domingo, 10 de outubro de 2021

Nem dos escândalos podemos rir!

 

Em entrevista concedida à revista Carta Capital a médica Ana Cláudia Quintana Arantes fala do descaso do ensino médico em relação ao denominado “cuidado paliativo”, instrumento de que deve se valer o profissional da área de saúde não para agir conforme a ‘cultura da doença’, mas para ver no paciente tido como terminal uma vida sendo ‘cuidada’ e reconhecida como tal.

“As pessoas no Brasil não morrem de câncer, elas morrem de dor. E elas não poderão nem gritar, pois vão enfiar um tubo na garganta delas” diz a Dra. Ana Cláudia.

A observação, cruel em si, parece-nos chamar a atenção para o fato de que a “cultura da doença” em nosso país não se limita aos nosocômios de todas as espécies, mas à unificação de sua índole como mantra que alimenta a realidade pátria em todos os segmentos da sociedade, públicos e privados.

Nesta terra brasilis uma semana que se finda sempre se assemelha ao começo da anterior. Mudam-se os números, a forma, as cores da foto, mas os fatos são constantes e assumem uma dimensão de perenidade a ponto de anestesiar a compreensão de que ocorrem tão teimosamente acostumados ficamos. E nem mesmo se indaga o porquê ocorrem.

Não há como não reconhecer um certo clima de UTI que nos norteia como se pacientes fôramos em estágio terminal.

A indagação esquecida: por que tudo assim permanece?

No geral a pauta é tipicamente alienante: tudo se esvai no ralo da disputa política. Uma disputa onde ausente a discussão da realidade, a discussão das causas, do porquê. Nenhum discurso de esperança que vá além do que “eu” posso fazer. Tampouco de um projeto de nação que eleve o homem comum aos degraus onde discutidos os temas que lhe interessam e deveria opinar.

Que não se negue à Política a sua função primordial: de sustentar o perfil das democracias, de ser a linha mestra do debate, alma da sociedade civilizada.

Mas a crítica se nos impõe diante de um fato mais grave: quem pode efetivamente fazê-lo não o está levando às bases da sociedade, aos marginalizados e despossuídos como instrumento de aprendizado e consciência do discurso de que fez e como o fez. De fazer compreender razões e causa de tudo que nos torna uma imensa UTI, onde há uma fila, não mais os 600 mil mortos (antes inimagináveis) mas dos que ainda vão morrer por Covid-19 e dos que voltam a sucumbir sob forma mais tradicional: fome.

Mais um aumento para a gasolina, diesel e gás de cozinha. Aumentos que atingem diretamente o bolso ralo de moedas do brasileiro. E o fato (aumento) é lançado sob a vertente da disputa política: para a situação, necessário para controlar a inflação; para a oposição, resultante dos desmandos da administração federal e da ausência de políticas públicas condizentes com o país e seu povo.

Em nenhum instante uma resposta às perguntas cruciais: por quê? Quem disso se beneficia?

Naturalmente a resposta a ambas se vincula ao projeto de país que se mantém na mesma rede há 500 anos.

Certo, caro e paciente leitor, não mais se explora pau brasil e cana de açúcar. Outros os objetos.

Mas os beneficiados, em sua natureza social, os mesmos: um punhado insignificante percentualmente que se apropria das políticas públicas conforme o governo que ‘implanta’ para corresponder aos seus interesses.

E tudo navega em águas calmas, ainda que em mar revolto ou pororoca.

Quem buscar outros meios de informação que não integrem a mídia controlada pela classe dominante – para a qual o país está no rumo certo, crescendo, gerando emprego etc. etc. – lerá que aquele outro Luciano (que se veste de papagaio para se dizer mais brasileiro que os demais) está na lista deste punhado que guarda dinheiro (em dólares) fora do país. À figura, em particular, acresça-se o fato de que por 17 anos nada declarava/informava à Receita Federal. (Carta Capital)

Na esteira ilustres outros pares desde ministros de Estado a donos de mídia preferem guardar dinheiro lá fora em paraísos fiscais a investir na terrinha de onde o tiraram do suor alheio.

Uns tais Pandora Papers botaram a boca no trombone. (247 aqui, aqui e aqui)

Como desgraça pouca é coisa nenhuma divulgam que uma espiã fora plantada em gabinete do STF para municiar com informações editor de feiquenios (247).

E para mostrar que tudo anda azul os que pediram ao STF que requisitasse apuração dos ‘deslizes’ de ministros abundando em paraísos fiscais enquanto elevam o câmbio que lhes garanta mais uns derréis-de-mel-coado tiveram a pretensão indeferida por Sua Excelência que preside aquela augusta Corte.

Vida teimosa e secular. Ampliando de pacientes a UTI deste hospital que inspiraria Machado de Assis a reescrever O Alienista, tantos são os ‘Simão Bacamarte’.

Sim, no Brasil morremos de dor, certamente. Sem podermos gritar, entubados e anestesiados ajudando ou a indústria da morte ou quem dela faz meio de vida. Porque não há quem cuide de nós se dependermos tão somente dos que aí se arvoram de pais da pátria.

No estágio atual deles e dos escândalos que promovem nem mesmo devemos rir para não sermos impedidos de gritar já que entubados vivemos o cotidiano. Afinal, riscoso se torna trilhar pelo rir de quê, de quem e contra quem se ri. Que se agravará caso ilustremos o por que se ri.

Diante do fato de que no mundo animal o homem é o único que ri estamos no nível da charge de Ziraldo, materializando a metáfora do estado de espírito ora vivido: melhor calados, apáticos e alienados que sorrindo; porque sorrir faz doer.

Assim, nem dos escândalos podemos rir! 

                    

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