domingo, 10 de abril de 2022

O futebol aperfeiçoando o retrato do Brasil

 

Nos idos de 1928 Paulo Prado publica “Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira”. Dentre os problemas apontados (alguns abordados sob ótica empírica criticável), os vícios da cobiça e da imitação, temas que se tornarão até recorrentes à época. No amalgamar de um movimento intelectual discutir o país impunha-se. Muitos o fizeram. Não cabe aqui outros detalhes, apenas remeter o leitor à literatura da época, pelo menos até “O Banquete”, de Mário de Andrade, passando por “O Brasil na América” e “O Brasil Nação”, de Manuel Bonfim, um mestre pioneiro no registro de elementos históricos para compreender o atraso brasileiro. Sobre este sergipano, capítulo singular na análise desta terra brasilis (pouco estudado), também descubra o leitor “O Rebelde Esquecido”, de Ronaldo Conde Aguiar.

Discutia-se a visão colonialista, a subserviência ao de fora. Ensaiava-se a ruptura.

Politicamente o primeiro passo ocorreria em 1930, quando outros caminhos abertos para a adoção pátria ao reconhecimento de si mesma, pretensão à industrialização, às reformas sociais, inserção no concerto das nações etc.

Um século passado e nos vemos ainda que experimentando avanços e percalços, sonhos e pesadelos  incapazes de nos compreender como país/nação.

Em que pese os ufanismos não alcançamos um estágio civilizatório que justifique o nome. Avançamos em modernidades, nos inserimos no progresso científico em muitas vertentes. Nos deixamos, no entanto, apropriar pelos vícios da imitação e da cobiça apontados por Paulo Prado no que há de pior e mais desastroso. E nada avançamos em relação ao comportamento da elite, chamada por Jessé Souza de agente “do atraso”.

A subserviência colonialista, em ciclos, ocupa mais e mais o torrão pátrio, exaure suas riquezas, concentra em favor das classes dominantes (locais e alienígenas) o trabalho nosso de cada dia, transferindo o suor e o sangue para as fontes em suas formas diversas do neoliberalismo financeiro.

Submetido ao tacão teórico do sistema dominante há quem veja nos postulados da Ciência Econômica, em sua vertente isolada  a Economia  como aquela voltada para administrar a escassez. Bem melhor seria que administrasse a distribuição da riqueza para não tornar nossa gente em personagem mendicante enquanto a concentração daquela avulta nas mãos de um punhado da insignificância aritmética da população.

E vão se apropriando de tudo.

E como se tudo que se nos acomete não bastasse estamos assistindo àquilo inimaginável: o futebol ocupado. Apropriado pelo capital financeiro e por típicas milícias travestidas de ‘torcidas organizadas’.

Alguns brutamontes  “chefes” das ditas cujas  dizendo-se insatisfeitos com resultados obtidos em campo por seus clubes passam a ameaçar jogadores, técnicos e até mesmo parentes. A palavra “terror” passa a ser utilizada como lema. Agressões em diferentes formas (de atentados a ameaças) vão ocupando os noticiários.

Em meio ao que nos parece absurdo há quem as aceite e delas se beneficie, inclusive politicamente (em nível interno-clubístico ou eleitoral).

O futebol, que nasceu da elite, abriu-se (mesmo a contragosto) às camadas menos, ou nada, abastadas da sociedade. Histórico o instante de uma ruptura ocorrida no Vasco da Gama, nos anos 20 do Século passado, quando aceitou em plenitude negros em sua equipe. Um escândalo. Escândalo que fez o futebol brasileiro se tornar referência no mundo, em especial a partir de 1958, onde se destacou um dos negros daquela equipe, chamado Pelé (em que pese, por muito que diz, faz e declara, mais próximo do pensamento de Paulo Prado).

Mas, descobre-se, de um instante para outro, que a ‘organização’ que passa a comandar o futebol mais voltada está não para o aperfeiçoamento das disputas e alegrias nos estádios, através de sadia competição, mas para expressar o quão primitivo ainda há em nós. Uma cara conhecida; de um velho retrato na parede.

E assim, vivencia disputas menos esportivas e mais mercantis e de poder. Inclusive, como natural ao presente instante histórico, com a idiotice e a estupidez ocupando espaços antes não imaginados.

Certo que, dos confins desta província vamos descobrindo que o futebol vai contribuindo para aperfeiçoar o retrato do Brasil, visto sob prismas levantados por Paulo Prado (cobiça e ganância) e Manuel Bonfim (atraso). Mais um ingrediente no cadinho da tristeza só nossa.

Há quem alcance estesia eufórica e proclame salivando: estamos crescendo.

Coisa assim, na ironia de Tormeza: como rabo de cavalo (para baixo). 

 

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