domingo, 27 de maio de 2018

Semana de confissões


Em que pese tudo poder gerar contos, crônicas, novelas, romances (policiais, inclusive), ensaios, tragédias – até mesmo poesia – ora não tratamos de confissões literárias. 

Das clássicas e famosas de Santo Agostinho tampouco. Porque aqui não se aprofunda em filosofia, teologia ou mesmo psicologia, como vista por estudiosos modernos a obra do Bispo de Hipona, do final do séc. IV da Era Cristã.

Mas aqui estão as confissões, daquelas contidas nas entrelinhas dos fatos, do cotidiano que nos atormenta. Desde que em torno dos meios de como levar às gentes a tragédia movida por ambições e interesses individuais.

Diferentemente das preocupações agostinianas nesta terra brasilis não o há com a salvação humana. Porque nada a esperar onde não há conversão, tampouco odisseia da alma. A não ser que esta seja compreendida com o ascender ao deus mercado.

De certo que essa gente não tem consciência de si, longe está de qualquer posição existencial real, atrelada tão só ao mundo objetivo do pirão primeiro.

Confissão I
O caos em que lançado o país deveria – caso tivéssemos jornalismo de análise e não político em defesa do sistema – levar a uma elementar conclusão. Começando em razão da precificação dos combustíveis, a Petrobras, definitivamente – à luz (ou trevas) do atual comando – está a serviço do investidor privado. Ou seja, uma empresa estratégica se encontra gerida como empresa privada. 

A análise de Paulo César Ribeiro Lima, ex-engenheiro da Petrobras e Consultor Legislativo do Senado e da Câmara dos deputados (veiculada no Conversa Afiada) exaure o tema e mostra a criminosa postura da atual política posta pela Petrobras, contrária aos interesses do país e de seu povo.

A tão questionada CIDE foi criada para estabelecer equilíbrio nas contas da empresa. No entanto, foi apropriada para engrossar o superávit primário (aquele que garante a remuneração da banca da especulação financeira) e fugiu de sua função. Que era remunerar a Petrobras quando os preços estivessem lá embaixo e reduzida, até zerada, quando a estatal dela não precisasse.

Não bastasse, a ‘nova’ política de preços fez reduzir a produção interna para atender às demandas de importação. Pasme o leitor: a Petrobras está importando diesel mais caro, entre 3 a 8 vezes, do que o produzido nas refinarias brasileiras (segundo o senador Roberto Requião, em entrevista ao Jornal do Brasil).

Assim, saímos da importação de 37% para 80% do diesel. As petroleiras estrangeiras gargalham de satisfação, em típico estado orgástico. Sabem que se o petróleo extraído pela Petrobras fosse refinado nas refinarias brasileiras o custo do diesel seria mais barato. Ganham comprando nosso petróleo cru e revendendo-o com o valor agregado do refino (que deixou de ser brasileiro).

Tratando-se de empresa estratégica, deveria estar a serviço dos interesses do país e não do mercado. Compra ações de qualquer estatal quem quer, pela segurança do investimento, nunca pela certeza de dividendos polpudos. Não são os rentistas os beneficiários, mas a sociedade como um todo – esta a filosofia de uma política de Estado que, se posta em prática, não levaria ao trágico que ora vivenciamos. E sem saída enquanto permanecer.

A Petrobras não tem prejuízo. Apenas estão promovendo o desmonte do refino interno para que voltemos ao estágio de mero exportador de óleo bruto e importador do refinado (em diesel, gasolina).

Atrelar o petróleo e seus derivados aos interesses da banca especulativa é negar ao povo o direito a beneficiar-se das riquezas que seu país produz. Como imaginar justos aumentos de 50% para a gasolina e o diesel e 60% para o gás de cozinha e veicular a partir de 2016, quando assumiu o interino tornado presidente?

Em 2013, segundo dados da FUP (veiculados no Conversa Afiada), a Petrobras atendia a 90% do consumo interno, refinando em suas próprias instalações. Isso já caiu para 76% e a de Landulfo Alves já opera com 50% de sua capacidade. Uma redução programada, para poder vender o parque de refino ao capital estrangeiro.

A questão dos preços de derivados no Brasil não é tributária, e sim operacional. Programada para arrebentar nas costas e do povo.

Na ausência do PT no governo a grande imprensa não tem a quem acusar. Fica a confissão do que programaram. E para quem beneficiar.

Confissão II
A defesa do ex-presidente Lula levantou a suspeição do juiz Sérgio Moro, fundada no fato de andar ao lado de tucanos, como o provam fotos em eventos vários. O juiz, ao utilizar, como argumento para negar o pedido, o fato de Lula haver posado com Aécio e quejandos, para escusar-se de suspeito, deixou – para o bom entendedor – uma confissão explícita: sua foto com tucano tem conteúdo político.

Por simples silogismo, se Moro se iguala a Lula em fotos e Lula é político, lógico que Moro também o é.

Isso porque as fotos de Lula com Aécio e quejandos citados por Moro são fotos de um agente político, o que não deveria ser o caso de Moro, que tem por função não a política, mas a judicância, em que pese chamado de agente judicial a favor dos Estados Unidos pela turma da Universidade Estadual de Maringá-PA. O que não deixa de ser uma atuação política, ainda que de lesa-pátria.

Mas – no fundo – vai confessando seu compromisso com os que o saúdam, porque a eles serve.

Confissão III
O caos interessa ao sistema vigente. Quanto mais reacionário o governo, quanto mais autoritário venha a sê-lo, melhor para essa gente. Eleições são um inconveniente.

As Forças Armadas estão sendo chamadas devagarinho para ocupar o poder. Começando pelas ruas, onde hoje patrulham...

O endurecimento encontra justificativa no caos. Eles criaram o caos e dele se beneficiarão.

Muito cômodo – ou nos fazer de idiotas – transferir a incompetência e o resultado da criminosa política de preços praticada pela Petrobras de Parente para a sociedade. 

Apelar para a força militar é conclamar para um golpe dentro do golpe (o AI-5 de 2016) onde mercado e camarilha se mantenham em evidência, ainda que sacrificados alguns que não escapam da condição de bodes expiatórios.

Mas, como já o disse Millôr Fernandes, “O Brasil é o único país em que os ratos conseguem botar a culpa no queijo”.

Confissão: culpando o queijo os ratos podem garantir – pessimismo que atormenta este escriba – que não tenha andamento o processo eleitoral e eleições sejam lançadas às calendas.

Confissão IV
A análise do ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, no DCM, desnuda a propaganda a que se propôs o governo na tentativa de arranjar um bode expiatório para sua incompetência e má fé para com os destinos do país. No jogo do movimento paredista – onde há interesses empresariais levando vantagem, o que não é novidade – uma realidade cruel se destaca, como observa Aragão: a proletarização dos fretistas autônomos, rebotalho da atividade, controlados e explorados pelos empresários do setor.

Certamente é esta parcela a que não aceitou o acordo de 15 dias de alguns ‘representantes’ com o governo, onde somente a desoneração da folha interessa como gerador de mais-valia para o empresário.

Não há ideologia; há miséria e endividamento em jogo, no curso de um desastre econômico programado para aprofundar a entrega da Petrobras e que chegou a uma das pontas da precarização do sistema: o transportador (descapitalizado/endividado) que não tem como suportar uma política de preços criminosa.

Observamos – atente o leitor – para um fato significativo: ainda que ameaçados por forças policiais do Estado, atendendo ao determinado pela Justiça, a turma evidentemente autônoma descobriu uma saída que desmoraliza a ação governamental e ninguém nada pode fazer contra ela, que é simplesmente não rodar. Ou seja, manda tirar o veículo da pista e eu tiro para o acostamento; manda tirar do acostamento, eu tiro e estaciono em qualquer lugar. Simplesmente não rodo. O governo fará o quê? Nada.

Se essa gente caminhoneira tivesse consciência do que poderia fazer estaria exigindo a saída de Parente, a retomada do refino pelas refinarias da Petrobras, a retirada de representantes de petroleiras estrangeiras do Conselho Deliberativo da Petrobras (raposa cuidando galinheiro) etc. etc. 

E – o mais importante – exigiria que o Congresso aprovasse, em regime de urgência urgentíssima, a toque de caixa, uma nova rota para a política de preços para os combustíveis, como um todo (gás de cozinha, gás veicular, gasolina, diesel etc.) porque a política atual não prejudica somente quem roda de caminhão.

Como não fazem isso, nada velada a confissão de que a paralisação não tem conotação política. Tanto que não reflete a compreensão de que o real dono da Petrobras é o povo, como salienta em editorial o Jornal do Brasil. A não ser que miséria seja o nome de um novo partido político.

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