domingo, 23 de agosto de 2020

Apostas e certezas

Fazemos parte daquela parcela da sociedade que nega a autoajuda como panaceia para tudo. Entendemos o que representa a energia mental – hoje comprovada em dimensão quântica – e o quanto significa o que a compreensão humana em torno dela possa obter. Certamente já não temos somente a relatividade para explicar muito do que desconhecíamos há tempos não tão distantes dentro do atual processo civilizatório.

No quesito autoajuda incomoda-nos, sobremodo, o sistema de mercado imposto através dela: de livros a palestras, cursos e quejandos outros. Desde Dale Carnegie (1888-1955) e seu “Como Evitar Preocupações e Começar a Viver”, publicado em meados dos anos 30 do século passado, o tema enche as burras dos que sábia e mercantilmente souberam se valer do óbvio.

O tema, em razão do uso que lhe é dado, muito se aproxima de o compreendermos sob o expresso por Karl Marx (1818-1883), em Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, norteado por Feuerbach (1804-1872), a religião como um “ópio”.

Cabe-nos entender que não é em si a religião ou autoajuda o problema mas a forma como se lhe aproveitam. Ou seja, o que resulta da intervenção/criação humana, inclusive no plano sublimativo.

O universo que a tudo sustenta está na base da pirâmide sócio-comportamental e desta os bilhões desembolsados por milhões sem que – à luz de uma análise no tempo – tenhamos percebido efetiva mudança no planeta e sua civilização.

Acomodemo-nos, neste instante, a uma espécie de “assim caminha a humanidade”; a frase posta na versão para Giant, escrito por Edna Fermer (1885-1968), filmado por Georges Stevens (1904-1975) dirigindo James Dean, Elizabeth Taylor, Rock Hudson e Carol Baker (1956), Lulu Santos compondo e cantando (1994) e Dercy Gonçalves (1907-2008) repetindo-a como chavão num de seus impagáveis filmes (que ora não lembramos o nome). E continuamos a caminhar em busca das soluções “de fora” quando estão dentro de nós sem que despejemos nosso dinheirinho de cada dia sem a correspondente ‘conversão’, porque não há o que ser “convertido”, mas “compreendido”.

No fundo, caro e paciente leitor, por tal confundir somos uma civilização no pano verde: uns em volta, jogando; outros, ganhando. Onde certezas se nos chegam em meio às apostas que fazemos porque não falta quem veja na sorte uma verdade insofismável, a ser buscada.

Como esta terra brasilis em tão singular instante.

Uma aposta concreta, como carta política (aqui), foi jogada e hoje os milhares de mortos pelo Covid-19 se tornam apenas o “azar” de quem perdeu a partida. Em meio ao jogo, enquanto estes milhares (até agora) perdem a partida e a eles outros são acrescidos, certezas vão se consolidando, entre elas o lance mais temerário, encarnado no inquilino do Alvorada e sua trupe mambembe sem saber onde amarrar a lona e o burro.

E, para ocupar o tempo de nada fazer – ou dizer – de um membro de primeiro instante vem a público com mais uma de suas singulares mensagens, ‘ilustrando/explicando’ em torno da pedofilia. Em entrevista à BBC, em dezembro de 2019, ilustra aquela “que viu Cristo na goiabeira”: “Tem abuso que é prazeroso para a criança, porque o pedófilo sabe como tocar, onde tocar".

Diante de (mais um) estarrecedor caso de pedofilia, que resultou em gravidez de uma criança de 10 anos, abusada desde os seis, vem à rede aquela declaração como se atual, porque a atualidade se tornou constante. O trágico tanto se repete como aposta que se torna verdade.

Posto diante do fato recente, acima posto, a declaração soa como impropério às milhares de famílias atingidas pela pedofilia.

Mas, aí está o busílis, caro e paciente leitor: estamos nos habituando ao macabro, em todas as dimensões. A declaração da Ministra em dezembro passou e passava ao largo até que retirada do contexto temporal do ontem (2019) para o hoje (2020). E caminhamos para até descobrir que a ministra encontrará seguidores como o encontra o inquilino que a chefia.

O que é verdade o é por sê-lo, lecionava Aristóteles (385 a.C.-323 a.C.). O que não o é torna-se, quando muito, dúvida. A verdade como certeza tem, portanto, contraponto na dúvida. A dúvida é materialização da incerteza, jogado sobre o pano da mesa de apostas, como aventura.

Neste cassino proliferam os manipuladores – lideranças ditas cristãs e autores de autoajuda embalando seguidores – afirmando certezas e as pondo na mesa para as apostas.

E o que antes fora apostas agora são certezas. Na balbúrdia cotidiana, prenhe de aberrações, legitimadas por omissões das instituições, vivemos em meio a tantos ópios o mais tupiniquim deles: o presente institucional, onde presidente e quejandos que o seguem refazem conceitos.

O Brasil aí está para confirmar.

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