Nossa lucidez começa a impor a afirmação: “Nada
temos contra o inquilino do Alvorada”; apenas sobreviver por mais um ano e
alguns meses. Certo que a altivez e orgulho próprio nos levam ao 'apenas'. Como
condenar quem pratica a cada minuto uma agressão e permanece onde está, alcançado
por comedidas opiniões desta augusta classe dominante? Sempre vocacionada não a
destruir o país, mas a aprofundar a destruição que causa há cinco séculos.
A indignação que move este escriba de
província mais se aprofunda diante do processo de reação às ‘sutilezas’ do dito
cujo: o mesmo ramerrão, o mesmo ‘deixar sangrar’ para assegurar espaço que não
soube manter. Não podemos —
e
não seríamos justo – cobrar o passado incompreendido, mas não é suportável ausência
de demonstração de que compreendeu o nível dos pecados.
Dia destes um paciente interlocutor levantava a conformada ponderação: “O Brasil precisava passar por tudo que está passando”. "Não tanto" – dissemos. Afinal, escravos não mais negros, índios; mas toda a geração que nasceu e está nascendo e que não integre o alto extrato da burguesia nacional. E que a dimensão da tragédia é tamanha que se torna exagero admiti-la como ‘aprendizado’.
As coisas erradas sendo aquecidas para o caldo
do esquecimento e admite-se tergiversações em torno delas.
O ministro Gilmar Mendes, por exemplo,
reconhece/confessa haver impedido a posse do ex-presidente Lula como Chefe da
Casa Civil pautado na hipótese de que havia sinais de ‘desvio de finalidade’ (247).
Ou seja, ‘havia sinais’, não provas ou indícios, tanto que admite ter sido
induzido a erro. O famoso ‘eu acho’ que norteia esta singular juristocracia
pátria (aqui). Presumiu (confessa) enxergar um “desvio de finalidade” (que lhe
caberia avaliar a posteriori) em ato
próprio inerente à competência de um chefe de Poder Executivo (no caso, da
Presidente da República) de nomear e exonerar no que diz respeito aos cargos de
livre nomeação, aqueles denominados ‘de confiança’. Esqueceu Sua Excelência de
dizer que a petição por ele despachada fora subscrita por gente vinculada ao
seu Instituto, o que leva o autor a “presumir” (achar) que foi orientada pelo indigitado ministro.
É isso ‘cara pálida’. Fala como se nada de
errado houvesse cometido e nem se curva ao fato de que tal postura é uma das
peças que desencadeou a tragédia que aí está, tudo a partir de uma escuta
clandestina efetivada por um juiz envolvido no “conserto” com o ministério
público para fazer política.
E mais disse Sua Excelência: “O Brasil precisa
repensar seu sistema de Justiça” a partir de análise do Mensalão e da Lava
Jato, processos considerados por ele como um modelo autoritário (ah! augusta juristocracia!).
Antes, em seu voto no julgamento do Mensalão o
ilustre ministro Gilmar Mendes fazia referência à existência de dinheiro
público, ainda que o inquérito 2474, requisitado pelo relator Joaquim Barbosa, desmentisse
isso, tanto que o escondeu dos pares. Mas sua Excelência ‘achou’ que havia ‘dinheiro
público’ e condenou por corrupção quando deveria fazê-lo por caixa 2.
E nesse diapasão tudo aconteceu no palco daquele
surrealismo jurídico-midiático. Incluindo o histriônico voto da ministra Rosa
Weber afirmando que não via ela prova
contra José Dirceu, mas a ‘literatura jurídica’ a autorizava condená-lo. Arre!
Aparece um jornalista investigativo e
demonstra (o que para os lúcidos sempre foi visível) que aquela ‘facada’/fakeada fora programada etc. etc. Não falta representação na imprensa para ‘desmentir’.
Rachadinhas aqui e alhures, milícia, corrupção
em ministérios etc. etc. Genocídio se aproximando de 600 mil mortos por
Covid-19 e não temos nem 20% da população vacinada com duas doses. Atividade
econômica despencando quando comparada com a década anterior. Inflação e custo
de vida nas alturas, desemprego e fome.
É dose para leão, caro e paciente leitor,
conviver com tanto cinismo. O povo não participou, portanto ‘não precisava
passar por isso’ —
disse
ao nosso interlocutor. Tanto que parte dela, convencida pelos áulicos de
sempre, que votou no inquilino do Alvorada, hoje declina de repetir o erro.
No entanto, a classe dominante encastelada em
todos os segmentos de poder (ou pela força do dinheiro ou dos interesses
individuais os quais defende com unhas e dentes) transita faceira por entre os
escombros, lamentando apenas não estar faturando mais. Encastelada no Congresso
porque controla a maior parte da representação; no Judiciário (especialmente em
suas altas cúpulas) para que tenha decisões e interpretações que lhe sejam
favoráveis. Para ela, detentora do poder econômico, nada mais existe que seu
próprio umbigo, elevado aos píncaros de deidade.
Presidente da FIESP (golpista de primeira
hora) ajustando o freio de arrumação mais visando a manutenção das atuais
políticas econômicas.
Assim, sentimo-nos insignificante diante de
tanto apoio ao inquilino. Na realidade, como diz o ex-ministro Eugênio Aragão
(o acerto de Dilma nos estertores depois de errar durante anos com José Eduardo
Cardozo no ministério da Justiça), no momento as ‘elites brasileiras’ puseram
uma ‘coleira’ no chefe do governo ao fazê-lo divulgar a missiva elaborada por
Michel Temer (247).
Verdade absoluta: afinal, traduz ele, em
plenitude, a mais perfeita representação do que é essa “elite branca” (Cláudio
Lembo), “do atraso” (Jessé Souza). A ‘elite’ que de modo algum demonstra não
desejar a permanência do presidente que ‘elegeu’.
E assim estamos aprendendo a não ter nada
contra o inquilino do Alvorada. E sim contra os que o sustentam direta ou
indiretamente.
Que invadem nossos lares através dos meios de que
dispõem e controlam nos fazendo de palhaços.
E mesmo confessam posturas espúrias, como a existência
de uma velada juristocracia.
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