domingo, 11 de julho de 2021

O tormento e o atormentado

Por mais insensível que o seja — e o demonstra diante das intempestivas falas e posturas — não anda fácil a vida do inquilino do Alvorada. Para quem teve o caminho de acesso ao poder pavimentado por conluios os mais variados — onde o menor foi aquele de vítima de uma tentativa de homicídio — como sói ocorrer a quem se encastela no poder em regime que admite a reeleição, o sonho imediato de consumo é dispor de um segundo mandato para ver a “sua” obra concluída.

Os sinais a pouco mais de um ano para a tentativa de permanecer no poder não são alvissareiros. O temor maior, candidatura do ex-presidente Lula — afastado em 2018 em meio a um daqueles conluios envolvendo esferas do Judiciário (em especial o STF), Ministério Público e quejandos — está a pleno vapor, bem avaliada e tornou-se obstáculo concreto ao projeto do governante atual.

Os arroubos e ameaças — incluindo não aceitar o resultado eleitoral (que lhe seja desfavorável, naturalmente) — permanecem encontrando eco naquele percentual que o tem como o ‘mito’ (à perfeição de si mesmos), que beira em torno de 20% a 25% do eleitorado (ainda).

Mas, o instante traduz a sabedoria popular: quem joga canivetes para cima tende a ferir-se com um deles.

Não bastasse, está acossado por denúncias. Não mais somente aquelas que o vinculavam à milícias e desdobramentos tais, como as rachadinhas (e não se tenha que somente ele o pratica na seara política. Deve contar-se nas pontas dos dedos quem não o faz, em todos os níveis de legislativo — federais, estaduais e municipais).

Seu carro-chefe de campanha repetiu o trivial: ser diferente ‘de tudo isso aí’ e combater a corrupção. Pois não é que o indigitado começa a aparecer como ciente de denúncias da existência dela no seio do governo sem que qualquer providência tenha tomado para combatê-la?

Um “mar de lama” (expressão cunhada por Carlos Lacerda contra Getúlio Vargas, em 1954) brota nas entranhas do governo. Denúncias gravíssimas de desmandos no seio do poder, que não foram enfrentadas com vigor necessário, levam ao público a dedução de que o seu timoneiro está envolvido, quando nada por omissão ou incapacidade, afirma-o pesquisa Datafolha.

Certo que já se acumulam indícios (e mesmo provas) de que o inquilino do Alvorada prevaricou. Ou seja, sabendo dos desmandos não tomou as providências que lhe cabiam para apurar e punir.

Como se fez auxiliar de milhares de militares na condução da gestão pública a situação ocupa um patamar tal que repercute na imagem das Forças Armadas — sempre cuidadosas em proteger-se, como se únicas vestais da moralidade o fossem — que já são avaliadas como inconvenientes quando assumem posicionamento político Datafolha.

A desconfiança do homem comum já reconhece a existência de corrupção no Ministério da Saúde, quando comandado por um general. E essa coisa corre como fogo de monturo, sem que ninguém perceba.

E a expressão ‘militar’ começa a ser sinônimo de compactuação com irregularidades. No que diz respeito aos indivíduos inconvenientes que se utilizam da farda e da função para negar o que a ética e a disciplina das corporações recomendam não mais reflete somente Exército, Marinha e Aeronáutica: lançado na mesma panela tudo o que vista farda e se utilize do aparelho estatal para benefício particular.

Como não bastasse aquela lista de militares beneficiados com auxílio emergencial, o governo também beneficia até aquele “investigado por tentar vender 400 milhões doses de vacina”, que recebeu o seu quinhão de sinecura.

O que estranha é o estágio que alcançamos no quesito reação. Apenas a de sempre. Nada de colocar em prática os instrumentos institucionais para pôr um basta a tais descalabros, ainda que escancarados fatos não tão recentes. Ou seja, se não cair de podre o governo não cairá sob a égide de impeachment ou coisas tais.

Afinal, pensa este escriba de província que por aqui as coisas efetivamente acontecem (sempre) sob o crivo da conveniência. Desta forma, enquanto for conveniente ao sistema (e ainda o é) não haverá instrumento jurídico que o afaste. E melhor ficará quando indicar o seu ministro “terrivelmente evangélico” para o STF.

Mas, ainda que persista a realidade escancarada em escrito deste escriba (Na pátria da hipocrisia uma pá de cal no sonho da democracia) há sinais de que o tormento causado se volta contra o causador e sua fisionomia atormentada o diz.

Que nunca será o das vítimas da incúria que, somando mais de 530 mil (somos hoje o país com maior número de mortes diárias por Covid-19 no mundo, superando os totais diários, isoladamente, da Europa, Ásia e África), assistem não mais somente as diatribes do inquilino do Alvorada. Também a escada ascendente dos malfeitos.

No fim, essa novela chã nos leva ao tormento por que passamos. Tende o atormentado de plantão receber a sua parcela em dobro — a de sofrer a si e fazer sofrer aos seus. O ‘mito’ já tem estampado na testa a marca que dizia combater: a desonestidade. 70% acham seu governo desonesto (Datafolha).

Sua capacidade de causar tormentos já alcançou até o futebol — dirão seus críticos, com razão, diante dos fatos: até a Seleção Brasileira, utilizada para impressionar o ‘defensor’ da disputa da Copa América no Brasil, sucumbiu para os ‘hermanos’. Em pleno Maracanã.

Acalenta-nos a sabedoria popular. Dizia vó Tormeza: “Se não há bem que sempre dure não há mal que não se acabe”.

Os tormentos cairão, certamente.

Aos atormentados ultrapassar na barca de Caronte o Portal (“Deixai toda esperança, ó vós que entrais”) e ocupar a Esfera de Antenora, no Nono Círculo, como preconiza Dante Alighieri.

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Observação: as referências ao Datafolha reproduzem o veiculado no Brasil 247.


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