Nos idos de 1928 Paulo Prado publica
“Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira”. Dentre os problemas
apontados (alguns abordados sob ótica empírica criticável), os vícios da cobiça
e da imitação, temas que se tornarão até recorrentes à época. No amalgamar de
um movimento intelectual discutir o país impunha-se. Muitos o fizeram. Não cabe
aqui outros detalhes, apenas remeter o leitor à literatura da época, pelo menos
até “O Banquete”, de Mário de Andrade, passando por “O Brasil na América” e “O
Brasil Nação”, de Manuel Bonfim, um mestre pioneiro no registro de elementos
históricos para compreender o atraso brasileiro. Sobre este sergipano, capítulo
singular na análise desta terra brasilis
(pouco estudado), também descubra o leitor “O Rebelde Esquecido”, de Ronaldo Conde
Aguiar.
Discutia-se a visão colonialista, a
subserviência ao de fora. Ensaiava-se a ruptura.
Politicamente o primeiro passo ocorreria
em 1930, quando outros caminhos abertos para a adoção pátria ao reconhecimento
de si mesma, pretensão à industrialização, às reformas sociais, inserção no
concerto das nações etc.
Um século passado e nos vemos – ainda
que experimentando avanços e percalços, sonhos e pesadelos – incapazes de nos
compreender como país/nação.
Em que pese os ufanismos não
alcançamos um estágio civilizatório que justifique o nome. Avançamos em
modernidades, nos inserimos no progresso científico em muitas vertentes. Nos
deixamos, no entanto, apropriar pelos vícios da imitação e da cobiça apontados
por Paulo Prado no que há de pior e mais desastroso. E nada avançamos em relação
ao comportamento da elite, chamada por Jessé Souza de agente “do atraso”.
A subserviência colonialista, em
ciclos, ocupa mais e mais o torrão pátrio, exaure suas riquezas, concentra em
favor das classes dominantes (locais e alienígenas) o trabalho nosso de cada
dia, transferindo o suor e o sangue para as fontes em suas formas diversas do
neoliberalismo financeiro.
Submetido ao tacão teórico do sistema
dominante há quem veja nos postulados da Ciência Econômica, em sua vertente isolada – a Economia – como aquela voltada para administrar a escassez. Bem melhor
seria que administrasse a distribuição da riqueza para não tornar nossa gente
em personagem mendicante enquanto a concentração daquela avulta nas mãos de um
punhado da insignificância aritmética da população.
E vão se apropriando de tudo.
E como se tudo que se nos acomete não
bastasse estamos assistindo àquilo inimaginável: o futebol ocupado. Apropriado
pelo capital financeiro e por típicas milícias travestidas de ‘torcidas
organizadas’.
Alguns brutamontes – “chefes” das ditas
cujas – dizendo-se insatisfeitos com resultados obtidos em campo por seus
clubes passam a ameaçar jogadores, técnicos e até mesmo parentes. A palavra
“terror” passa a ser utilizada como lema. Agressões em diferentes formas (de
atentados a ameaças) vão ocupando os noticiários.
Em meio ao que nos parece absurdo há
quem as aceite e delas se beneficie, inclusive politicamente (em nível interno-clubístico
ou eleitoral).
O futebol, que nasceu da elite, abriu-se
(mesmo a contragosto) às camadas menos, ou nada, abastadas da sociedade.
Histórico o instante de uma ruptura ocorrida no Vasco da Gama, nos anos 20 do
Século passado, quando aceitou em plenitude negros em sua equipe. Um escândalo.
Escândalo que fez o futebol brasileiro se tornar referência no mundo, em
especial a partir de 1958, onde se destacou um dos negros daquela equipe,
chamado Pelé (em que pese, por muito que diz, faz e declara, mais próximo do
pensamento de Paulo Prado).
Mas, descobre-se, de um instante para
outro, que a ‘organização’ que passa a comandar o futebol mais voltada está não
para o aperfeiçoamento das disputas e alegrias nos estádios, através de sadia
competição, mas para expressar o quão primitivo ainda há em nós. Uma cara
conhecida; de um velho retrato na parede.
E assim, vivencia disputas menos
esportivas e mais mercantis e de poder. Inclusive, como natural ao presente
instante histórico, com a idiotice e a estupidez ocupando espaços antes não
imaginados.
Certo que, dos confins desta província
vamos descobrindo que o futebol vai contribuindo para aperfeiçoar o retrato do
Brasil, visto sob prismas levantados por Paulo Prado (cobiça e ganância) e Manuel
Bonfim (atraso). Mais um ingrediente no cadinho da tristeza só nossa.
Há quem alcance estesia eufórica e
proclame salivando: estamos crescendo.
Coisa assim, na ironia de vó Tormeza: como rabo de cavalo (para baixo).
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