Nos idos da infância provinciana o 1º
de abril era dia de aproveitar da boa vontade de servir de muitos (geralmente
os pobres e carentes, os servis) para deles um grupo se utilizar pedindo favores
e fazê-los transmitir recados escritos. No destino, aberto o recado, a mensagem
de que enviasse o ‘idiota’ mais adiante porque era 1º de abril. E assim, o
indigitado corria rua por rua, de um extremo a outro da cidade, até que alguém,
penalizado, lhe dissesse que aquilo não passava de brincadeira. Então,
humilhado, lá ia o estafeta curtir a humilhação em algum lugar onde ninguém o
visse.
Sim, caro leitor, a mentira tinha seu
dia: 1º de abril. Um dia por ano.
Não a imaginemos como fenômeno
recente. Mentira sempre existiu. Mentir faz parte da natureza humana. Uns
mentem por vício; outros, por doença. Sobre a mentira Aristóteles (384 a.C.-322
a.C.) filosofou classificando-a sob duas espécies: a jactância (exagerar a
verdade) e a ironia (diminuí-la). Lá, no Dicionário de Filosofia, de Nicola
Abbagnano, Martins Fontes, 2007 (p. 764), também a referência da mentira dentro
dos modernos antinomínia e paradoxos para traduzir ‘mentiroso’ (o que
é): “afirmação de que se está mentindo; assim, quando se diz a verdade,
mente-se, e quando se mente diz-se a verdade”. Não só o caro e paciente leitor
entenderá a conclusão impossível. Também inúmeros deles, os filósofos.
Mas, em nosso meio e contemporaneidade
a ‘conclusão’ vai se tornando válida e verossímel.
Mas a mentira não ocupava tanto espaço
como hoje. Tinha apenas o seu dia: 1º de abril. Um dia por ano. Não um dia
qualquer. Hoje são todos os dias do ano. E vemo-la universal. Um dia que se impôs
e se fez referência.
Descobre-se que o Catar tornou-se
referência futebolística, tanto que sediará uma Copa do Mundo.
Comemora-se golpe contra governantes
democraticamente eleitos como se revolução o fora e implantação de uma ditadura
como avanço democrático.
Em homenagem ao dia a verdade que nele
se encerra, sob égide da contradição filosófica: este é o país que sonhei!
Mas, insistem para que aprendamos a ver como mentira:
Que militares pagaram por seus crimes
contra a humanidade na Argentina, no Chile e no Uruguai.
Que as centenas de crianças raptadas/retiradas
dos assassinados pela ditadura argentina são uma criação das Avós da Praça de
Mayo.
Que as mortes de Anísio Teixeira,
Rubens Paiva, Stuart Angel dentre centenas são mentira.
Que a morte de políticos (inclusive brasileiros) sob a égide da Operação Condor não passam de invenção de derrotados.
Que o expurgo de Paulo Freire, Miguel Arraes, Celso Furtado e tantos outros não passou de uma viagem de férias.
Que as revelações de “Batismo de Sangue”,
de Frei Beto, são apenas ficção.
Que mentem as mulheres que se disseram
torturadas e estupradas nos porões da ditadura, inclusive aquelas que acusam os
torturadores de ameaçar congelar seus bebês diante delas.
À luz de tanta verdade travestida de
mentira, ou vice-versa, podemos afirmar que não é verdade que a meca de alguns
pastores evangélicos não é o “ouro” do MEC.
Também não se definiu, se verdade ou
mentira, que o inquilino do Alvorada e a valorosa turma fardada do ‘meu pirão’
não pretendem dar um golpe e que não mais teremos eleições em 2022 e um novo
“Estado Novo” surgirá.
Não se lhes cobre (daqueles maus
militares brasileiros) do que não estão sujeitos: cumprir as regras do Estado de
Direito e respeitar as instituições democráticas. Em outros países (de governantes
e populações rudes, ignorantes, analfabetos) cumpriram pena por seus crimes.
Mas, não passavam de paisecos tipo Argentina, Uruguai e Chile.
Por aqui, se cometeram algum crime
contra a Humanidade, foram absolvidos pelo STF (que eles querem fechar) que
entendeu os crimes de tortura, ocultação de cadáveres ou torna-los cinza em
crematórios clandestinos como típicos ‘crimes conexos’ alcançados pela anistia,
ampla, geral e irrestrita.
Não, caro e paciente leitor, aquele
primeiro dia de abril não somente é dia de golpe. Não é dia qualquer. É dia a
dia de todos nós, furibundos viventes desta singular terra brasilis sem a quem apelar, acreditando que tudo dará certo,
que o futuro nos pertence.
Afinal, a terra que conclui não ser
impossível o que a Filosofia o diz.
Que acredita na verdade de que vivemos
num país de instituições sólidas, com a democracia consolidada, com justiça
social e distribuição de renda, com parcela de militares que não se imiscui na
Ciência, na Pesquisa, respeita a Constituição e que não se reúne em suas sedes
para discutir a possibilidade de golpe e implantação de uma nova ditadura
militar para avançarmos na revolução democrática que só eles enxergam.
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