sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Um soco

Permanente 
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“Não faço cinema convencional” – afirmava Glauber Rocha, a genialidade desaparecida precocemente naquele 22 de agosto de 1981, aos 42 anos. Seu expressar refletia a consciente e constante fuga da dramaturgia convencional. 

A genialidade de Glauber reside (sempre residiu) justamente nesta circunstância de ‘revolucionar’, buscar estética e permanentemente a revolução pela câmera. 

Revolucionar em Glauber não é simplesmente o dimensionamento da linguagem que impõe em seus filmes, mas  assim entendemos  mostrar o que existe  a realidade traumática, sem concessões  e que o sistema não se habilita a ver ou reconhecer.

A percepção de Glauber em torno dos diversos elementos que compõem o conjunto expresso em seus filmes dota-o desta capacidade de percepção da realidade, A “ideia na cabeça e uma câmera na mão” nele é, antes de tudo, a fixação de um conjunto que não se expressa pela montagem/edição, mas por existir. Percebido não pelo ordenamento técnico ou organização/planejamento, mas, acima de tudo, pela capacidade de inspiradora percepção instintiva do que deva registrar, não importa se contido no roteiro elaborado.

Martin Scorcese reconhece a importância fundamental da música em “Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”. Ali, os elementos pretendidos em roteiro interrelacionam-se ao canto popular, continuamente repetido, com mais força e intensidade, isoladamente, que os próprios diálogos/monólogos. E não o é pela letra que expresse, mas pela expressão de uma realidade natural, presente atavicamente no povo, que imprime circunstância ao intelectual elaborado. Que Glauber percebia, sentia e registrava na celulose.

Zelito Viana  que nos revelou uma expressão significativa para se compreender Glauber Rocha , afirma-o um “louco genial”. 

Não se imagine que Zelito está a duvidar da sanidade mental de Glauber. (Pensasse assim e não se revelaria aquele cabeludo descabelado de olhos marejados no sepultamento do cineasta, escancarado em "Glauber, o Filme, Labirinto do Brasil" (2003), de Sílvio Tendler. A loucura mental dispensa o ordenamento do pensamento e da ação dele decorrente. Revela Zelito, sim  com a expressão , esta postura de enfrentamento ao convencional, à ordem instituída, ao plano teórico formal, permanentemente enfrentado e rompido por Glauber Rocha em sua poética cinematográfica. De enfrentar e vencer.

Todos que enfrentam um sistema pré-concebido são estereotipados de “loucos”. Glauber é um deles, coerente sempre. Não faço cinema comercial, não tenho preocupação ou qualquer compromisso com isso, diz mais ou menos assim em torno do não-compromisso que assume em relação ao convencional, à dramaturgia linear.

Glauber  ainda que pareça em busca da propaganda pessoal, dirão alguns  foge da publicidade comercial. O que pretende é o reconhecimento da arte reinventada, porque esteticamente se envolveu com sua ruptura convencional. Razão por que não o preocupa o sucesso de bilheteria, mas o não reconhecimento do trabalho como arte.

O materialismo e o consumismo do cinema como elemento de mercado, simples mercadoria ‘temperada’ ao gosto do freguês, ou para conquistá-lo, não encontra em Glauber um defensor. Razão por que do muito que lhe é dirigido como crítica negativa.

Glauber pretendeu a imortalidade/perenidade da arte, como finalística de conteúdo filosófico; nunca a efemeridade do sucesso material por si só.

Transferia para os atores  era um excelente diretor de ator, afirma-o Zelito Viana  a sua consciência em relação a isso: fugir do banal, do comum, ainda que levado à perfeição. Sua ‘perfeição’ é a de expressar/revelar a intuição, esgotar a expressão artística aprofundada na intuição exposta a partir do texto pelo viés da direção. 

Somente isso leva a entender o que disse Paula Autran de Glauber: roteiro, filmagem e edição eram distintos. Ou seja, a ordem pré-estabelecida não se consuma. Isso encerra uma revolucionaridade anárquica do tipo ‘hay gobierno, soy contra’ traduzido em há ordem estabelecida promovamos a ruptura, não a aceitemos porque foi pré-estabelecida, ordenada, ainda que a 'nossa/minha' ordem.

O problema social como abordado por Glauber é a pura expressão da verdade. Sua linguagem cinematográfica o define como especial, diferente porque diverso.

Cena de “Terra em Transe” expressa “Um homem não pode se dividir assim. A política e poesia são demais para um só homem”. Talvez uma autoanálise, de que o que fazia era demais para ele diante de uma humanidade que não o compreendia em sua inteireza.

Rever Glauber é sempre um soco na cara. Imagine esse soco em seu tempo! 

Imagine-o socando!

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