domingo, 2 de agosto de 2020

Cumpre-nos começar a rezar... pelas mortes a que estamos nos acostumando

Este escriba de província não se faz adepto dos que apelam a Deus para que não ocorra o que não é culpa d’Ele. A grandeza e bondade divinas – caso pudessem ser sopesadas – residem justamente no fato de nos haver dotado de um detalhe que nos torna sapien sapiens: entender e raciocinar em torno do que somos, do quê e do porquê fazemos, das consequências por fazê-lo, a compreensão de que sabemos o que sabemos. Ou seja, nos legou o livre arbítrio, a capacidade e a consciência de escolha em torno do que queremos e desejamos. 

Obviamente este “querer” nisso que chamam de Civilização não pode ser entendido restritivamente. Aí estão – de líderes religiosos a líderes políticos – os que conseguem impressionar e conduzir outrem a segui-los, a neles acreditar, a mesmo por eles matar e odiar o semelhante.

Em nível de Brasil as coisas estão a agravar-se. Não se afirme que por termos governantes que se espelham em quem não devia ser exemplo. Talvez aí também a razão por que o país caminha a passos céleres para um desastre humanitário sem precedentes. Mas não somente isso: a indiferença à dimensão de catástrofe vai ocupando as mentes. Aqui, como ali, em quem nos espelhamos. A pandemia não mais assusta. Está apenas matando.

Em sede de moradia do Covid-19 o Brasil vive o clima oferecido ao vírus nos Estados Unidos: por lá os dados não permitem falar em onda primeira, segunda etc.; é onda sobre outra. Nelas o vírus surfa a cavalheiro.

Em 22 de março (aqui), tomado de indignação registrávamos:


“Na Itália programam deixar morrer os idosos acima de 80. Aqui, não necessários os octogenários, nonagenários etc., porque os pobres e desvalidos de sempre estão dispensados de qualquer programação. Apenas engrossarão as covas rasas dos cemitérios, longe das estatísticas oficiais.

 

Porque por aqui não há necessidade de medidas oficiais que ampliem o obituário. Não nos faltam peças (in)significantes da classe dominante para – mesmo sabendo estar portador do Covid-19 colocar seus amigos de São Paulo no mesmo jatinho e vir infectar a gente humilde de Trancoso, em Porto Seguro.

 

A pandemia que assusta o planeta corre por estas plagas montada no alazão chamado ‘perversidade’, orientado por ginete chamado ‘incompetente’.”

Os que afirmam havermos alcançado o denominado platô – o pico, o máximo – que nos levaria à redução de infectados e mortos não encontram amparo para afirmação. Para alcançarmos o primeiro milhão de infectados levamos cerca de quatro meses; em apenas 27 dias (menos de mês) mais que dobramos aquele número. Mantida a média, precisaremos não mais que 22 dias para alcançarmos outro milhão e de menos disso para dobramos os atuais pouco mais de dois milhões. Na esteira o número de mortos. Em 17 de maio (Dia seguinte II) registrávamos haver passado de mil óbitos diários. 70 dias depois a média mantém-se, encorpando-se para 1.100.

Um mês antes, no dia 19 de abril (aqui), comentamos em torno do patético apelo do governador da Bahia pedindo o óbvio. Naquele espaço publicado parte de mensagem lida pelo prefeito de Entre Rios-RJ, tomando por base orientações do Ministério da Defesa, onde sinalizada a preocupação com a disponibilidade (não de hospitais) de “cemitérios, sepulturas e capacidade de sepultamentos diários”.

No dia 12 do mesmo abril (aqui) havíamos registrado:


O mundo continua apreensivo exigindo medidas restritivas à circulação de pessoas como instrumento imediato para evitar contágio. O Brasil tinha, neste domingo, 22.169 casos confirmados e 1.223 mortes pelo Covid-19 (avanço, em um dia, de mais 1.442 novos casos e 99 mortes). Na segunda, 6 de abril, tínhamos, respectivamente, 11.281 e 487. Ou seja, em seis dias praticamente dobraram os casos confirmados e quase triplicadas as mortes. Caso mantidas as atuais restrições à locomoção e considerando o período de risco concreto, que pode ir ao início de junho, ao final das próximas duas semanas (final de abril), mantida a projeção acima, poderemos registrar mais de 60 mil confirmações de contágio e o risco de ultrapassarmos 5 mil mortes.”

Pois é caríssimo leitor: naquele dia 6, início de abril, tínhamos em torno de 11.200 casos e 487 mortes, dobrados os casos de infecção e triplicadas as mortes em apenas uma semana transcorrida. E alertávamos para o risco de cinco mil óbitos logo, logo. Já estamos à beira das vinte vezes mais em apenas 100 dias percorridos de lá para cá.

Assim, os que estamos preocupados desde o final de março vemos assustadoramente o trilhar do Covid-19 no lar que se tornou para ele ideal, esmerado à perfeição. Em quatro meses o quadro mais se agrava. Dantesco.

Nada temos a dizer, porque tudo que dissermos se torna cansada repetição. Reconheçamos que a pequenez anestesiou o país e tornou habitual e normal o que evidentemente não o é. A indiferença está a vencer pelo cansaço e pela teimosia. São tantas as mortes nesta terra brasilis (de fome, de bala em confrontos com a polícia, de quadrilhas entre si, de índios, de negros e pobres de periferias, de doenças outras etc.) que nos habituamos a ela e alguns milhares mais começam pouco a dizer. E assim será em relação ao Covid-19 até que surjam os efeitos de uma vacinação em massa.

O mês de julho fechou com mais de 92 mil mortes. Mais de um terço delas apenas no juliano. Em menos de uma semana ultrapassaremos as 100 e, pelo andar da carruagem – considerando que a média de infecção já supera as 50 mil diárias – “ninguém segura este país”. 

Nos próximos três meses mais que dobraremos o número de infectados para alcançarmos entre 7,5 a 8 milhões e elevaremos o número de mortes ao nada glorioso patamar de 200 mil. E, se não houver vacina, o Natal de 2020 será de choro e lamentação para cerca de 270 mil famílias.

Diante do dantesco que se nos acomete cabe-nos implorar por orações.

Não para que Deus interceda em relação ao que nunca legou. Nem mais para que nos livremos do mal que nós mesmos causamos, aceitamos e a ele nos tornamos indiferentes.

Mas pelos mortos... que não podem falar.


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