domingo, 10 de março de 2024

Fragrâncias

 

O Chanel Nº 5 certamente é das mais icônicas fragrâncias contemporâneas, tida mesmo como atemporal. Tem origem em um óleo essencial extraído da madeira do pau-rosa, originário da Amazônia. Faz fama desde sua criação, atribuída a Gabrielle Bonheur Chanel (1883-1971), em 1921, para a Coco Chanel.

A não menos famosa Rainha de Sabá alcançou notoriedade em seu tempo – o que a imortalizou – por sua capacidade de manusear perfumes – ‘imperatriz do aroma’, disse-o o poeta Sosígenes Costa – e o conjunto de odores por ela destilados – da mirra ao sândalo, da lavanda ao patchouli, do nardo ao cedro, do incenso ao bálsamo, da murta ao ládano, da canela ao gálbano – soube-o dominar. Por tudo dela originado envolvendo essências poetas a definem metaforicamente como lágrima sabeia, nome dado ao incenso em sua homenagem.

Mas, no curso dos tempos, e da facilidade de acesso, a apropriação das essências não mais somente se fundou em si mesma, mas na marca a ela atribuída. A ‘personalização da essência’ de certa forma despreza a origem e favorece o rótulo. A mesma essência será, assim, reconhecida por nomes diversos.

Sob tal diapasão nomes famosos ‘vendem-se’ ao mercado de perfumarias e induzem o consumidor à aquisição para “ser” ou “parecer” com quem lhe dá o nome.

Não enveredemos aqui por compreender o “fetiche” da mercadoria perfume como em torno desta filosofou Karl Marx, mas certamente seria um singular exemplo para sua interpretação...

Mas, por que todo esse arrazoado? Eis que descobrimos novas “essências” perfumísticas: Michele, ex-primeira-dama tornou-se rótulo para uma essência qualquer que será comercializada não por ela em si mas pela referência especulativa.

Como não bastasse anunciam uma essência com o nome do marido. Desconsiderando a ironia de José Simão – de que a dita cuja encontraria suas raízes no “aroma capim” – certo que a coisa já transita pela comercialização.

Lançamento com pompa e circunstância muito brevemente. Não faltará quem esgote reservas financeiras, saque da poupança, venha a se endividar – até mesmo reduzir o dízimo para as igrejas, os que o pagam – para fazer parte dos enlevados que aperfeiçoarão a sensibilidade olfativa e, para provar a utilização de tal inovação, não causará surpresa que venham a andar se cheirando como cão pelas ruas para demonstrar afeto, fidelidade e admiração idolátrica às fontes das “essências”.

E ficamos a matutar, a que ponto estamos alcançados: para uma gente que ilustra seu conhecimento universal reconhecendo Israel como país cristão (certamente por desconhecer o assassinato de Jesus a pedido da teocracia local), que ainda insiste em reconhecer a quadratura da Terra, que nega avanços da Ciência em benefício da vida etc. etc. etc. trilhar por fragrâncias impostas não lhes custará reconhecer e propagar como profecia aos quatro ventos do universo a essência do pum como dádiva divina e a mais estonteante de tudo até hoje levada a termo.

Em especial alcançará eflúvios ímpares se dita ‘essência’ se originar de algum mito ou de quem lhe esteja próximo.

 

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