domingo, 21 de fevereiro de 2021

Dois instantes por trás de biombos

Cena 1Bem melhor o ‘bom menino’ de Carequinha

O ilustre nada a braçadas largas. Como gosta. Entrevista aqui e ali. Mídia. E vai burilando os fatos à sua versão de bom menino. O bom menino que defende a democracia. O bom menino que combate a corrupção. O bom menino que defende as instituições etc. etc.

À BBC News Brasil Sua Excelência, ministro do STF, Gilmar Mendes descobriu o que ninguém sabia: o conluio criminoso entre juízes e procuradores da ‘lava jato’ que derrotou Lula em sua pretensão de tornar-se candidato (aí com singular ajuda do STF), a manipulação do processo eleitoral e, consequentemente, a ascensão do inquilino do Alvorada ao poder.

Tratamos de hipocrisia no dominical passado razão por que o dito cujo  já sabemos  vestirá muito chumbo para ocupar uma nova vala a ser aberta no oitavo círculo do Inferno de Dante destinada apenas a ele.

Mordendo e soprando vai tecendo sua função política ao sabor dos interesses da classe dominante a quem sempre serviu desde que encastelado no PSDB de FHC, que o guindou ao STF sob profundas críticas de personalidades do mundo jurídico. Basta  para que percebamos quem é o indigitado , o que sobre sua indicação escreveu o jurista Dalmo de Abreu Dallari, na Folha de São Paulo, em maio de 2002:


Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”.

Não fosse quem é e o que representa bem melhor seria que o ‘bom menino’ Gilmar Mendes liderasse seus pares numa cantiga de roda e diante de um quebra-nozes qualquer apenas ouvisse Carequinha: “O bom menino não faz xixi na cama...”.


Cena 2: Gáudio

Assim observamos certas coisas que andam a nos acontecer. O imediato sempre a tônica da interpretação. Nunca as razões por quê.

Nesse (des)andar o deslumbramento cívico ocupa algumas mentes ‘cidadãs’  não poucas  por que a Câmara reconheceu prisão de um deputado decretada pelo STF.

O que não estão refletindo diante de tamanho júbilo cívico diz respeito ao porquê de tudo acontecendo.

A dimensão energúmena da figura grotesca alçada à Câmara graças a uns trinta mil admiradores não encontra deste provinciano cronista o menor respeito. Como também a tantos outros.

No entanto, imaginar que o dito cujo promoveu arroubos sponte propria nos soa pueril. Mesmo porque viu uma colega de valentia ser levada às grades por fatos semelhantes. Mas o fez.

Euforia com a possibilidade concreta de perda do mandato depois que os colegas mantiveram respeito à decisão que levou à cadeia. Não escapará de processos e condenações judiciais. Até para servir de exemplo a outros também afoitos de que os He-Man e o seu “eu tenho a força” estão vivos.

Mas eis o busílis: o que ganha a democracia brasileira com o fato centrado nesta figura abjeta? Tende o país à segurança diante de concretas rebeliões alimentadas por milicianos, a pataiada vestida de amarelo e armada em defesa do pato, parcela de policiais civis e militares em permanente estado de alerta, a gloriosa UDR armada até os dentes, a milícia religiosa de Edir Macedo desfilando pretorianamente e quejandos outros e mesmo aquele punhado de imbecis que arranjarão uma garrucha dois tiros e uma carreira para defender os seus ideais?

Claro que não, caro e paciente leitor. Tudo permanece como d’antes no quartel de Abrantes.

O risco que temos aqui denunciado mais se consolida e a fogueira que o alimenta a cada dia recebe mais combustível.

O energúmeno que motiva toda esta estesia não só tem aquelas três dezenas de milhares de admiradores que o elegeram no Rio de Janeiro atingindo múltiplos orgasmos quando o brutamontes arrancou e quebrou uma placa de rua que homenageava a vereadora Marielle Franco (uma história mal resolvida porque gente ocupando altos escalões no Planalto Central está envolvida).

Não, caro leitor, o perigo reside justamente aí: quando o Estado não se impõe ao respeito a coisa não anda nada boa.

Lembramos na edição passada (não custa relembrar) do pacote em andamento contra a civilização tupiniquim:


“Ampliação do direito ao porte de armas; propaganda de armas na televisão, rádio, revistas e jornais, redes sociais e aplicativos; a excludente de ilicitude (que visa beneficiar policiais, que passariam a matar “em legítima defesa”); redução da maioridade penal; exploração mineral em terras indígenas; ensino domiciliar na educação básica etc.”

Não esqueçamos da vocação a gendarme tupiniquim que norteia o militarismo brasileiro desde os primórdios da campanha republicana nos estertores do Império: pretendia ele ser o “grande pai da pátria”, o poder moderador ao qual todos e tudo pestassem vassalagem; que essa mesma gendarmeria protegeu o inquilino do Alvorada e deixou de expulsá-lo da corporação por terrorismo preferindo reformá-lo e mesmo deixou-o se lançar candidato de dentro da Academia Militar das Agulhas Negras; a corporação que fez inserir na Constituição tal vocação no Art. 142.

Sem pretender minimizar o fato que levou à prisão do deputado  justa em si, ainda que proferida por um STF que tem se calado ou mesmo praticado absurdos contra o direito, inclusive alimentando toda a tragédia que vivemos  enquanto aplaudem a canja de oxigênio para as instituições o que está sendo preparado contra elas é coisa de ser aplaudida efusivamente por Satanás.

Não, caro leitor, a coisa não é tão simples. Está tudo armado (em planejamento e materialmente) para que tudo permaneça, incluindo um governo que já abriga cerca 4% da tropa em escalões governamentais que garantem sinecuras singulares.

Por isso voltamos ao dito cujo: não está só. 

Assim, trilhemos a vocação inversa e não sejamos hiena (ri, ainda que coma carniça), não tenhamos como terra firme o pântano em que pisamos.

O problema não está nos idiotas travestidos de representantes do povo, mas em quem se esconde dizendo não fazer política e o faz diuturnamente.

E, diz a velha sabedoria, muito apropriada ao instante: canja de galinha e cautela nunca fizeram mal a ninguém.

Também não esquecer que biombos existem para esconder alguma coisa.


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