domingo, 8 de abril de 2018

Semana em três estágios

Aviso sinistro
O que vimos no início e curso desta semana que passa, deixa sequelas profundas nas instituições que conformam um Estado de Direito. Por suas contradições e conflitos no plano do domínio do como devem funcionar tais instituições, enchem o ar as nuvens plúmbeas.

A fala de um general não deixa de levantar dúvidas: se faz ou não o papel de inocente útil ou vaidade ou desconhecimento dos limites de suas funções. Ficamos com o primeiro caso, mas na certeza de que consciente do que faz. 

De sua fala, de que “O Exército brasileiro compartilha com todos os cidadãos de bem o repúdio à impunidade...” certamente não se referia aos crimes contra a Humanidade cometidos por muitos de seus agentes, durante a ditadura pelos pares comandada, para os quais foi adredemente elaborada uma anistia que os protege até hoje.

Da matriz político-ideológica transnacional, na pessoa de seus agentes especiais incrustados no judiciário e ministério público, a iniciativa de desmonte do estado nacional e de sua capacidade de autodeterminação caminha a passos céleres.

Falando do inocente útil, a sua história (a do inocente útil) está afinada com qualquer estágio de interesses (políticos, geopolíticos, estratégicos etc.) e somente existe enquanto apresenta utilidade. 

Que o digam Bin Laden, Saddan Hussein, Muamar Kadaffi no plano internacional recente; Heloísa Helena, em 2006, Marina Silva, em 2010 e 2014. Destas, a última ainda tem utilidade, especialmente por sua conversão ao mercado; da primeira, nem rodapé de anúncio de utilidades domésticas.

Assim também os da atualidade. Lamentavelmente, quando não mais restar ao Brasil.


Resta uma ideia quando os sinos dobram
Não cultivamos o que imaginávamos um dever: obedecer a Constituição. Fora dela – como referência à lei, dito atribuído a Rui Barbosa – não há salvação. E não se culpe o povo, mas algumas de suas instituições. Em especial aquela a quem cabe a guarda da Carta Magna.

O STF – personalizado em algumas peças inteiramente assustadas/assombradas com o que possa a Globo achar/julgar – aprofunda o desregramento. Fica isolado em meio aos que interpretam a lei, porque optou por afagos individuais e a promover a decisão político-partidária em vez da judicial.

Não se trata da questão Lula em si, e sim da vigência plena da Constituição. No instante em que a Presidente Cármen Lúcia negou-se a pôr em pauta a análise de mérito de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (cuja decisão repercutiria em todos os casos), interpostas no imediato da decisão de 2016 (que violou disposição pétrea da Carta), não passa o STF de um arauto do descalabro, que acaba de dar um aviso sinistro: o de que o abismo é logo ali, a um passo infantil.

Em razão disso, passamos a ocupar o patamar de subnação, não mais aquele país que sentava em meio aos maiores dirigentes mundiais como um deles. Em definitivo restará qualquer saída. Inclusive a militar. Não há com que se preocupar o cidadão com esta ‘casa de mãe joana’. Da intervenção congressual, da judiciante (incluindo da imprensa) a qualquer outra o STF está aí para legitimar, como tem feito nestes tempos bizarros.

Caminhamos céleres pelos caminhos do desregramento. Não aquele pela anomia, pela inexistência de regras; mas, por tê-las e não cumpri-las. Deu-se ao estado destituído de regras a denominação de anarquista. Nem a isso chegamos, porque nos faltam teóricos! Caso fora para o caos certamente os teríamos de sobra. 

Tratando-se particularmente do STF há um culpado, inocente que seja. Analisando o registrar dos votos contrários ao habeas corpus cinco decorreram das indicações de Lula (2) e Dilma (5). Dos favoráveis, indicações de Sarney (1), Collor (1), FHC (1) e Lula (2). Com um singular detalhe: as escolhas de Dilma o foram sacramentadas por José Eduardo Cardozo, a pior escolha que um presidente da República poderia fazer para o Ministério da Justiça.

O Estado brasileiro vive instante de profundo cinismo. O STF – como um todo (ressalve-se uns poucos) – integra essa realidade. Para ela – a história registrará – o PT tem sua parcela de culpa. Por nomear tantas figuras inexpressivas.

O que ora se consuma coroa o que registrou Rogério Dultra, Doutor em Ciência Política e professor de Direito da Universidade Federal Fluminense, em entrevista ao GGN:

O PT "não soube dominar as instituições repressivas no Brasil no sentido positivo, republicano, de fazê-las funcionar de acordo com a Constituição. Outras forças – que dizem respeito não só a questões políticas e econômicas, mas também ideológicas – passaram a ditar o que o sistema repressivo deveria fazer. E daí foi escolhida a necessidade de repressão às esquerdas".

Por não dimensionar e compreender hoje paga a conta. E a maior vítima é o povo.

Dobram os sinos chamando para o sepultamento da soberania e autonomia de um país que quase chegou a permanecer grande.

Apenas resta a esperança. De que uma ideia não pereça.

Lula, a ideia
Para o jornal francês Le Monde “Lula não é Lula, Lula é uma ideia. E uma ideia não vai para a prisão”.

Em pronunciamento neste sábado o ex-presidente já afirmara ser uma ‘ideia’ a multiplicar-se naqueles que nele viam personalizada a injustiça.

Talvez a prisão de Lula – mais que ela, a impossibilidade político-eleitoral de concorrer em 2018 – traga a pacificação para a esquerda.

Lá fora reúnem-se vozes, às centenas, pedindo liberdade para Lula. Denunciando os abusos e violações por que passa o líder mundial sob o cutelo de parcela do Judiciário, atuando em dimensão político-ideológica. Nenhum aplauso para acusadores e sentenciadores.

Muitos em êxtase; milhares atônitos. Para os que veem nos fatos últimos o coroamento da disputa entre o Bem e o Mal a prisão em si é a realização da justiça, porque formalidades e materialidades processuais não importam. 

Para os que se veem no pântano da incompreensão – porque não há provas nos autos de condenação – a dúvida recai sobre as próprias instituições por sua natureza e função.

Certo que o país abre as portas da interpretação judicante para teorias esdrúxulas, alheias ao ordenamento prático. E, mais que isso, aplicadas em inteira dissonância com a própria realidade – ao sabor da conveniência – como ocorreu com o denominado ‘mensalão petista” (porque o mineiro, mais antigo e pai de todos, corre em águas plácidas para as prescrições).

Naquele (mensalão, caixa 2, no fundo) uma ‘teoria do domínio do fato’ para aplicar-se diante da ausência de provas em relação a muitos (inesquecível a Rosa Weber em sua Macondo, afirmando no voto em que Dirceu sucumbia, que não tinha provas contra ele mas a literatura jurídica a autorizava a condená-lo); neste, a ‘teoria da abdução das provas’, dos indícios à falta de provas.

Assim, a supervalorização das provas indiciárias (dentre elas uma matéria jornalística sem comprovação): ou seja, o conjunto das provas indiciárias, à míngua de provas cabais que não foram encontradas, bastou para condenar Lula. Não fora a singular figura do ‘ato de ofício indeterminado’.

O jurista Lênio Streck já denunciou, em artigo publicado no GGN, as loucuras hermenêuticas do Ministério Público, tipo aquela em que se amparou Moro para condenar Lula.

No fim, fica-nos o raciocínio se a condenação de Lula não se deu por não ser amigo do rei.

Duro será quando o vigia da esquina achar que você não é amigo do rei. E pior, interpretar que o rei é ele.

Post scriptum
A razão por que tudo ora acontece – ainda que em muito revelada/relatada neste espaço – impõe a disponibilização da análise em artigo do ex-senador Saturnino Braga, "Meu querido Brasil", reproduzido no Conversa Afiada.

Há muito, mas muito mais por dizer – sabe-o o povo que foi beneficiado com políticas públicas "como nunca antes"...

Não fora a singular circunstância na história brasileira: dois líderes, oriundos de classes dominantes regionais sulistas (Getúlio Vargas e João Goulart) passaram à História pelo suicídio e o golpe militar quando apreciaram mudanças na conformação social para beneficiar o segregados da senzala. O que dizer de quem nascido na senzala... nordestina? 


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