domingo, 14 de novembro de 2021

“Deus me ajudou muito”

 

O então relator da Comissão de Orçamento do Congresso, deputado João Alves de Almeida (leia aqui), depondo à CPI que apurava o escândalo denominado de “anões do orçamento” sobre como conseguira o dinheiro que jorrava em e de suas contas bancárias justificou-o através de sucessivos e constantes ganhos na Loteria Esportiva, tributando tal sorte a Deus, que o ajudara muito.

O argumento que motivou ironia e riso naquele instante certamente pode ser alegado por muita gente nesta terra de São Saruê.

Como o delegado da Polícia Federal que adquiriu apartamento em Miami de 675 mil dólares e quitou em 16 meses o financiamento de 337,5 mil dólares (Metrópoles). Em reais, 3,5 milhões e 1,9 milhões, respectivamente, no câmbio atual. Adiante-se que a renda familiar líquida do indigitado gira em torno dos 31 mil mensais, da qual o equivalente a R$ 11 mil seria consumido com custeio de condomínio e impostos.

Não culpemos o sonho de consumo deste ilustre representante da burguesia nacional. Afinal, não há muito tempo, um outro então ministro Joaquim Barbosa, do STF também adquirira apartamento em Miami e mesmo criou empresa (que não podia, por impedimento legal) para facilitar a transação e burlar o Fisco pátrio.

Viver é bom! No Brasil, naturalmente!

Este o sonho de consumo da burguesia brasileira: viver em Miami-EUA. E mais: ter por residência aquela terrinha; naturalmente vivendo desta terrinha.

Líderes de audiência televisiva, de venda de indulgências, e quejandos outros têm um cantinho ‘de seu’ nos States e contas bancárias para privilegiados em paraísos fiscais. Oh! Glória!

E cá, da planície da província, assistimos a tudo na versão impressa/imprensa: tudo normal – fruto da meritocracia – quando envolvidos próceres do sistema encastelados neste ou naquele espaço/órgão governamental, seja militar ou civil.

A burguesia nacional se espelha na classe dominante que exercita o poder para alimentar tais benesses. Para ela iate e avião devem continuar isentos de impostos; o fusquinha caindo aos pedaços (metáfora), não.

Para a manutenção de seus privilégios dispõe de representação política para garantia de tais quejandos. Afinal, o país não passa de horta no quintal dos interesses. Interesses que nunca estão atrelados aos do povo.

Na tentativa de superar os vícios da colonização primitiva no século XX construiu-se um projeto de representação política que se materializou, a partir dos anos 30, na conformação esquerda/nacionalismo versus direita/entreguista, de onde adiante destacados PTB (de Getúlio Vargas) x UDN. Aquela UDN que se posicionou contra os projetos nacionalistas e se utilizava de todos os meios para inviabilizar governos que o pretendessem e se tornou a representação político-partidária maior do golpe de 1964.

Dali ARENA, PDS, PFL, DEM. Viés deste projeto, aliado diretamente aos propósitos de entrega do país, de submissão aos interesses do capital estrangeiro, o PSDB capitaneado por quem defendia a ‘dependência econômica’ como instrumento de desenvolvimento.

Nos estertores daquele século, no costado dos perseguidos partidos de esquerda o Partido dos Trabalhadores nasce como contraponto ao projeto político da classe dominante, mais ao centro.

Chegou ao poder no limiar do século seguinte sob o crivo de alianças que lhe assegurassem governabilidade. Uma governabilidade pensada a partir do alto, nos moldes do novo modelo de colonização, representada por uma classe dominante pautada nos vícios históricos.

Alianças que o tiraram do poder.

O que é difícil de entender é que haja quem aplauda a aventada possibilidade de dobradinha Lula-Alckmin, ou seja, PT-ex-PSDB. A incompatibilidade de princípios políticos, de projeto que retome o Brasil como país independente é gritante e aviltante até pensar em contorna-la. Seja-o com PSDB ou qualquer outro de igual estirpe.

Como temos dito caso esse tipo de projeto político-eleitoral venha a se consumar a turma demonstra não ler em torno nem do passado recente. O PT tirou Michel Temer do poço sem fundo em que se afundara no porto de Santos e pensa aproveitar-se de quem nem poço tem aonde se esconder. Àquele e ao seu PMDB entregou joias da coroa, como diretorias várias da Petrobras. Ao futuro aliado à direita o que restar, certamente.

Afinal, a não ser que os ventos externos (Carta Capital) consigam fazer com Lula o que fizeram com Dilma e a sucessão petista em 2018, a busca de apoio de tal jaez mais nos parece uma confissão de que o inquilino do Alvorada está melhor na fita do que o revelado pelas pesquisas.

Ou, lembrando do ‘anão’ João Alves “Deus me ajudou muito”, a denominada esquerda anseia por ajudar os caídos para ser por eles derrubada.


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