domingo, 25 de agosto de 2019

Porteira aberta


Nunca qualquer dos envolvidos nos interesses que motivaram as ações pensaram no mediato. O imediato sim, tudo justificava. E o imediato, para tudo facilitar, tinha uma etapa crucial: afastar o candidato vitorioso antecipadamente, o toque mágico alardeado para uma redenção.

E tudo aconteceu – não como nos contos de fadas – extraído dos mais escabrosos textos de terror e pesadelo buscados nos recônditos da Inquisição ou de regimes de exceção. Não porque algo não houvesse a ser apurado e responsáveis para responder por suas maquinações não devessem ser alcançados. Mas pelo método utilizado e escolha dos alcançados.

Tudo foi precipitado, em atitude desesperada para consumação do resultado. Prazos acelerados, decisões armadas e ajustadas em conluio para até mesmo evitar embargos declaratórios (como naquele julgamento do TRF-4 que à unanimidade aumentou a pena de Lula com todos os três julgadores uníssonos na quantificação em anos meses e dias).

O resultado imediato foi alcançado.

Lula – inviabilizada sua candidatura – não pôde nem mesmo gravar uma mensagem eleitoral, ainda que amparado em decisões de cortes internacionais às quais o Brasil, signatário, estava obrigado a cumprir como o já ocorrera em instantes anteriores, não fora a melhor interpretação pretória a ele negada. 

Mas, “com Supremo e tudo” tudo transcorreu como os conformes – diria o caboclo nos cafundós.

Definida com sucesso a etapa, eis o país destroçado política, institucional e economicamente abrindo-se à exploração e à especulação que afetam de sua soberania ao exercício do controle sobre suas riquezas. Perdeu o respeito no concerto internacional, tornou-se peça de chacota e vive sob ameaças.

De um instante para outro, “de repente, não mais que de repente” (Vinicius de Moraes), uma outra vertente se abriu e vieram à tona o que muitos já sabiam: tudo armado.

Desde junho a farsa montada – lançada em capítulos – vai exibindo seus contornos e sua dimensão criminosa. E aquela reação que foi se formando diante apenas do que se limitava ao absurdo lawfare a que submetido o ex-presidente se materializa no escândalo que ocupa manchetes internacionais. E a campanha nascida, clamando por um julgamento justo, nem mesmo ora se sustenta porque – até prova evidente em contrário – nunca houve crime a ser apurado, apenas criminosos pré-condenado.

A cada dia engrossa a fila dos que – reconhecendo o absurdo cometido pela justiça brasileira – exigem a liberdade de Lula.

Até mesmo um dos mais ativos membros daquele “com Supremo e tudo” – o ministro Gilmar Mendes (que atuou diretamente para que Lula nem mesmo pudesse ser nomeado Chefe da Casa Civil, acatando liminarmente pedido feito a partir de sua própria instituição particular, através de petição subscrita por uma secretária de seu Instituto) já admite que “devemos ao Lula um julgamento justo”.

E o julgamento justo seria julgá-lo e absolvê-lo. Mas não farão isso. O caminho menos traumático é reconhecer as nulidades do processo. Uma saída tipo a do STJ, de reduzir a pena o que – no fundo – reconhecia a condenação e, naturalmente, as razões que a alimentaram, em que pese escandalosamente fraudadas.

O ex-presidente saiu das cordas e ataca como bom pugilista. Não admite concessões judiciais, mas sim o reconhecimento de sua inocência. Ou seja – como nunca se viu neste país – o Poder Judiciário está constrangido pelo “réu”, o que implica libertar Lula declarando-o vítima de um processo fraudulento, manipulado por um conjunto de instituições estatais: Polícia Federal, Ministério Público Federal, Juízo da 23ª Vara Federal de Curitiba, TRF-4 de Porto Alegre, STJ, e mesmo o próprio STF que se negou a manifestar-se em instantes anteriores e, não o fazendo, simplesmente legitimou o que ora se tornou um dos maiores escândalos judiciais do planeta, visto antes somente em tribunais de exceção em regimes autoritários.

Dessa caixa de Pandora sabemos dos malefícios lançados, mas não se a Esperança lá ficou para ser resgatada.

Uma decisão do Ministro Ricardo Lewandowski autorizara Lula, em 2018, a conceder entrevistas, ainda que preso. Um de seus pares (o Fux) reverteu, no imediato, a decisão. Hoje aquela decisão se encontra em plenitude de efeito. Mas uma juíza de primeiro grau se entendia titular do direito de apreciar e conceder a possibilidade de entrevista requerida. No afogado dos acontecimentos recentes aquele mesmo TRF-4 resolveu fazer valer uma decisão superior e cassou tal possibilidade ao juízo inferior.

Mas, pelo quanto de balbúrdia houve – e há quem deseje mantê-la – impedindo entrevistas que tenham Lula como entrevistado a decisão recente configura simbólica expressão para o imediato.

Não deixaram Lula falar para não eleger o petista Haddad. Lula agora pode falar. E está falando. O temido Lula falando está solto.

Daquela caixa de Pandora aberta os malefícios todos se espalharam. Ainda que a Esperança tenha nela sido mantida por Epimeteu Lula tornou-se o último alento para essa terra que se torna de ninguém.

No fundo, abriu-se a porteira. Aguarde-se o estouro da boiada.

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