domingo, 20 de dezembro de 2020

Como d'antes, mesmo antes do Abrantes

 


“O império não sendo hereditário, era lícito ao imperador vivente escolher o herdeiro de seu patrimônio particular, designando-o ao Senado e ao povo para que lhe conferissem depois a autoridade imperial. Assim, Augusto designou Tibério e este designou Calígula. Mas este não teve tempo de designar seu herdeiro. Era preciso eleger, portanto, um sucessor. Muitos senadores eram contrários a isso; e se esse partido tivesse vencido, o império teria voltado a ser uma república aristocrática. Mas a sorte de Roma foi, ao contrário, decidida pela vontade do exército e especialmente das guardas pretorianas, isto é a guarda imperial. De fato, os soldados, em particular os pretorianos, eram muito contrários ao governo republicano; por isso. Morto Calígula, proclamaram imperador Cláudio César Germânico, tio de Calígula. E o Senado teve de aceita-lo. Foi esse o primeiro exemplo de eleição devida inteiramente aos soldados, exemplo que depois foi seguido numerosas vezes, o que teve grande e funesta influência na sorte de Roma”. (Texto extraído de “Petrônio — O tempo, o homem, a obra histórica”, de Giulio Davide Leoni, in Satiricon, de Petrônio, tradução de Miguel Ruas, Coleção Universidade, Edições de Ouro, sem data). Obs.: Respeitamos a redação e pontuação originais desta tradução, ainda que as tenhamos como sofrível — a primeira — e lamentável – a segunda).

Fortes são as democracias contemporâneas as destituídas de controle militar sobre os poderes. Aquelas que inviabilizam o exercício da vontade ‘pretoriana’. Outras há que manipulam a serviço de interesses privados o poderia militar. São aquelas que o tem (e dele se serve) para invadir e depredar o alheio (país) para garantir à sua classe dominante a intervenção nos negócios de outros povos (capitaneada pelas indústrias farmacêutica, química, bélica, financeira etc.) Para tanto se utilizam desde a formação de ‘lideranças’ internas ideologizadas no que pensam e defendem até às descaradas intervenções, antes tipicamente militares, hoje também judiciais e legislativas. Para alcançar o objetivo corrompem dizendo combater a corrupção.

Sábia gente há neste planeta que nem mesmo forças armadas regulares possui, somente policiais (com formação e comportamento em nada parecidos com as que conhecemos por estas bandas).

Aristocrática a república romana o foi até que a pretoriana força descobriu o que lhe interessava: o império, que lhe deu status. Antes o soldado servia  e garantia o soldo  invadindo países, escravizando o conquistado, saqueando suas riquezas. O império levou à mudança ao retirar da aristocracia o controle do poder, fazendo com que o imperador criasse a guarda pretoriana, um corpo militar de elite, para protege-lo e à sua família. Calígula, por exemplo  o nefando como pintado por historiadores que lhe foram contemporâneos  era adorado pelo povo e pela guarda pretoriana. Motivo: ambos recebiam  benesses materiais.

Muda alguma coisa de lá para cá? Certamente o tempo. Como d’antes no quartel de Abrantes. Mas, bem antes de Abrantes e seu quartel.

Pruridos não o há, desde que a(s) boquinha(s) seja(m) ampliada(s) e mantida(s).

Em nível desta terra brasilis nada mais ridículo que a história da proclamação da república. O marechal monarquista, acamado e ardendo em febre, chamado a liderar o movimento contra o Gabinete de Ouro Preto. Os militares  que se utilizaram da Guerra do Paraguai para ocupar espaços  naturalmente em defesa do pensamento republicano (já apoiado por parcela da aristocracia rural ferida com a ‘conveniente’ abolição da escravatura), viu-se por este aclamado e aclamou o sonho que nunca foi do povo na época e do qual não participou tiquinho de nada. A não ser do quadro pintado e elaborado posteriormente. Que pintura!

Esqueceram de registrar o motivo que fez Deodoro deixar a cama para ‘liderar’ o movimento: ciúmes de Silveira Martins, futuro Presidente do Conselho de Ministros (que o seria a partir de 20 de novembro) que conquistara, nos confins do Rio Grande, o coração da baronesa do Triunfo, viúva bonita e elegante, que escanteou o proclamador da república. Que idealismo, que romantismo, que paixão cívica!

Quem ascendeu ao comando supremo do poder? Qualquer dos republicanos idealistas? José do Patrocínio, Antônio da Silva Jardim, Joaquim Maurício de Abreu, Quintino Bocaiúva, Ruy Barbosa, Júlio de Castilhos, Lauro Miller, Aristides Lobo, Rangel Pestana (dentre outros)? Não. O golpe contra a Monarquia não foi dado para a que república florescesse, mas para garantir o poder do Estado para quem tinha o poder das armas e da guerra. E quem o diz não é o idealista ‘Policarpo Quaresma’.

Implantou-se, de logo, a pretensão da ‘ala positivista’ do movimento republicano (nascido nos anos 70 do século XIX, justamente no final da Guerra do Paraguai): uma estrutura de poder centralizada nas mãos dos militares. Uma res publica de uma minoria que se pretendia casta, sem povo, sem vela, nascendo com direito a choro.

Dispensamo-nos de tergiversar entre o novo e o velho do que somos no plano histórico. Afinal, já o fez esgotando o assunto o escritor Antônio Lopes em “Buerarema Falando Para o Mundo” (edição histórica pela Letra Impressa, nos idos de 1999), em “Que País é Este”, ao questionar naquele 1986 se a alcunhada Nova República o seria até quando. Não imaginou o cronista que em tão pouco tempo seria ela totalmente decrépita.

Isso por vivenciarmos a cada dia o insofismável de que nos tornamos uma terra “coberta com os cacos de um grande império”, como escreveu Eça de Queirós em carta a Fradique Mendes (Cartas Inéditas de Fradique Mendes), criticado aquele por Gilberto Freyre em Ordem e Progresso.

Mas, eis o desafio: que alguém diga que não. Ou quem tem razão  Eça de Queirós ou Gilberto Freyre.

E partamos para outro ‘eis que’: por cá os da ‘boquinha’ insistem em continuar “muito contrários ao governo republicano”. Como os pretorianos da Roma que ensaiava a decadência.

Afinal, pelo andar da carruagem — que denominamos de omissão/medo das instituições — tudo muito apropriado aos tempos de bizarrice tupiniquim a solução romana: em vez de república, império. Pretorianos já os temos às pampas.

O tempora o mores (Oh! Tempos; oh! Costumes!)  proclamaria Cícero contra os tantos Catilinas tupiniquins.

Como d’antes, antes mesmo do/de Abrantes.

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