domingo, 24 de dezembro de 2023

Pedidos em aberto

 

Ensinaram-nos a pedir bens materiais como reconhecimento ao nascimento de um ser especialíssimo, que dataram – conforme o atual calendário – como vindo a este planeta de todos nós no dia 25 de dezembro. 

Teria nascido em uma estrebaria e agraciado com a surpresa de pastores, ovelhas, vacas e jumentos. Iluminado por uma Estrela Guia.

Antes do contemporâneo ensinamento durante séculos alimentou a esperança de milhões por um mundo melhor. Lembrado através da reprodução do cenário simples em que nasceu que lhe deram por nome presépio, trazido por São Francisco de Assis em 1223. 

A instalação de um deles em qualquer espaço remetia de imediato à lembrança de um Salvador para a Humanidade para quem viesse a seguir suas mensagens, todas pautadas, antes de tudo, no Amor.

Eis-nos que neste 2023 - passados oito séculos da lembrança franciscana não vemos como – humanista e humanitariamente – comemorar. 

Quase no limiar da noite sagrada somente uma família – em meio a um punhado de crianças dentre outras mais de cinco mil que já sucumbiram – perdeu 76 de seus membros bombardeados por viverem próximo aonde nasceu o Salvador e o local estar no centro de ambições que contrariam a mensagem deixada por Aquele.

E corremos por ruas e praças em busca de uma manjedoura. 

Porque “A poesia, como os poetas, não morre” (Jean Cocteau) restaram-nos versos de pedidos em aberto:

            Ubuntu 

 

“Eu sou porque nós somos” – Ubuntu

diz a sabedoria Xhosa, ensinando

a todos o valor e a importância

da solidariedade como razão

 

Não há maior lição que isso

compreender e praticar no dia a dia

a singularidade universal de que

nada somos, como ser, sem o outro

 

Esquecida lição, nem mesmo aprendida

por tantos, os muitos que se apropriam

da razão que nos faria aperfeiçoados

destinados a alegrar o Deus da Criação

 

Afinal, “Como um de nós pode ser feliz

se todos os outros estiverem tristes?”

                                                  o-o-o

                

  Século XXI

 

No presépio de então

a infância tenra

o armava conforme a tradição

Avenidas e ruas de papelão

da fonte correndo água

lantejoulas cintilando

no céu de papel

Nele a manjedoura refletia

da penúria exibida

o sorriso da Redenção

Os magos reis

caminhando

 um pouco a cada dia

Tudo no mais ali

somente completava

a mais pura devoção

 

Não mais o presépio de então

nada lembra a tenra infância

armando sadia tradição

 

Na manjedoura não há a santa penúria

tão somente exibição em fúria

de hodierna ostentação


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