domingo, 20 de setembro de 2020

Resta-nos um novo primeiro passo

Trazemos para uma reflexão o texto de Lewandowski (1948-), então com 67 anos, publicado na coluna Opinião, do jornal Folha de São Paulo, por nós obtido (não somos assinante dos Frias)  através do GGN, em 13 de setembro de 2015.

Judicatura e dever de recato


Entre juízes, posturas ideológicas são repudiadas pela comunidade jurídica e pela opinião pública, que vê nelas um risco à democracia

RICARDO LEWANDOWSKI

É antigo nos meios forenses o adágio segundo o qual juiz só fala nos autos. A circunspecção e discrição sempre foram consideradas qualidades intrínsecas dos bons magistrados, ao passo que a loquacidade e o exibicionismo eram –e continuam sendo– vistos com desconfiança, quando não objeto de franca repulsa por parte de colegas, advogados, membros do Ministério Público e jurisdicionados.

A verbosidade de integrantes do Poder Judiciário, fora dos lindes processuais, de há muito é tida como comportamento incompatível com a autocontenção e austeridade que a função exige.

O recato, a moderação e mesmo a modéstia são virtudes que a sociedade espera dessa categoria especial de servidores públicos aos quais atribuiu o grave múnus de decidir sobre a vida, a liberdade, o patrimônio e a reputação das pessoas, conferindo-lhes as prerrogativas constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos para que possam exercê-lo com total independência.

O Código de Ética da Magistratura, consubstanciado na Resolução 60, de 2008, do Conselho Nacional de Justiça, consigna, logo em seu artigo 1º, que os juízes devem portar-se com imparcialidade, cortesia, diligência, integridade, dignidade, honra, prudência e decoro.

A incontinência verbal pode configurar desde uma simples falta disciplinar até um ilícito criminal, apenada, em casos extremos, com a perda do cargo, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

A Lei Complementar nº 35, de 1979, estabelece, no artigo 36, inciso III, que não é licito aos juízes "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos ou em obras técnicas ou no exercício do magistério".

O prejulgamento de uma causa ou a manifestação extemporânea de inclinação subjetiva acerca de decisão futura, nos termos do artigo 135, V, do Código de Processo Civil, caracteriza a suspeição ou parcialidade do magistrado, que permitem afastá-lo da causa por demonstrar interesse no julgamento em favor de alguma das partes.

Por mais poder que detenham, os juízes não constituem agentes políticos, porquanto carecem do sopro legitimador do sufrágio popular. E, embora não sejam meros aplicadores mecânicos da lei, dada a ampla discricionariedade que possuem para interpretá-la, não lhes é dado inovar no ordenamento jurídico.


Tampouco é permitido que proponham alterações legislativas, sugiram medidas administrativas ou alvitrem mudanças nos costumes, salvo se o fizerem em sede estritamente acadêmica ou como integrantes de comissões técnicas.

Em países civilizados, dentre eles o Brasil, proíbe-se que exerçam atividades político-partidárias, as quais são reservadas àqueles eleitos pelo voto direto, secreto e universal e periódico. Essa vedação encontra-se no artigo 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição.

Com isso, não só se impede sua filiação a partidos como também que expressem publicamente as respectivas preferências políticas. Tal interdição mostra-se ainda mais acertada porque os magistrados desempenham, ao par de suas relevantes atribuições, a delicada tarefa de arbitrar disputas eleitorais.

O protagonismo extramuros, criticável em qualquer circunstância, torna-se ainda mais nefasto quando tem o potencial de cercear direitos fundamentais, favorecer correntes políticas, provocar abalos na economia ou desestabilizar as instituições, ainda que inspirado na melhor das intenções.

Por isso, posturas extravagantes ou ideologicamente matizadas são repudiadas pela comunidade jurídica, bem assim pela opinião pública esclarecida, que enxerga nelas um grave risco à democracia.
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RICARDO LEWANDOWSK (1948-), professor titular da Faculdade de Direito da USP, é presidente do STF - Supremo Tribunal Federal e do CNJ - Conselho Nacional de Justiça

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Cinco os anos passados. Da opinião nenhuma dúvida de que Sua Excelência transita por tema que despertava a atenção da sociedade (especialmente a do pensamento jurídico) diante do cometimento de arbitrariedades que se faziam (ou se repetiam) em defesa de um pretenso combate à corrupção. Nada além que o lugar comum desta terra brasilis e uma de suas jabuticabas: algum problema, edite-se uma lei; para dar satisfação à mídia, aos amigos etc. deixo de aplicar e respeitar a lei.

O cerne a envolver a análise do então presidente do STF claro está - em cristalina dimensão: a Ética. Desrespeitada em violação aos próprios estatutos jurídicos, ou seja, aos próprios instrumentos postos à disposição pelo ordenamento legal: Leis, Regulamentos, Códigos de Ética e quejandos outros

Cinco anos passados. E aquilo criticado por Sua Excelência permanece como d'antes no quartel de Abrantes.

E indagará o paciente e estimado leitor deste escriba de província: e o motivo de lembrar da publicação?

Simples, caríssimo: não só tudo continua como d'antes no quartel de Abrantes como outros absurdos foram (e continuam sendo) cometidos amparados em decisões do STF, do CNJ, STJ, Tribunais Regionais através da lavra de figuras que lá estão somente porque a indicação é política. Porque se moral e juridicamente o fosse alguns não passariam pela porta de qualquer casa que abrigue o Poder Judiciário, ao qual incumbe (através de seus magistrados, desembargadores e ministros superiores) fazer Justiça.

Que o diga o novo presidente do STF, que utilizando-se do Conselho Nacional de Justiça, o qual também preside, fez a sua mediazinha com a mídia, a direita e - para não perder o embalo - tascou uma daquelas inovações vedadas na Constituição: o tratamento desigual à luz do princípio da igualdade de todos perante a lei. Sim, o ilustre e ilustrado (parece-nos que pouco em fundamentos jurídicos) barrou simplesmente presos por 'lavagem de bens' e "crimes contra a administração pública" de obterem benefícios em decorrência do Covid-19, como a revisão da prisão, naquilo que aquele mesmo Folha de São Paulo, em editorial, denominou de "populismo judicial".

O próprio CNJ, desde o início da pandemia, autoriza juízes a reverem as prisões de pessoas que integrem grupos de risco. TODAS as pessoas; que agora passa a ser uma PARTE delas, ainda que "todos iguais perante a lei".

Isso depois do impacto causado pela morte, em julho, por Covid-19, do ex-deputado Nelson Meurer (cardiopata, diabético, hipertenso e doente renal crônico), que teve pedidos de prisão domiciliar negados pelo próprio STF.

Mas tão 'avançados estamos' que já se fala em novo ramo de estudo para o direito internacional (naturalmente em cátedras regidas e monitoradas pelo atual governo(?): politica externa inconstitucional. Ou seja - para os que desconhecem firulas da Lei Magna - política externa posta em prática que contraria os princípios e fundamentos da diplomacia brasileira insculpidos na Constituição. 

Para concluir. 

Vagava este escriba de província pelo facebook e reencontramos um ex-aluno de Direito, da UESC: Felipe de Medeiros. Ao ser indagado por onde andava trouxe-nos dizeres dos quais extraímos esta pérola:

                    "Ando entocado aqui em Itabuna, professor, metido numa tal de                         esperança incorrigível"

Aproveitamos a deixa e atacamos:

                    Afastada a formação espiritual/espiritualista ando em típico                                 processo de desencanto. Gostei de sua "esperança                                              incorrigível". No fundo, no fundo nos sustenta. Ou nos                                         engana ou, ainda, nos enganamos através dela.

Resta-nos pouco, mas ainda resta. Um novo primeiro passo. Que o diga o "incorrigível" Felipe.


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