domingo, 25 de abril de 2021

A campanha começou anunciando farsa

 

Nas primeiras linhas d’ “O 18 de Brumário de Luis Bonaparte”, trazendo a lume Hegel (Preleções sobre a Filosofia da História, Terceira Parte) e ao seu comentário de que “todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes”, afirma Marx que “Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. (Aqui disponibilizamos edição eletrônica da BoitempoEditorial, com tradução de Nélio Schneider, que inclui prefácios imprescindíveis à leitura e ao bom leitor para entender, inclusive, o que ora acontece no país).

Longe do palco que norteou Karl Marx, Marcuse, Engels, Proudhon não temos que a História que nos afeta se repita ‘como farsa’. Cremos que a farsa (pior que a tragédia) é uma constante. A propósito – apenas para provocar a leitura – aproveitemos a deixa posta na Nota da Editora aventando dentre as conclusões de Marx: “a tese de que o proletariado não deve assumir o velho aparato estatal, mas desmantelá-lo”. Que o diga a esquerda tupiniquim, sempre preocupada com as alianças e esquecendo de trazer para o palco o destinatário da luta, o próprio povo.

Mas, adiante com nosso dominical.

Exibindo os dentes do que dispôs, dispõe e disporá, a campanha do inquilino do Alvorada para permanecer no poder muito mais daqueles que se beneficiam de seu (des)governo acaba de ser lançada. Assim nos parece.

De certa forma ajustada à realidade há uma espécie de alae jacta est e dela nos aproveitamos. A expressão, atribuída a Julio César (100 a.C-44 a.C), de atravessar o Rubicão com suas tropas para enfrentar os encastelados no Senado em Roma, que buscavam afastá-lo do poder, encontra nesta realidade tupiniquim uma contraposição idêntica, quando nada, assemelhada: o ingresso do nome do ex-presidente Lula como candidato em 2022 e o que pode representar de incômodo para o atual detentor do poder.

Em Roma daquele 52 a.C. quando acabara de derrotar e subjugar Vercingetórix (quem já leu ou lê “Asterix, o gaulês”, de Goscinny e Uderzo, em que cada instante histórico é posto sob o prisma da hilariedade, compreenderá melhor) ­ o Senado impunha a César que dispensasse seu exército e retornasse a Roma como simples cônsul. Uma forma simples de destituí-lo do poder que concentrava como imperador desde que o triunvirato se desfez com a morte de Crasso e Pompeu se tornara adversário.

Aqui o risco paira na realização de eleições limpas com candidato altamente competitivo, com o agravante de que possam exigir debates com quais o inquilino não se afina. Afinal, sonha ele em atravessar, antes de 2022, um ‘rubicão’ chamado golpe.

Mas, indagará o caro e paciente leitor: onde a campanha lançada? E quem acabou de lançá-la?

Sabido e consabido que os métodos que levaram o inquilino ao poder pautaram-se em vários aspectos, sendo o primeiro deles o impedimento de Lula candidatar-se, e mesmo de participar da campanha. Aliado a isso, um processo eleitoral apoiado em mensagens mentirosas (as famosas fake news) e, como fosse pouco, um lance singular: uma facada sem sangue, sem cirurgia, para ocupar o noticiário, desviando do real debate necessário o processo eleitoral. Para consolidar o método o apoio salivante da mídia, deslumbrada diante da única saída de que dispunha para defesa do projeto e agindo como cão de Pavlov.

Sem programa de governo capaz de levar à discussão o inquilino escancara através de seus áulicos o método a ser utilizado: o mesmo. Com facada e tudo. (A facada tem o condão de justificar sua ausência em debates).

Por azar das circunstâncias que criou e não soube administrar, ele que imaginava nadar de braçadas sem candidato competitivo, está diante da única coisa que não desejava: Lula. De quem se livrou graças a Sérgio Moro (a quem agradeceu de público e premiou-o com o Ministério da Justiça) e Procuradores de Curitiba, desmoralizados pelos fatos trazidos a público e hoje nada mais que resto de traque queimado.

Para não perder tempo o ilustre ‘inquilino’ acaba de ver lançada por admiradores a campanha à sucessão, caso tomemos a irresponsabilidade de Leda Nagle anunciando em rede (UOL) que o indigitado está ameaçado de morte. Mesmo desmentido posteriormente o tema viralizou, especialmente em meio aos apoiadores do singular messias tupiniquim.

Não sabemos se a farsa do atentado se repetirá. E, se repetida, funcionará.

Mas, como anúncio de campanha este escriba de província não a descarta porque, no fundo, vivemos uma típica farsa: a de que somos uma nação, temos instituições sólidas, vivemos numa democracia... e o inquilino preside o país.

E que o expresso por Herbert Marcuse, como Prólogo publicado em 1965 sobre o 18 Brumário, não faça com que este país se transforme “num aparato político-militar encabeçado por um líder ‘carismático’ que tira das mãos da burguesia as decisões que essa classe não consegue mais tomar e executar por suas próprias forças”. Porque “a farsa é mais terrível do que a tragédia à qual ela segue”.  

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