Eis-nos diante de um ministro do STF,
fisionomia condoída, “perturbado” e querendo entender “como permitimos isso
acontecer”, o que “fizemos de errado para que institucionalmente produzíssemos
isso, um setor que cria sua própria constituição e opera seguindo seus
sentimentos de justiça”.
O posto no primeiro parágrafo colhemos de Eric
Nepomuceno no 247. O excelentíssimo em tal estado de inocência perplexo com o
que se tornou a ‘lava jato’ — reconhecido
pelo articulista Gaspard Estrada, do NYT, como “o maior escândalo judicial da
história” — tem nome:
Gilmar Mendes.
Promovido o intróito que nos leva a este
dominical, convocamos o caríssimo e paciente leitor a ratificar conosco o
significado de hipocrisia através no
atual “pai dos burros”, a Wikipédia:
Hipocrisia é o ato de fingir ter crenças, virtudes, ideias e
sentimentos que a pessoa na verdade não possui, frequentemente exigindo que os
outros se comportem dentro de certos parâmetros de conduta moral que a própria
pessoa extrapola ou deixa de adotar
Mas Dante não conheceu algumas peças desta
singularidade chamada Brasil. Muito provável que criasse/arranjasse uma vala
muito especial, dentro do oitavo para o “perturbado” Gilmar Mendes, porque sua
conduta exigiria muito do chumbo existente na Terra para vesti-lo.
Por que o ilustre ministro do STF nos serve de
apoio ao presente texto? Porque —
para
nós — é ele o expoente singular da
hipocrisia encastelada no STF, representando uma parcela considerável dos que
ali estão.
Ilustremos o raciocínio por etapas.
Noticiado o absurdo. Cômodo, porque
conveniente, explorar a mesquinhez funcional (pautada no que se tornou comum
entre parcela considerável do Judiciário, do Ministério Público, sem falar no
papel decisivo de Procuradores da República em todos os níveis: atuação
político-partidária) exposta por uma procuradora, Carolina Rezende: “Precisamos
atingir Lula na cabeça (prioridade nº 1)”.
Partindo de uma indagação primária: teria ela,
em si e funcionalmente, competência institucional para materializar o que
disse? Claro que não. Sabia-o, no entanto, que não estava só. Tinha do juiz de
Curitiba ao STF, passando por TRF-4, STJ, Procurador-Geral da República e
quejandos outros, o apoio à sua pretensão. Apenas mera agente do absurdo por
cometer.
Um general do exército (não o de Caxias, razão
por que com letra minúscula, revisor!) confessa —
sem
qualquer preocupação com a Constituição da República, tampouco com as
instituições jurídico/judiciárias —
que
pressionou, depois de decisão conjunta do alto comando da arma, para que o STF
julgasse contra o Direito e negasse um habeas
corpus a Lula em 2018. (247)
Um vice-presidente (também com minúscula, revisor!)
confessa que tramou contra a instituição republicana para ascender ao poder (o
que certamente lhe assegurou lugar cativo no nono círculo do Inferno).
No imediato da declaração do general
sublevador, o ministro Lewandowsky publicou artigo na Folha, do qual
destacamos, a partir do 247:
“E mais: para desencorajar possíveis tentações autoritárias,
a Lei Maior prudentemente prevê que o chefe do Executivo e seus subordinados
respondem por crime de responsabilidade, ou mesmo comum, pelo cometimento de
eventuais excessos no exercício dos poderes extraordinários".
Ultrapassemos a decantada hipocrisia e
acolhamos a preocupação de Lewandowski. Partamos para a realidade, em torno da
qual uma nada velada vocação do inquilino do Alvorada para perpetuar-se no
poder — se possível,
não custa tentar — não está
em horizonte distante.
No imediato da vitória retumbante, elegendo
presidentes da Câmara e do Senado, tudo começou a andar e de lambuja a
autonomia do Banco Central foi sacramentada na Câmara Federal (339 x 114) mesmo
em dia em que a casa não estava cheia (faltaram 60 deputados). Com nada mais,
nada menos que 75% dos votos presentes a vitória do sistema financeiro-bancário
poderia ser bem maior.
Este escriba de província — indignado com os hipócritas
(políticos, magistrados, ministros, procuradores etc.) a serviço da tragédia
que se abate sobre o país — indaga,
altaneiro: quem duvida de que a pauta sonhada pelo inquilino do Alvorada não se
materialize?
Ampliação do direito ao porte de armas;
propaganda de armas na televisão, rádio, revistas e jornais, redes sociais e
aplicativos; a excludente de ilicitude (que visa beneficiar policiais, que
passariam a matar “em legítima defesa”); redução da maioridade penal;
exploração mineral em terras indígenas; ensino domiciliar na educação básica
etc.
Por razões tais não cremos em dias melhores.
Cidadãos armados e polícias amparadas em suas ações letais (que se tornarão “legítima
defesa”) tenderão a assegurar o golpe maior: tornar o país uma ditadura
militar, ampliar o poder das milícias e calar qualquer voz contrária. Afinal,
as mordomias e sinecuras, incluindo alimentares, não podem ser privilégio
apenas do Judiciário e devem manter-se nos quartéis.
Na esteira da fala de um general golpista e do temor revelado por um ministro do STF (que não tem quem ponha o guizo institucional onde devido), temos que um outro ministro do STF está vitorioso no que tanto buscou — ainda que “perturbado” — e, sem dúvida alguma, trouxe para a pátria da hipocrisia aquela primeira pá de cal que acaba de ser lançada no sonho de democracia.
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