sexta-feira, 3 de abril de 2015

Uma outra

Paixão
A Quaresma nos tempos idos da infância difere em muito da que vivemos contemporaneamente, católicos de crença religiosa, porque este escriba de província não viveu  para em torno deles se manifestar  com os Ortodoxos, os Anglicanos e os Luteranos. 

Daqueles que se esbaldassem, descontando a clausura futura na terça gorda do Carnaval, muitos cedo deixavam a folia para que pudessem estar na Missa das Cinzas, recebendo a marca que testemunharia a confissão religiosa e sinalizando o compromisso com a reflexão que o período entrante exigia e lembrando-nos que 'somos pó e a ele voltaremos', razão por que de 'arrependermo-nos e crermos no Evangelho'..

Já a partir das Cinzas às quartas e sextas-feiras não se comia carne vermelha. E a branca  preferida e recomendada  não se fazia de frango mas de peixe, bacalhau da Noruega em abundância, exposto nas portas das vendas  como denominados os mercadinhos de então  em caixotes ou pendurados na altura da porta.

A partir do domingo de Ramos  ultrapassada a euforia pela liturgia da chegada do Nazareno em Jerusalém  da segunda em diante no cardápio só peixe, bacalhau reinando. A carne vermelha somente retornava a partir do sábado de Aleluia.

Se trazia a Quaresma uma receita culinária específica  regada a peixe/bacalhau  em dimensão meditativa tornava-se período de permanente reflexão, de comiseração em relação ao que havíamos cometido de censurável, do que de mal fizéramos ao semelhante, que pecados os cometidos.

A Via Sacra permanentemente observada, cada Estação em consonância com a conversão que se nos exigia o período. A penitência, como ato confessor, transformava-nos, preparando-nos para converter as mazelas temporais.

Perdia a comunidade o controle do tempo, porque os sinos emudeciam. O som só de matraca, chamando para os ofícios.

Os santos nos altares vestiam-se de roxo.

Finalizando a Quaresma e iniciado o Tríduo Pascal, ainda na Quinta Santa acompanháramos contritos a procissão do Senhor dos Passos, antecedência de sofrimento na do Senhor Morto, na Sexta seguinte, quando o canto da Verônica "O vos omnes..." ecoava fundo no penitente, aprofundando a angústia da humanidade em cada um.

Já presente a era do rádio, na Sexta-feira da Paixão somente música religiosa, de andamento gregoriano e erudito-reflexiva. Apoio para o jejum e a meditação. 

Os filhos buscavam a bênção dos pais, com reverência inaudita. Sentados estes; ajoelhados aqueles. Falava-se baixo, o estritamente necessário para não ferir o silêncio obsequioso. Nada de risadas e brincadeiras.

O comércio cerrava as portas. A cidade em silêncio apenas gerava ruído no transitar dos passos para a procissão e os ofícios religiosos. 

No cinema  em várias e concorridas sessões  "A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo" (1905), de Ferdinand Zecca, com seus personagens andando ligeirinho, tantas as podas e cortes reduzindo os quadrinhos da celulose.

Os tempos idos da infância  há 40, 50 anos  fazia-nos de outro mundo. Mundo em que havia tempo de oração, penitência, purificação e conversão. 

Diverso do atual, em que a 'paixão' que assola é a de dominar e explorar o semelhante. Em todas as dimensões.

Um mundo que bem pode ser visto como o vê as freiras de clausura: atrás das grades.

O cotidiano atrás das grades de mulheres que escolheram viver na clausura em convento de Itajaí Rafaela Martins/Agencia RBS
Convento de Santa Tereza, no Morro de Cabeçudas, em Itajaí, tem 13 freiras, a mais jovem com 28 anos e a mais idosa com 94 anosFoto: Rafaela Martins / Agencia RBS

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