domingo, 10 de janeiro de 2021

A fábula a que chegamos

 Quando insistimos no tema não fazemos buscando proselitizar em relação a este ou aquele. A circunstância de existir este ou aquele decorre do fato elementar de que tudo que ocorre na sociedade diz respeito a um este ou aquele. Conforme quem veja qualquer deles — ou a circunstância que motiva — este pode ser aquele e vice-versa.

No particular chama a atenção quando este ou aquele é vítima de um sistema que não admite concorrentes. Seja Assange, destruindo a ‘verdade’ estadunidense, seja o manuseio de instrumentos estatais (judiciais, legislativos, policiais) contra este ou aquele cidadão para corresponder a interesses privados, alguns muito particulares em seara tupiniquim.

E voltamos ao que nos motiva escrever, posto no primeiro parágrafo. O que gira em torno deste ou daquele. Em entrevista concedida ao Canal 247 o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos destaca: “A credibilidade do sistema judicial brasileiro depende de anular a condenação de Lula”.

Redigimos neste espaço, aos 22 de novembro do ano findo, "Direito, STF, democratas estadunidenses, Lula e leituras". Fundávamos nossas considerações no “’Manifesto de solidariedade internacional ao presidente Lula e pela votação do habeas corpus pelo STF’, subscrito por 356 líderes e intelectuais em diversos ramos”.

E refletíamos:

Nossa leitura é outra: não a temos como pedido em favor do ex-presidente. Pelo contrário: há no manifesto uma clara defesa do Direito que deve ser aplicado de forma equânime". 

E afirmávamos:

"E, mais grave, muitíssimo grave: parcela respeitável da comunidade jurídica internacional duvida do Julgador brasileiro. Este o aspecto mais grave — mesmo inimaginável — posto à luz na manifestação”.

 

Quase 60 dias daquele registro. E nos vem Boaventura novamente tocar na ferida, clamando por “credibilidade do sistema judicial brasileiro”, que estará indelevelmente maculada caso não anule a condenação de Lula, escândalo dos maiores nos registros da história da Justiça no planeta. Aqui não há uma particularidade como a denunciada por Émile Zola, em “J’acuse’, no que se tornou o famoso Caso Dreyfus, mas a escancarada bocarra de um poder que se faz casta no país de famintos, de desempregados e de sem vacina. Do poder responsável diretamente afirmamos peremptoriamente por tudo que está a nos ocorrer.

Um dedicado leitor nos encaminhou uma relação que supera cinco dezenas de envolvidos no escândalo do judiciário baiano. Agradecemos e lhe dissemos que está a faltar muita gente de agora e de antes. E não enveredamos em torno de outras honrosas carreiras de Estado maculadas por nada honrosos ocupantes.

A manifestação do sociólogo português Boaventura de Souza Santos é a reafirmação de que a luta desta terra brasilis diz respeito a sair do luto em que está: luto por mais de 200 mil mortes pelo Covid-19 atestadas e por outras milhares omitidas ou que virão inexoravelmente; luto por havermos perdido a credibilidade política e diplomática; luto por termos de conviver com o permanente alerta de que uma injustiça perpetrada neste país permanece porque a instituição maior se nega a fazer a Justiça que deve não só ao condenado sem provas mas a todos os que um dia acreditaram que o Poder Judiciário (onde se destaca o STF) seria o último bastião para os desalentados.

Ou, talvez careçamos a nos habituar, como na fábula, e permaneçamos o cordeiro que tenta convencer o lobo de que quem está abaixo (jusante) não suja a água de quem a bebe acima (montante).


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