domingo, 11 de outubro de 2020

Lista tríplice, o voto e a burrice histórico-sociológica sob cortada

Há coisas nesta terra brasilis que convivem com o nonsense. No caso particular da eleição para Reitor de Universidades Públicas a existência de uma lista tríplice (que não é exclusiva das universidades) para que o chefe do Poder Executivo escolha — dentre os três mais votados — o reitor. Não deixa de ser contraditório o fato de o mais votado vir a ser preterido por apenas integrar uma lista submetida à vontade/escolha. Mas, esta é a regra. 

A utilização do respeito ao mais votado, no entanto, não significa o que traduz o sistema, mas vontade política de quem detém o poder de escolha.

O tema está sob julgamento do STF, por força de Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo Partido Verde que entende a ‘lista’ violar o instituto constitucional da autonomia universitária, como veiculado no Sputinik.

O primeiro ministro a votar, Edson Fachin, proferiu voto no sentido de que o Presidente da República é obrigado a escolher o mais votado na lista tríplice.

Repitamos: obrigado a escolher o mais votado.

Como a coisa, no imediato, envolve o inquilino do Planalto, farto em diatribes, arauto do besteirol e quejandos, há quem esteja a cair de pau no dito cujo. Que, por sinal, desrespeitando a lista tríplice, tem nomeado aqueles que entende, inclusive quem nem integrou a lista, como observa o Brasil de Fato:


“[...] em pelo menos 14 oportunidades desde o início da gestão, o presidente decidiu pela nomeação de um reitor ou diretor de instituições federais de ensino que não encabeçava uma lista tríplice ou sequer constava entre os nomes indicados a partir das consultas internas, o que vem sendo denunciado como uma forma de intervenção para colocar nos cargos apoiadores ou professores ligados a aliados políticos, como seria o caso de Bulhões na UFRGS.

Em junho de 2019, Bolsonaro desconsiderou a lista tríplice para nomear os reitores da Universidade Federal Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

Em Dourados, Mirlene Damázio foi nomeada como reitora pro tempore após o Ministério da Educação (MEC) considerar inválida a lista tríplice enviada pela instituição.

[...]

Fábio Josué Souza dos Santos, que era o terceiro nome da lista tríplice, foi nomeado reitor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB). Janir Alves Soares, que foi o quarto colocado na consulta interna, foi empossado reitor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Minas Gerais.”

Voltando às vacas magras, há quem esteja a descer o pau no inquilino por não respeitar a cantada e decantada ‘lista tríplice’.

Mas, caro, estimado e paciente leitor, ninguém levanta o tapete para ver a origem de ‘listas’ levadas à escolha de chefes do poder executivo. Para muitos a ‘lista tríplice’ é um avanço. Mas...

O primeiro senão, de nossa parte, gira em torno da existência da lista tríplice, invenção dos políticos para que nem sempre a vontade acadêmico-corporativa democraticamente manifesta seja respeitada (e não trazemos aqui os critérios sofríveis que delimitam essa ‘democrática vontade acadêmica’).

À guisa do que isso representa ilustramos nosso expressar com um fato concreto ocorrido nos anos 80 na hoje Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC, ainda FESPI: foi eleito Diretor-Geral (função correspondente a de reitor) o Professor José Orlando Rocha de Carvalho. No entanto o Governador Antônio Carlos Magalhães-ACM desconsiderou a ‘vontade da maioria acadêmica’ e nomeou o Professor Altamirando Marques Diretor-Geral.

Ou seja, como naqueles idos antecedentes à Nova Constituição, a nomeação em si — que deveria simplesmente ser a chancela do Poder Executivo, como gestor, ao decidido pela comunidade acadêmica — uma vez que não há o instituto jurídico da autonomeação (a própria universidade nomear) — já se constituía um ato político de gestão sob o tacão da ‘vontade’. Coisa que remonta à República Velha, quando o mais votado não era mantido e perdia a eleição para o segundo colocado que integrasse ou aderisse ao governo de plantão.

Sob esse viés — a origem dentro da cultura política como exercício de poder — este encanto de instituto nasce (e permanece) com vícios que não estão sendo enfrentados, apenas ajustados aos interesses deste ou daquele (do integrante da lista ou de quem nomeia).

Necessário, assim o entendemos, que a luta fosse para suprimir simplesmente a famigerada ‘lista tríplice’.

Para não perdermos o mote — já que estamos abordando 'lista tríplice' — circula na rede (247) a indignação de um mercenário religioso contra o inquilino do Alvorada por não haver este respeitado uma “lista tríplice” do conluio evangélico para indicar o novo ministro do STF.

De nossa parte, no que diz respeito a escolher da ‘lista tríplice’ quem não a encabece integra o ‘juízo de valor’, a ‘vontade política’, o “eu entendo melhor’ adstrito a quem nomeia, seja ele Presidente da República ou Governador de Estado. Porque o problema não está em João, José ou Joaquim; está na forma e na fórmula que vinculam João, José ou Joaquim a decidir, ofertando três para que, dentre eles escolha um. E escolha não é sinônimo de referendum, muito menos de imposição.

Obrigar a indicar o primeiro de uma lista onde três se acham presentes constitui típica intervenção — para não dizer imposição — contrariando o espírito (ainda que muito pretérito) que origina histórico-sociologicamente a delegação de escolha conforme a vontade do detentor do poder.

O voto de Fachin pode até ser o vencedor. Especialmente em tempo em que o STF se arvora de legislativo onde não é necessário, político-partidário escancaradamente e a magistratura  em todos os níveis  dispensa princípios e fundamentos jurídicos para fazer prevalecer o “eu acho”. Mas será uma decisão burra. Que reflete a ignorância diante da origem de certos institutos que orientam este país que a cada ‘novo’ mais esclerosado fica. Sem falar no desrespeito à legislação que a reconhece.

A lógica de acolher o primeiro da lista sempre foi respeitada por administrações petistas em nível federal. Mas, o antipetismo falando mais alto, tal uso era coisa de comunista, de esquerdopata, de bolivariano, de aparelhamento, etc. etc.

Ah! Para não perder o bonde da idiotice política: a Confederação Brasileira de Vôlei pretende punir a jogadora que, depois do jogo, criticou o inquilino do Alvorada. Mas esquece de uma dupla masculina que fez, em plena quadra, apologia e propaganda do inquilino. Coisa da linha “eu acho”.

No particular, gente que para chegar lá nem mesmo carece de integrar ‘lista tríplice’.

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