domingo, 12 de setembro de 2021

Aos da farinha do mesmo saco “as batatas” e o apelo a crer na “boa fé”

 



Guimarães Rosa cunhou, através de Riobaldo: “viver é muito perigoso”; Mafalda, personagem do cartunista argentino Quino, estende a uma outra vertente o perigo: “Viver sem ler é perigoso, te obriga a crer no que te dizem”.

Entre os sertões e veredas de Riobaldo e esta contemporaneidade não descuramos de perceber a acentuada visão posta por Mafalda. Que se agrava diante de um fato singular: há gente que se imagina capaz de entender porque estudou. Aí o busílis: ler (quando lê) e não entender o que leu. Daí para aquele universo levado a “O delírio e ‘vade retro satana’” nenhum óbice.

Mas o que deve ser criticado não é somente o que não lê, mas o que lê e não entende. E o pior deles, o que se dizendo lido promove severa discussão com quem não lê para provar que o supera por haver lido. Confuso, parece!

Na esteira da tirinha que trazemos de Mafalda podemos acrescentar: é muito mais perigoso ler sob encomenda e fazê-lo sem dispor da mínima condição de dialetizar, de comparar fatos  em busca de uma conclusão, de desconhecer o passado como lição e o presente como passo para o futuro.

Mas, caro e paciente, leitor enveredamos por este trilhar diante dos esgueirares de membros do STF e o inquilino do Alvorada no curso desta augusta semana em que as instituições entraram no ringue e dele saltaram para o terreno da galhofa. Trocaram farpas aqueles, sentindo-se feridos por este.

Dispensamo-nos por respeito ao leitor do registro de Carl Jung em seu livro de memórias (Memórias, Sonhos, Reflexões), mais ou menos nos seguintes termos: ‘Aprendi a não dizer aos outros o que não podem entender”. Eis um caminho para os que cultuam a sensatez. Mas não o somos a contento.

Em meio às diatribes na troca de farpas entre o inquilino e membros do STF temos que aquele se sai vencedor, ainda que desmoralizado e acovardado. Não porque tenha formação intelectual e nesse terreno os tenha superado, mas por ter sido competente em trazer para seu palco de batalha algumas daquelas singulares Suas Excelências.

O que as levou a caírem no fosso deixa a pensar! No palco deste não menos singular mambembe esculachar é aula de Latim e Grego, partitura de Beethoven, texto de Machado de Assis. Essa gente não lê Milton Santos, Celso Furtado porque são comunistas tampouco interessa saber quem foram e o que fizeram D. Hélder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns etc. etc.

E olha lá um deles (das Excelências!) com toda a empáfia que a transmissão televisiva permite voltando a justificar a segurança do processo eletrônico-eleitoral do Brasil. Depois de ‘vencedor’ com a queda do projeto no Congresso insiste em provar.

Provar o quê? Que a dúvida persiste, caro leitor. Inclusive nele.

Fazemos de nossa parte a leitura que outros não fazem: das responsabilidades de cada um no atual processo de desagregação e desestruturação institucional do país regido pela cegueira mental, que é a pior forma de cegueira.

Os que desceram do patamar para guerrear na planície formaram turbas/tribos diversas, mas – pelo nível da logística e da estratégia da batalha – tornaram-se farinha do mesmo saco.

Não precisa ser doutor (bastam os bons autores e as boas obras) para entender que de priscas eras formou-se no Brasil uma classe dominante que disputa com igual tear mundo a fora para saber quem mais medíocre na capacidade de olhar para o próprio umbigo como se fora ele a origem do mundo. “Elite branca” (Cláudio Lembo) ou “Elite do atraso” (Jessé Souza) fez dela derivar uma classe média – mais pequeno-burguesa que outras tantas – que alimenta no curso da história uma sub-intelectualidade boçal, iletrada, desinformada, invejosa e odienta, em especial diante daqueles que a superem em informação e conhecimento.

No fundo, um conflito de classes dela se origina sem que disponha do minimo minimorum em nível de informação absorvida. Sua burrice, em muitos casos, deriva da exploração alheia até no fazer provas antigamente às custas de colas fornecidas pelos menos favorecidos. Resulta daí o ódio por aquele que aspassou mas que não é da mesma classe.

E não se trata, caro e paciente leitor, de transitarmos por níveis de escolaridade. Este é o biombo que também se expressa naquilo que denominamos de “cultura da certificação”. Ou seja, de o ‘certificado’ falar por si, ainda que quem o detenha possa tê-lo conseguido por vias pouco escrupulosas, alguns, inclusive, respondendo a apurações criminais. Muitos frequentaram altos níveis de escolaridade mas somente sentaram nos bancos escolares e responderam avaliações em limite mínimo necessário à aprovação, que nesta terra brasilis em geral é 5,0.

Eis que descobrir o ‘conhecimento’ das coisas, interpretar o que diante de si exista, trilhar por saberes lógicos e racionais incomoda aos que negam o pensamento crítico como meio de pensar e ver o mundo que não lhes interessa porque lhes foge a capacidade de desenvolver qualquer liame de uma consciência crítica.

É a turma que não aprendeu, portanto não sabe, e crê em qualquer coisa que lhe digam sem pestanejar. Formam uma enciclopédia de páginas vazias sem capa.

Caro e paciente leitor, estamos sob permanente estado de vigília. Bem que podíamos – parodiando Guimarães Rosa, “acordar de alguma espécie de encanto” outro, não este que nos acomete e atordoa. Deixarmos de estar “no meio da travessia”. Afinal não custa esperar “Deus é paciência. O contrário é o Diabo”. O que não podemos perder é “a vontade de ter coragem”.

Mas, duro mesmo é ouvir de Sua Excelência, o ministro Gilmar Mendes, do STF (um dos artífices de tudo que aí está) não sabemos se por autocomiseração, velado pedido de perdão e quejandos outros que lhe são próprios, quem sabe(?) uma vocação masoquista declarar que “é preciso acreditar na boa fé” do inquilino do Alvorada. Como desconhecemos nele qualquer veia humorística temos que sucumbe à delirância.

Para esse “campo de batatas” em que se tornou a terrinha de todos nós, em nível de rés do chão — sem Rubião como interlocutor — convergem não só “duas tribos famintas”, mas, em desespero por mais espaço, militares fora dos quartéis, pentecostais e carismáticos longe das igrejas, e loucos de todo o gênero longe dos hospícios que passaram a formar uma estranha consciência de um pensamento inusitado que assola o país.

Decididamente “viver é muito perigoso” em meio a certas expressões/personalidades que povoam esta que já foi ‘terra de Mãe Preta e Pai João’. “Navegar” não mais “é preciso”  negam, os da lagosta e caviar, o repensar de Fernando Pessoa, que trouxe ao seu idear o "Navigare necesse; vivere non est necesse" proclamado por Pompeu (general romano, 106-48 a.C.)  bastando “acreditar na boa fé”!  

A eles “as batatas” diria Quincas Borba. Mais sadia a Humanitas do ‘bruxo do Cosme Velho’ que a “boa fé” desta contemporaneidade.


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