitor vemo-las como expressão da triste realidade de um país que perdeu o respeito pelas instituições e valores que constroem e dignificam uma sociedade civilizada. Daí nada faltou para perde-lo em relação ao cidadão.

O Estado – o brasileiro em particular – como expressão da classe dominante mais e mais se consolida em tão lamentável dimensão, consideradas as proporções: do comerciante provinciano ao banqueiro, latifundiário etc.

Os feudos edificados em todas as dimensões do poder público (Judiciário, Ministério Público, Forças Armadas, Poder Legislativo e Poder Executivo) e do privado (imprensa, igrejas e sociedade civil organizada) passeiam ao largo e, quando muito, são afetados pontuadamente, em instantes raros, por quem faz a diferença e de logo marcados estes autores como ‘terroristas’, ‘comunistas’, ‘petralhas’ e quejandos outros.

Basta ver o ‘normal’ a que chegamos.

No plano judicial aplaudidas decisões sob a égide de interpretações de ‘colendas’ cortes, de repercussão geral, escondem, muitas vezes, o asseguramento de vantagens à classe dominante.

Nada a dizer diante de alguns magistrados criminosos. Inclusive os que servem a países outros que não o nosso e já elevados à condição de tentar ocupar a maior magistratura nacional.

Decisões no âmbito legislativo (em todos os níveis) albergam interesses de grupos econômicos acima de tudo, restando migalhas aos do povo. E os reproduz o judiciário, que cuida menos de corresponder ao bom senso e à Justiça e em essência ao cumprimento da lei (que nem sempre está a serviço da Justiça).

As forças militares (e as de segurança pública) são o cão de guarda do sistema e seus rosnados ameaçam os que enfrentem privilégios e absurdos, inclusive os seus (como manutenção de forças ativas em tempo de paz e indecorosas pensões às custas do erário).

O Ministério Público, em instantes cruciais, menos defende a sociedade e mais – muito mais – interesses alheios a ela. Quando nada, se omite em enfrentá-los. No geral, a burocracia.

O Executivo encastela em seu bojo os instrumentos de favorecimento aos interesses econômicos (agências e câmaras de regulação em particular). Que o digam ANEEL, Banco Central, ANVISA, ANP, ANATEL, CMEB etc., administradas por pessoas indicadas pelos interesses que com elas conflitam.

Em nível privado a imprensa serve a quem a custeia. Para tanto, mente para garantia dos privilégios daqueles que a sustentam.

Igrejas e organizações outras tornaram-se apêndice do Estado – por via direta ou indireta – a ponto de aquelas haverem ampliado sua participação político-partidária como instrumento de pressão para melhor partilha no ‘meu pirão primeiro’ e em nada para defesa de interesses do povo.

Eis a razão por que gritam sem serem ouvidos nosso leitor – contra a ocupação de espaços públicos – e Alfonsino – levando às chamas sua produção intelectual enquanto declama Navio Negreiro. A ficção(?) se confunde com a realidade.

A consciência da cidadania no limbo de órgãos e instituições aos quais cabe defendê-la vê-se mais e mais acanhada e não tardará todos os que a defendemos sermos chamados de loucos.

Já o somos por não concordarmos – os mais lúcidos – com as políticas de governo ora implantadas como solução para as desgraças causadas pelo mesmo governo.

A propósito, nos soa a Voltaire (1694-1778): “Um doido chamado La Jonchère, que não tinha do que comer, escreveu em 1720 um projeto de finanças em 4 volumes” (Dicionário Filosófico, tradução de Ciro Mioranza e Antonio Geraldo da Silva – Lafonte, 2018, p. 237).

No entanto, diferem estes tempos em relação aos do século XVIII, porque os desta terra de São Saruê que se envolvem com finanças do Estado não têm nada de “doido”: comem muito bem e guardam dinheiro em paraísos ficais e seus chefes vão a regabofes mundo a fora (Oriente Médio, recentemente) quando entregam parcela do patrimônio pátrio àqueles que nos farão ainda mais escravos.

Porque neste livro chamado Brasil, onde escrito o cotidiano teimoso, de leitores e personagens a realidade se faz. Dolorosa, impiedosa para com sua gente.

domingo, 28 de novembro de 2021

Não há mistério!

 

Ficamos nos confins da Terra, quando civilidade e cultura perderam espaço para o atraso e a idiotia se disfarça em delírios adredemente postos ao consumo. 

Avaliando o dia a dia da sucessão que se aproxima (menos de um ano até lá) sob o prisma do cotidiano. Sobre a mesa o de sempre: uma tragédia aqui (em variantes várias), outra ali, assaltadas todas por uma qualquer, em qualquer instante, de intensidade mais impactante.

300 balsas apetrechadas por garimpeiros invadem o Madeira para explorar ouro em terras indígenas e já escavam o leito do rio. O Vice-presidente diz que os indigitados estão em conluio com o narcotráfico. (247 aqui e aqui)

Mais uma operação policial com requintes de chacina levou para o cemitério uma dezena (dentre eles, segundo a própria polícia, alguns não tinham passagem por delegacias). Moradores (sempre suspeitos em suas declarações, por serem favelados e favelado é sempre criminoso em potencial) falam em tortura, churrasco, bebedeiras e sacolas de dinheiro apreendidas na operação que desaparecerem dos registros oficiais. Corpos lançados em matagal significa dispensar prisão, lavratura de autos complexos, perícias. (247 aqui e aqui)

Na seara dos Poderes da República a possibilidade de inserção de um jurista “tremendamente evangélico” para ocupar vaga no STF. Ainda que laico seja o Estado em tempos de estio como o presente a fé e o dogma religiosos sinalizam mais força que a cultura jurídica, razão por que não tardará quem defenda a aplicação da lei mosaica como estatuto jurídico único e os templos (preferencialmente os que negociam indulgências em suas várias formas) como tribunais.

Prévias no PSDB. O candidato que veio a vencer já anunciara sua pretensão: privatizar o Banco do Brasil e a Petrobras (o que resta dela). (247)

Denúncia por apurar: intimado para depor em inquérito policial Olavo de Carvalho fugiu da intimação (ainda que hospitalizado e aguardando cirurgia) em avião da FAB que pousou nos Estados Unidos próximo à residência do indigitado guru de coisa nenhuma. (247)

A desmoralizada ‘lava jato’ de Curitiba repassou dinheiro de delações e esconde os detalhes e destino de parte dele. (247)

Há nestes últimos tempos uma repentina expansão de negócios da família Dallagnol (aquele que pretendia R$ 2,5 bilhões de acordos da ‘lava jato’ envolvendo dinheiro da Petrobras para uma fundação suspeita), detalha Nassif.

Sérgio Moro – que negava vocação para a política – filia-se para concorrer à presidência da república e já tem apoio aberto da Globo. Sobre ele, lava jato, quejandos outros e os interesses que sempre defendeu uma matéria do Le Monde repercutida no CONJUR.

Lula (aplaudido no exterior) continua vencendo as eleições de 2022. Michel Temer sugere semipresidencialismo a partir de 2026, ‘para não dizerem que é golpe’. Damous denuncia. Não faltará quem lute por ele para logo (2022) caso mantida a possibilidade concreta de vitória de Lula.

De entender ou buscar a razão por que não há quem se interesse sem interesse. O processo eleitoral o demonstra. Com a certeza de que não são os interesses do povo brasileiro que norteiam os rumos.

Não há mistério! Giuseppi Tomasi di Lampedusa (Il Gatto Pardo) ontem, hoje e sempre: mudar para ficar no mesmo capitaneia nossa augusta grande mídia. Basta ler e ver.

Ainda que permaneçam chacinas, invasões de terras indígenas por garimpeiros, fugas em aviões da FAB, etc. etc. etc. os interesses também são os mesmos e a vetusta e decantada corrupção mantenha-se por trás de parte considerável deles.


domingo, 21 de novembro de 2021

Não há creme e cereja que o torne palatável

 

Não vivêssemos engambelados pelo sistema, onde os meios de comunicação comandam o permanente estágio de alienação, há muito seríamos outro país. Como ‘país’ nos referimos a uma nação que se reconheça como tal, pátria da cidadania em plenitude de dignidade humana, não somente na língua, no território e um amontoado de gente.

Não se exija dela submissão, mas a responsabilidade de que sua opção por este ou aquele caminho seja transparentemente assumido, que o transcrito traduza a realidade, não o manipulado, como ocorre em inúmeras oportunidades.

Nos Estados Unidos a imprensa tem lado. E todos sabem disso. Quando leem este ou aquele jornal, escutam esse ou aquele comentarista político, sabem a razão por que da defesa desta ou daquela posição e a que interesses atendem. Definem-se, mas são ‘sinceros’ no propósito.

Aqui nesta terrinha posam de vestais da moralidade quando defendendo até a imoralidade de quem a serviço.

Em princípio a concentração midiática não tem mais o mesmo espaço. O acesso à informação está pulverizado. Assim, não apenas a rádio tal, a TV tal etc. No entanto a informação que chega à porta do leitor/ouvinte/telespectador pode ter nascido de uma mesma fonte, fonte de um lado só, do mesmo portal de versão ideologizada em defesa do sistema.

Aguardando ser entrevistado em determinada emissora local (e já o percebi em várias oportunidades) o portal de notícias no que se refere ao noticiário nacional e internacional tinha a(s) mesma(s) fontes.

O que faz justificar uma viagem de um ex-presidente da República, atual candidato ao retorno, não encontrar guarida na grande mídia? Enquanto a grande imprensa ocidental (com destaque para a europeia) registra sua presença em razão do que fala em nível de importância para o planeta, recebido como se chefe de Estado fora, aclamado por aquilo que representa, nesta ‘terra dos confins’ a grande imprensa silencia em torno dele. E mesmo descontextualiza o que diz, forma vil de enfrentá-lo.

Seu tempo (da grande mídia) está voltado para aquele que, lá fora, dele correm como leproso.

Não há exagero em dizer que o processo eleitoral vindouro é um marco definidor entre dois projetos de país; um, colonialista; outro, com autonomia e posicionamento geopolítico já experimentado.

O projeto colonialista que está em seu ápice (pretendendo subir mais um pouco para consumar a destruição do parque econômico pátrio ou o que resta dele) demonstra à sorrelfa o seu custo. Um custo insuportável para a população, que sofre com a fome capitaneando o estágio de miséria em que se encontra e mais e mais se aprofunda. Inconcebível que pondo-se a dizer que informa os meios de comunicação tenham tamanha insensatez como caminho para o futuro.

Na outra ponta um projeto de cunho socialdemocrata já levado a termo na história recente com resultados exitosos e mesmo revolucionários não encontra espaço naquela mídia nem para ser referenciado, muito menos posto para o debate.

O mundo assiste pasmo o que ora acontece no Brasil. E parte dele reflete em torno dos caminhos para reverter tanta crueldade. Este mundo que enxerga lá fora o que aqui dentro insiste a mídia hegemônica não ver.

Claro, caro e paciente leitor, que sabemos dos compromissos históricos desta mídia hegemônica e a quem serve: a classe dominante, não a pátria. O que nos incomoda é o fato de não assumir que assim o é e pousa de madona virtuosa quando pecadora profissional a serviço do cafetão de plantão que a sirva e aos que serve (que nos desculpe a autêntica, muitas vezes fruto dos desencontros decorrentes de uma sociedade aonde a desigualdade impera).

Sob tal cadinho temos a mídia hegemônica desta terra de São Saruê: podre, cheirando ao lançado às latrinas de que se valem os miseráveis para atender às suas necessidades. Para o excremento não há creme e cereja que o torne palatável. Fotos e imagens não têm cheiro, mas o identificam por força da dedução. A imprensa da classe dominante pensa que não.

A cobertura que fez e faz a grande imprensa brasileira aos espaços visitados por Lula, omitindo sua importância para o debate que se consumará em 2022, não passa de vã tentativa de borrifar com perfume francês e cobrir de creme e cereja o excremento exposto.

Mas, sabido e consabido que na mesa do cotidiano nem mesmo borrifado/encharcado de perfume francês o excremento atrairá comensais.

Tampouco uma porção de creme e cereja sobre ele o tornará comestível.


domingo, 14 de novembro de 2021

“Deus me ajudou muito”

 

O então relator da Comissão de Orçamento do Congresso, deputado João Alves de Almeida (leia aqui), depondo à CPI que apurava o escândalo denominado de “anões do orçamento” sobre como conseguira o dinheiro que jorrava em e de suas contas bancárias justificou-o através de sucessivos e constantes ganhos na Loteria Esportiva, tributando tal sorte a Deus, que o ajudara muito.

O argumento que motivou ironia e riso naquele instante certamente pode ser alegado por muita gente nesta terra de São Saruê.

Como o delegado da Polícia Federal que adquiriu apartamento em Miami de 675 mil dólares e quitou em 16 meses o financiamento de 337,5 mil dólares (Metrópoles). Em reais, 3,5 milhões e 1,9 milhões, respectivamente, no câmbio atual. Adiante-se que a renda familiar líquida do indigitado gira em torno dos 31 mil mensais, da qual o equivalente a R$ 11 mil seria consumido com custeio de condomínio e impostos.

Não culpemos o sonho de consumo deste ilustre representante da burguesia nacional. Afinal, não há muito tempo, um outro então ministro Joaquim Barbosa, do STF também adquirira apartamento em Miami e mesmo criou empresa (que não podia, por impedimento legal) para facilitar a transação e burlar o Fisco pátrio.

Viver é bom! No Brasil, naturalmente!

Este o sonho de consumo da burguesia brasileira: viver em Miami-EUA. E mais: ter por residência aquela terrinha; naturalmente vivendo desta terrinha.

Líderes de audiência televisiva, de venda de indulgências, e quejandos outros têm um cantinho ‘de seu’ nos States e contas bancárias para privilegiados em paraísos fiscais. Oh! Glória!

E cá, da planície da província, assistimos a tudo na versão impressa/imprensa: tudo normal – fruto da meritocracia – quando envolvidos próceres do sistema encastelados neste ou naquele espaço/órgão governamental, seja militar ou civil.

A burguesia nacional se espelha na classe dominante que exercita o poder para alimentar tais benesses. Para ela iate e avião devem continuar isentos de impostos; o fusquinha caindo aos pedaços (metáfora), não.

Para a manutenção de seus privilégios dispõe de representação política para garantia de tais quejandos. Afinal, o país não passa de horta no quintal dos interesses. Interesses que nunca estão atrelados aos do povo.

Na tentativa de superar os vícios da colonização primitiva no século XX construiu-se um projeto de representação política que se materializou, a partir dos anos 30, na conformação esquerda/nacionalismo versus direita/entreguista, de onde adiante destacados PTB (de Getúlio Vargas) x UDN. Aquela UDN que se posicionou contra os projetos nacionalistas e se utilizava de todos os meios para inviabilizar governos que o pretendessem e se tornou a representação político-partidária maior do golpe de 1964.

Dali ARENA, PDS, PFL, DEM. Viés deste projeto, aliado diretamente aos propósitos de entrega do país, de submissão aos interesses do capital estrangeiro, o PSDB capitaneado por quem defendia a ‘dependência econômica’ como instrumento de desenvolvimento.

Nos estertores daquele século, no costado dos perseguidos partidos de esquerda o Partido dos Trabalhadores nasce como contraponto ao projeto político da classe dominante, mais ao centro.

Chegou ao poder no limiar do século seguinte sob o crivo de alianças que lhe assegurassem governabilidade. Uma governabilidade pensada a partir do alto, nos moldes do novo modelo de colonização, representada por uma classe dominante pautada nos vícios históricos.

Alianças que o tiraram do poder.

O que é difícil de entender é que haja quem aplauda a aventada possibilidade de dobradinha Lula-Alckmin, ou seja, PT-ex-PSDB. A incompatibilidade de princípios políticos, de projeto que retome o Brasil como país independente é gritante e aviltante até pensar em contorna-la. Seja-o com PSDB ou qualquer outro de igual estirpe.

Como temos dito caso esse tipo de projeto político-eleitoral venha a se consumar a turma demonstra não ler em torno nem do passado recente. O PT tirou Michel Temer do poço sem fundo em que se afundara no porto de Santos e pensa aproveitar-se de quem nem poço tem aonde se esconder. Àquele e ao seu PMDB entregou joias da coroa, como diretorias várias da Petrobras. Ao futuro aliado à direita o que restar, certamente.

Afinal, a não ser que os ventos externos (Carta Capital) consigam fazer com Lula o que fizeram com Dilma e a sucessão petista em 2018, a busca de apoio de tal jaez mais nos parece uma confissão de que o inquilino do Alvorada está melhor na fita do que o revelado pelas pesquisas.

Ou, lembrando do ‘anão’ João Alves “Deus me ajudou muito”, a denominada esquerda anseia por ajudar os caídos para ser por eles derrubada.


domingo, 7 de novembro de 2021

Tempos de esquecimento conivente / conveniente

 

Verberava Cícero (103-43 a.C.) em suas ‘catilinárias’ contra a perversidade e os maus costumes de seu tempo. O tribuno romano espelhava-se no pai de todos os vícios e depravações da política de sua época clamando contra a omissão do Senado em relação à “lamentável” condição da República Romana por tolerar quem conspirava (Catilina) contra ela sem que nada lhe acontecesse. Da abertura em sua Primeira Oração contra Catilina o mais conhecido dele: “O tempora, o mores” (Ó, os tempos; ó, os costumes).

Roma não é mais a mesma, tampouco a política de sua época. Mas ainda sabemos do que acontecia na terra da loba que alimentou Rômulo e Remo lá se vão mais de dois mil anos. Os registros da época perduram relatando o seu tempo.

Os tempos que vivemos não são os de Cícero. E não o são por serem estes tempos apenas modernos. Os nossos tempos não são os de Cícero porque são tempos de esquecimento quando esquecer corresponde a interesses os mais diversos. Ainda que recentes os fatos.

Nos tempos de Cícero não havia recursos como os modernos para registrar e levar adiante os fatos ocorridos. Não havia imprensa. Que dizer de rádio, televisão e quejandos outros.

Não sabemos se a velocidade com que se materializam os fatos (e se repetem) tornam o ‘esquecimento’ no lugar comum a ser levado em conta.

Fixamo-nos particularmente na imprensa em razão de alguns acontecidos (repetidos) no curso desta semana sem que a memória de suas ocorrências no imediato histórico os fizesse revelados pela importância. Até porque a distinção ao serem tratados pela imprensa deixa antever que não é o fato em si o que motiva a publicidade ideal mas o interesse em fazê-lo.

Eis que uma decisão em caráter liminar da Ministra Rosa Weber, do STF, suspende a execução de emendas de Relator do Orçamento da União, uma artimanha denominada de ‘orçamento secreto’, voltada para beneficiar o governo federal na barganha com parlamentares para assegurar resultados favoráveis aos seus interesses.

Sua Excelência considerou a existência de um “caráter obscuro” através das tais ‘emendas de relator’ por ocultar a identidade real dos beneficiários dos repasses.

Dizemos nós, da planície da província, que ‘esconder’ algo que é do povo (recursos orçamentários) para liberá-los por conveniência política a este ou aquele que comungue com este ou aquele projeto não cheira somente a mais uma excrescência tupiniquim, mas à corrupção das grossas, escancarada de forma desrespeitosa.

Nada de novo no front; apenas as variantes. Não esqueçamos dos denominados ‘anões do orçamento’, alcançados por uma CPI no alvorecer da década dos 90 que identificou um sistema de corrupção através de emendas parlamentares.

Em torno do tema trazemos um testemunho pessoal do que ouvimos de um assessor de deputado estadual que fizera inserir em sua chapa para representação de um determinado município baiano o então deputado federal João Alves de Almeida relator da lei orçamentária há anos capaz de fazer milagres, como o que vamos citar:

Na eleição de 1990 o ilustre ‘anão’ fez dobradinha com o deputado estadual baiano em determinado município, que conseguiu, de logo, usufruir da liberação de recursos do Orçamento Federal para o ano de 1991 na ordem de 800 mil dólares. No final de 1991 João Alves chamou a seu gabinete em Brasília o prefeito que andava com os dentes no quarador com a dinheirama que aportava para ouvir do relator que este fizera inserir emendas, a serem liberadas no ano seguinte (1992), na ordem de 2 milhões de dólares. Antes que o prefeito desmaiasse de alegria, no entanto, adiantou que dos recursos 30% seriam destinados ao ‘esquema de PC Farias’. O prefeito quis chiar, mas diante de tanto dinheiro extra aquiesceu. Então complementou o ‘anão’: Mas tem outro detalhe: as obras serão realizadas pelas empresas de fulano (também deputado federal baiano).

Adiante-se que o prefeito não viu a cor do dinheiro, justamente em razão da CPI que escandalizou o esquema.

Pois é caro e paciente leitor, aquilo que foi escândalo porque o relator inseria emendas AVANÇOU para que as emendas por ele (relator) levadas a efeito no orçamento sejam liberadas pelo governo sob o ‘transparente’ critério de que são ‘emendas de relator’ conforme este as escolha.

Anteriormente a festa residia em liberar emendas e delas participarem ‘ilustres’ deputados; hoje, para que os ‘ilustres’ deputados possam participar (não afirmemos que todos!) precisam se identificar com o relator, o que significa dizer: “com os interesses do relator”.

No imediato o ‘relator’ tem interesse que o deputado vote na PEC dos Precatórios e abra uma janela de cerca de 80 a 90 bilhões de reais para favorecer o Governo Federal no ano eleitoral.

Ou seja, para tudo ficar mais claro: dinheiro público para gasto político.

Patranha maior não há. E desde os tempos de Cícero a isso se denomina corrupção.

Na época de Joaquim Barbosa, que precisava encontrar dinheiro público para justificar o crime de corrupção no denominado ‘mensalão’  o ‘petista’, porque o do PSDB mineiro, de Aécio Neves e o mesmo Marcos Valério, ninguém mais lembra além de um boi de piranha chamado Anastasia requisitou apuração da origem dos valores através do procedimento instaurado a pedido dele (Inquérito da Polícia Federal n. 2474), que nada encontrou que justificasse corrupção (e sim caixa 2, dinheiro privado para financiar campanhas políticas), tanto que para farrear com as condenações tipo a de José Dirceu (“Não tenho provas contra José Dirceu, mas a literatura jurídica me autoriza a condená-lo” do antológico voto da ministra Rosa Weber) o dinheiro que alimentava a corrupção viria do Banco do Brasil (fato não encontrado na investigação da PF, escondida dos pares por Joaquim Barbosa).

Tudo que aqui escrevemos se volta para o fato de que tudo isso que estamos vivenciando vai passando ao largo da imprensa. A corrupção não o é. A não ser que praticada contra quem enfrenta ‘meus’ interesses (dos que me bancam).

A corrupção escancarada a ponto de motivar intervenção de Ministra do STF nem mesmo sob tal jargão é abordada pela imprensa, muito menos escandalizada, como aquele caixa 2 o foi. O que os distingue: os interesses defendidos pela grande imprensa em um e outro instante.

Assim como no necrológio da cantora morta no acidente aéreo ninguém lembrou de sua posição política aos 23 anos de idade. “A gente não precisa desse retrocesso” afirmara em 2018 referindo-se ao candidato que veio a ser eleito (vídeo disponibilizado por Hildegard Angel, no 247). A maturidade política refletida na frase não mereceu entrar no rol dos valores a serem revelados e lembrados no instante de sua passagem; apenas a musical (para nós sofrível, como quase tudo do que anda fazendo sucesso por aí).

Diante da existência de fatos repetidos e omitidos quando interessa a conveniência torna a imprensa em simplesmente conivente.

Os tempos que vivemos não são os de Cícero. Os vícios sim, que se apresentam maquiados para assegurar a mãe de todos eles, a corrupção. E muitos piorados, quando o Estado se faz imperador. Os tempos de Cícero não foram esquecidos. Aqui os aperfeiçoaram no que à época havia de mais desastrado.

Os tempos que vivemos não são os de Cícero. E não o são por serem estes tempos apenas modernos. Longe dos de Cícero, porque são tempos de esquecimento conivente ou conveniente.

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Neste link o vídeo registrando uma ação policial em Itabira-MG contra uma perigosa meliante acompanhada de um filho pequeno e outro de braço.

Se causar náusea, que nos perdoe o leitor. A cena é um retrato assemelhado do que é o Estado/Poder no Brasil. Os agentes do Estado brasileiro estão ‘educados’ para agredir mais os que os assistem do que a quem o fazem.

Por fim, não será surpresa surgir em Minas Gerais um titular do Ministério Público para denunciá-la por desacato à autoridade, o “pescoço” como a arma do crime e as crianças (inclusive a de colo) como co-autores. Seguindo o magistério daquela promotora paulista (aqui).

domingo, 31 de outubro de 2021

Outubros

 

Insistimos no tema como alerta. Porque é imperioso superar a tragédia iminente. E à luz da história recente somente a ocupação do poder permitirá uma retomada dos propósitos sadios para com a nação e seu povo.

No entanto, muito mais que superá-la é construir de forma sólida a retomada das políticas públicas que nos façam, como sociedade, enfrentar com ações concretas e efetivas a causa de tudo. Carecemos de identificar de imediato o verdadeiro adversário, razão de tudo que nos acomete, para que não caminhemos céleres para viver uma vitória de Pirro.

Não podemos apenas concentrar a esperança através de um projeto que desvia a atenção da causa. Impõe-se reconhecê-la de logo. Para que o saiba a maioria do povo e se integre ao projeto como agente ativo, para que compreenda e não apenas aventure. E fazê-lo sob a égide da radicalidade se preciso. Não do enfrentamento físico, mas do chamamento a compreender a realidade que tudo ‘causa’.

“Fora” atinge um indivíduo (no caso concreto, pau mandado dos interesses espúrios em relação ao país); não vemos empenho e consciência em torno do ‘fora a causa de tudo’.

“A causa de tudo” estampa através do fantoche o descaso que levou o Brasil à insignificância no concerto das nações. Enquanto entrega o que resta do patrimônio público aprofunda a fome e a miséria, eleva aos píncaros (para garantia de lucros) o preço de combustíveis e do gás de cozinha; cria um ‘teto de gastos’ para que mais assegurada esteja a remuneração do capital especulativo que sustenta a poupança nacional, ápice da teoria da dependência.

E a passividade se torna lugar comum. Porque “fora” se concentra naquele fantoche e dilui/desvia a energia que deveria ser destinada à “causa”.

A dura realidade da fome volta a se materializar depois de um período em que políticas efetivas de distribuição de renda e geração de empregos fizeram o país ser reconhecido como fora do triste mapa. No imediato deste genocídio invisibilizado (pela morte lenta de quem a vivencia e pela omissão em reconhecê-la a grande imprensa) um programa de sucesso absoluto e reconhecido internacionalmente como exemplo acaba de ser levado ao túmulo.

As informações dão conta de que cerca de 22 milhões deixarão de participar do novo sistema trazido pelo governo.

Finou-se o Bolsa Família em plenitude e o novo programa não absorve os que por ele eram assistidos com o mínimo possível. Anuncia-se um outro com valor que não alcança o Bolsa Família corrigido pela inflação que nos assola e que existirá tão somente até o final de 2022. Ou seja, mata-se o jovem Bolsa Família antes dos vinte anos, que tornava a vida mais segura, e arrebanha-se parte dos sobreviventes até o final da eleição presidencial. Depois disso, nem Bolsa Família afirme-se que haverá.

A cada doze meses um outubro, a cada século cem; a cada milênio, mil. Teimoso como calendário.

A sub-raça do Nordeste de antanho antevista por Josué de Castro (1908-1974) vivenciando ali a geopolítica e a geografia da fome, poemada por João Cabral de Melo Neto (1920-1999) na compreensão de “um pouco por dia”, tende a ocupar o território brasileiro em dimensão apocalíptica.

O retardamento mental oriundo da ausência proteica parecia página virada. Não mais é.

Ainda que não mais seja a desnutrição o instrumento da apatia, mas a alienação pela informação, vivemos um singular outubro em 2021 prenunciando o de 2022. Hoje, as pesquisas o afirmam, um candidato estaria vitorioso – em primeiro ou segundo turno.

Neste outubro ‘véspera de Finados’ há esperança no outubro ‘véspera de Natal’.

Que o compreendam os desassistidos e o percebam quão distintos podem ser os outubros. E como podemos refazer a leitura de Duke.