domingo, 28 de julho de 2019

Dura reflexão ou como a verdade escondida dói


Verdade que dói
Garimpeiros, fortemente armados, invadem reserva indígena, ocupam terras e mesmo matam a facadas o chefe da tribo. Cena comum e recorrente em antigos filmes faroestes onde a ‘corrida’ às terras auríferas da Califórnia tudo justificava, inclusive chacinar índios à bala, incumbida a indústria cinematográfica (na quase totalidade das ‘mensagens’) escrever e pintar os atacados silvícolas/peles-vermelhas como bandidos cruéis e sanguinários, bárbaros lutando contra a civilização que lhes é oferecida.

Em tempos de rede social como instrumento de comunicação um ‘especialista’ invade telefones privados.

O dirigente maior da nação proclama nepotismo, ao lado de promover o desmonte de tudo que possa representar instrumento de defesa da soberania, da indústria, de riquezas e lança ao rés do chão os mais comezinhos princípios inerentes à liturgia do cargo.

Um ministro empossado como da Justiça anuncia aos quatro cantos que determinará à polícia sob seu comando a destruição de provas coletadas para apuração de fato possivelmente criminoso que o cita envolvido. E como dita apuração envolve estrangeiro residente no país – que deu de divulgar outras irregularidades do ‘ministro’ – sinaliza a deportação sumária de estrangeiros nos moldes preconizados em conveniente portaria de seu ministério para uso ao alvitre de sua caneta. (Antes da iniciativa tirara uns dias de férias e foi descansar nos EUA assim que pipocaram as denúncias contra si).

Alguns Procuradores da República utilizam-se de fama produzida (alimentada pela mídia) para reunir-se com banqueiros e ministro do STF antes das eleições (junho de 2018), em segredo, para traçar rumos, onde “eleições” era o tema servido, das quais alijado o candidato que a venceria no primeiro turno. Por mera coincidência esses bancos se beneficiam de privatização logo nos seis primeiros meses do novo governo abocanhando quinhão nobre da BR Distribuidora, fato que não ocorreria se outro o vencedor das “eleições”.

No primeiro caso nenhum espaço na mídia; 

no segundo, verdadeiro estardalhaço em torno dele, ainda que os fatos a ele vinculados fiquem de lado nas avaliações; 

no terceiro, silêncio conivente, limitado ao conveniente da divulgação; 

no quarto, embala-se a ‘informação’ na possível ilegalidade na obtenção da fonte e passa-se ao largo da gravidade contida no quando divulgado; 

no quinto... ora, mais uma das dezenas de “crimes contra o patrimônio público” que andam acontecendo, especialmente quando perpetrados por agentes públicos envolvidos no ‘combate à corrupção’.

Diante de tudo não custa perceber – à luz das ‘reflexões’ – que as redes sociais se apresentam delimitadas em dois campos de batalha precisos: dos que são a favor e dos que são contra alguma coisa. E que esse “alguma coisa” tem por nome e objeto um partido político e quem lhe seja a favor. O inverso também ocorre. Resultado: amor e ódio, permanente prato do dia.

Em meio a tudo – ainda que através da rede ou de veículos de comunicação – uma parcela de analistas, significativa, expressa o espanto diante de tudo que aí está. Entende ela que a verdade dos fatos não corresponde ao que está veiculado como informação. E diante de tal revelação claro fica que menos há de informação e bem mais de manipulação.

Eis por que também se espanta este escriba de província: crime a invasão de terras indígenas demarcadas, crime a prática de nepotismo, crime a destruição de provas que podem elucidar um ilícito praticado, crime desrespeitar os primados inseridos na Constituição em defesa da liberdade de imprensa e da atividade jornalística, incluindo a de proteger o sigilo da fonte.

E como, ainda que tudo seja crime, há quem diante disso se cale ou se omita, quando não defenda, porque 'sou' a favor, desde que ‘alguma coisa’ esteja por trás, como presumo ou convicção tenha. E nem aí se fale dos que não percebem e os que fingem não ver, todos embrulhados no mesmo pacote lançando ao precipício o sonhar uma gente que imaginou-se digna de um futuro com tal.

E para o caboclo no grotão, assistindo a tudo que ora vê e antes não via, a percepção de que nada há de novo. Tudo existia e havia. Apenas não se percebia por falta de oportunidade.

Vivemos a singular realidade expressa por Bertold Brecht: do tempo em que temos que defender o óbvio, como se fosse revolucionário.

Dura a reflexão. Ou como a verdade dói. 

Talvez tudo melhor expresse a racionalidade de quem observa “O Grito”, de Edvard Munch.

No mais, Mozart como fundo musical (abaixo):

          Dies irae (dia de ira)
          Dies illa (dia de raiva)
          Solvet saeclum en favilla (dissolve a terra em cinzas).

Apenas acrescentamos: onde se lê saeclum leia-se terra brasilis.

Algumas leituras para esta atualidade
Por tudo que acima escrevemos recomendamos ao estimado leitor, para caminhar o caminho da compreensão do quanto acontece, as leituras de Jessé Souza e seu “A Elite do Atraso” (Rio de Janeiro: Leya, 2017) ou descobrir em Pierre Bourdieu, para quem a concentração de capitais econômicos, sociais e culturais por determinados grupos são utilizados como forma de dominação sobre outros, em que a classe dominante se impõe distinta de assalariados em “A distinção: crítica social do julgamento” (Lisboa, Editorial Vega-1978) ou a reprodução, na escola, pelo sistema de ensino, das desigualdades que efetivam a estrutura social, em “A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino” (Porto Alegre: Editora Zouk, 2007).

                

Um comentário:

  1. Demoro, mas passo por aqui para sorver cultura, inteligência e humanidade. Caro amigo, estamos vivendo um realismo fantástico. Estou relendo Kafka, Ionesco,Buchner e Brecht. Também a caverna de Platão e Gramnsci... tempos obscuros...

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