domingo, 5 de setembro de 2021

Voto impresso versus juristocracia — Conclusão

 

Diante das observações anteriores temos que uma última premissa se impõe analisar, qual seja o porquê da celeuma em que se tornou o ‘voto impresso’: cavalo de batalha, cavalo de Troia, biombo para um jogo no campo político-eleitoral.

Dois lados conflitam em relação ao ‘voto impresso’: um, contra; outro a favor. E cada um manuseia o biombo conforme seu interesse. Nenhum preocupado com a Democracia que diz defender. Razão por que por trás de cada uma das posições no atual processo de discussão não está em jogo qualquer dimensão que a tenha sob a ótica democrática ou o mais importante instrumento de legitimação do processo eleitoral quando salvaguarda o direito à irresignação (pedido de recontagem) ou de auditoria do sistema, o que seria apenas mais uma forma de controle externo dos vários existentes no país.

Sob esses aspectos que deveriam ser o crucial centro de atenção todos os atores que se fizeram presentes no palco da discussão passaram ao largo dele.

Cabe-nos aqui ponderar em torno dos contra uma vez que os argumentos a favor (negados em nível de discussão) já foram expostos anteriormente. Aliás, fácil vislumbrar que os argumentos utilizados por aqueles que são contra não se fazem permeados da lucidez jurídica imprescindível quando se afastam (ou afastam do tema) fundamentos e princípios inalienáveis de Direito.

Assim, alheados da realidade o que os norteia remete-nos então por indagar em torno daquele famoso “a quem” ou “a que interessa”.

Da mídia e da FIESP nada a comentar, sabido e consabido os interesses que defendem. E seus interesses estão sempre vinculados à conquista do poder e sua manutenção, ou seja, manutenção de quem possa assegurar históricos privilégios.

No entanto o ministro Roberto Barroso (STF/TSE) ‘democrata’ como poucos, dirão os encantados pela naja liderou a contrariedade à proposta justificando-o em defesa do processo democrático. Justamente uma figura à qual cabia entender razões principiológicas que norteiam o Direito, uma vez que está claro que no atual sistema não há qualquer possibilidade de recontagem, tampouco de auditagem do resultado (não confundir com auditagem da urna), o que nega o direito recursal em qualquer de suas formas.

Dizemos isso porque não queremos crer que sua posição (do Ministro) tenha se originado do fato de a ela haver aderido o atual inquilino do Alvorada (aliás, o maior cabo eleitoral contra ele mesmo), que insiste no mesmo método levado a efeito pela extrema-direita estadunidense e de logo prepara o espírito para uma fraude em 2022 (caso perca as eleições, naturalmente).

De Sua Excelência (que não lembra por conveniência) não esquecemos que defendeu o impeachment sem crime da ex-presidente Dilma Rousseff porque a tramitação na Câmara se fazia correta para o seu augusto entender. Ou seja, negou o que qualquer aprendiz de feiticeiro em Direito sabe, de que em casos tais o formal (o processo de impeachment) carece do material (crime); sem crime o processo pode ser obstado por falta de justa causa, o que um simples habeas corpus assegura, mas os senhores do STF (em maioria) disseram que não.

O que nos deixa com aquela pulga atrás da orelha diante da posição de Sua Excelência é o fato de negar o escorreito em favor de quê? Ao alimentar a dúvida não há certa confissão de que o sistema atual apresenta falha (fato comprovado e pouco divulgado)?

Cumpre ressaltar que a presença do inquilino do Alvorada entre os que defendem o ‘voto impresso’ gera um posicionamento muito ‘contra ele’. E a antipatia que tem gerado no seio de segmentos sociais leva à defensiva.

No entanto, não vemos no 'inquilino do Alvorada' nada além do que ele é. O que diz sobre o tema gira apenas em ver repetido o que o 'grande pai do Norte' ensinou (e voltou aqui através de agente estatal para discutir, entre outros, temas de seu interesse).

Outrossim, não se diga que o contingente contra o voto impresso se limitou a searas à direita porque a esquerda enveredou de corpo e alma na função de ópera bufa em que se tornou a discussão: ser contra ou não. No caso dela, contra porque o inquilino a proclamava.

A opinião deste escrevinhador de província vai mais além, no campo prático: fizeram o jogo do 'inquilino do Alvorada' os que atribuíram a ele possível caos com implantação do voto impresso para fins de conferência de resultado/recontagem. Até porque o indigitado não é salvo prova em contrário em termos de sanidade e competência, capaz de entender a realidade sob o prisma do 'direito à irresignação'.

Finalmente, fizeram o jogo do inquilino os que o combateram no campo por ele posto, nivelados a ele. Poderiam tê-lo deixado a ver navios, sem qualquer argumento para mobilizar o seu 'exército' em defesa de um golpe. Diluiriam seu argumento, bastando aceitar algo que é lógico.

No entanto, deram-lhe o argumento que não tinha e palanque para ameaças às instituições e ensaiar o ‘seu’ golpe.

No caldeirão ou na rede caíram todos. Engambelados pelo argumento vazio de que o voto impresso constituía retrocesso diante dos avanços do processo eleitoral se não regido por ‘sua excelência’ a urna eletrônica elevada à categoria de ‘divindade’ com todos os seus atributos: onipotência, onisciência e onipresença.

Por fim, os que acreditam nos postulados à esquerda de defesa de uma sociedade mais igualitária costumam confundir o que acreditam como o que se faz para por em prática o que imaginam acreditar.

Essa a razão por que muitos embalados de mala e cuia na defesa que a esquerda fez do processo eletrônico como existe nesta terra brasilis, a ponto de negarem o mais sagrado dos princípios: o da irresignação jurídico-processual.

Em meio aos avanços encetados pela sociedade brasileira de exercer o controle externo de instituições várias (inclusive do Judiciário) estranha a insistência do TSE em ser — em nível de eleições — uma típica empresa “única no mundo” que “projeta, fabrica, transporta, instala e opera urnas, organiza eleições, controla o eleitorado e os partidos e julga o próprio desempenho”, como observou comentário na internet (GGN).

Cremos que enquanto persistirem dúvidas sobre o processo eleitoral no atual formato a inteira impossibilidade de recontagem ou auditagem do resultado no sistema eleitoral brasileiro torna a alta cúpula do Poder Judiciário no ‘poder’ capaz de decidir quem deve vencer uma eleição.

Passível de manipulação que provem tal impossibilidade, basta admitir a auditagem na forma que venha a ser prescrita em lei cremos ser este o torreão que alimenta a resistência do STF/TSE em dispor de um processo transparente e confiável. Ele, que não demonstrou interesse no aperfeiçoamento quando pôde fazê-lo, a partir das eleições de 2002, vigorando a Lei 10.408/2002, que criara o voto impresso (revogados por Lula, em 2003, os dispositivos que o instituíam) e 6,18% do eleitorado o exercitaram na totalidade das seções eleitorais do Distrito Federal e do estado de Sergipe.

Não fugimos a perceber a existência de ‘gato na tuba’ desafinando a seriedade que se exige do processo eleitoral no quesito conferência ou auditagem do resultado, forma elementar de controle externo.

Além do horizonte vemos na postura do STF/TSE uma velada e nada disfarçada vontade de juristocrizar este país.

Sinais os há: STF manipulou o ‘caixa 2’ (crime eleitoral) e o transformou em corrupção (inclusive com Joaquim Barbosa escondendo dos pares o famoso Inquérito 2474 que ele mesmo requisitara a Polícia Federal para comprovar a existência de recursos públicos oriundos do Banco do Brasil, fato que o inquérito não encontrou e que inocentava a todos por crime de corrupção diante da ausência de recursos públicos); o mesmo STF que ‘inventou’ prisão com condenação em 2ª entrância ainda que a Constituição afirme o contrário; que referendou os atos praticados pela Lava Jato em desconformidade com a lei no tempo em que deveria tê-lo feito; o mesmo STF que se omitiu diante das aberrações que envolveram o impeachment e a destituição de uma presidente da República; inclua-se o TSE e sua temerária omissão diante de crimes perpetrados no curso de eleições, em especial aqueles cometidos por quem se tornou vencedor em 2018.

São sinais evidentes de que ‘quando eu quero eu faço’, ‘tenho o poder’ etc. etc. Para nós traduzidos em uma palavra, simplesmente: juristocracia, que significa


Sistema de governo, normalmente não democrático, baseado em decisões de juízes, magistrados, desembargadores, etc. Onde qualquer juiz de qualquer instância pode decretar o que bem entender se utilizando de mecanismos judiciais casuísticos para impor à sociedade, à (sic) um indivíduo ou instituição a sua percepção pessoal, ou servindo a uma ideologia ou grupo político em prejuízo da Ética, da Legalidade Moral ou dos anseios populares.” (Dicionário Informal)

Eis o porquê daquele jogo anteriormente referido (aqui) relacionado a “ um poder” que não quer se “bastar às suas funções institucionais”, pretendendo ser “capaz de investir não somente em temas originários do Poder Executivo ou do Poder Legislativo”, mas de tornar-se “contraponto ao defendido ‘poder moderador’ das forças armadas”, com força “capaz de interferir” na política, basta que municiado de apoios que não dialetizam a realidade.

Não lhe faltam os apoios da classe dominante e seus instrumentos (mídia e quejandos). E ganha (esperamos que tenha prazo) o valioso apoio da esquerda.

E assim, no jogo da juristocracia, a esquerda (de joelhos) confia nas instituições não confiáveis. As mesmas instituições que a afastaram (e às suas valiosas políticas públicas) do exercício do poder, não só alimentando (pela omissão) um golpe como inviabilizando a candidatura de um candidato oriundo de suas hostes praticamente eleito.

Mas, ainda há gente que prefere acreditar em Papai Noel e esquecer do que dizia Leonel Brizola sobre o sistema eleitoral eletrônico brasileiro sem voto impresso. Ele que sabia das coisas, desde que o Proconsult ministrou-lhe lições em 1962.


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