domingo, 2 de junho de 2019

Entre o credo, o anticredo e o mingau de café


Anticredo
Há um credo nos que oram governam (ou pensam que) o país: são os ‘abençoados’ e ‘ungidos’ que Deus destinou a salvar a pátria amada dos incréus. 

O texto de Cerqueira Leite veiculado no Conversa Afiada bem demonstra quão incréus somos nós outros.

Credo  I
Ao tempo em que as cinzas de Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755) são sacudidas no túmulo em que sepultado, na  L'eglise Saint-Sulpice, em Paris, pela tormenta que atinge os pilares e fundamentos do seu clássico (O Espírito das Leis) nesta terra brasilis eis que o presidente deste STF humilhado passa a concordar com a humilhação e aplaude e se curva a quem o humilha.

Não se trata apenas de deslealdade para com o cargo e o compromisso ao qual jurou (defender a Constituição) mas de imoralidade, de indecência.

O absurdo institucional pode ser bem ilustrado a partir da observação de Eugênio Aragão:

O atual governo é chefiado por um cidadão que ganhou as eleições presidenciais na base da mentira, da agressão e da recusa de debater. Seus correligionários promoveram, ao longo de sua campanha, ataques virulentos ao Tribunal Superior Eleitoral, sua presidente e seus ministros. Colocaram sob suspeita a imparcialidade da Corte e sua capacidade de organizar um pleito sem fraudes. Depois, empossado Jair Bolsonaro, meteram-se – inclusive a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann – a pedir o fechamento do STF, a exigir o impedimento de seu presidente e, dentre outros, do ministro Gilmar Mendes. Acusaram-nos de corrupção, sem qualquer prova robusta e vilipendiaram a reputação do judiciário.”

Certamente “Esses tempos de pós-verdade são estranhos demais para alguém como eu, que tem orgulho de ter valores claros como a justiça, a lealdade, a decência e a fidelidade à Constituição e ao Estado Democrático de Direito que esta fundamenta.”


Credo II
E aqui ficamos – porque a utopia nunca morre – com o ‘credo’ do mesmo Eugênio Aragão:

Não há ‘papelão’ de magistrados que nos fará perder a fé nessa luta. E, como acreditamos no ser humano, acreditamos, também, que magistrados, que todos respeitamos e defendemos no seu papel constitucional, saberão pôr a mão na consciência e mudar de atitude. Para o bem do Brasil e de todas e todos nós!

Mingau de café
O governador da Bahia, Rui Costa, em entrevista concedida ao jornalista e escritor Fernando Morais, para o Nocaute (ou Conversa Afiada), relatando suas origens de menino pobre, lembrou do pirão de café como saída que a mãe encontrava para amainar a fome dos filhos: “[...] um alimento muito consumido por famílias pobres, que é basicamente misturar o café com farinha.”

A nós, pessoalmente, tocou-nos sobremodo a confissão. Afinal, também menino de família remediada, nos vimos em mais de uma oportunidade agraciado (ao lado das irmãs) por aquele manjar.

O nosso, no entanto, o era na forma de mingau, de tão ralo, para economizar a farinha de mandioca, também escassa em razão dos parcos e escassos recursos financeiros.

Hoje, na condição de professor universitário, sem qualquer reposição salarial há quatro anos e vendo o minguado vencimento raspado na beirada por aumento no desconto para a previdência estadual, estamos sem perceber remuneração dos meses de abril e maio em razão da greve deflagrada pela categoria para provocar conversa que nunca chega.

Não queremos entrar em detalhes outros, utilizados como argumento pelo governo estadual, tais como limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal etc. etc. Mesmo porque a pressão de delegados, escrivães, policiais em outro instante encontraram eco e mesmo o Tribunal de Contas já foi consultado e anuiu à pretensão do governo na oportunidade. 

Nem mesmo entraremos no lugar comum de que o governo poderia bem nos acalentar, com um argumento sensível: a redução dos gastos com publicidade de caráter propagandístico.

Mas, ao que parece, o PT no governo do estado começa a dar sinais de padecer de um dos males que acometeu o PT no governo federal: a ideia da eternidade do poder, imaginando-se reconhecido simplesmente pelo que faz materialmente. Pode estar abrindo caminho para um aventureiro que passe a dizer que “não concorda com nada do que aí está” e a eternidade dar com os burros n’água. Porque vingança de eleitor é guardada no freezer.

Deixando de lado este ponto crucial voltamos ao pirão, ou seja, ao mingau.

A coisa (suspensão de pagamento dos vencimentos condicionada ao retorno ao trabalho que nos faz lembrar de nada saudosa postura de ACM), levada ao divã, pelo andar da carruagem, nos remeteu a interpretar a postura do governador com os professores das universidades estaduais de certa forma sublimativa: Sua Excelência, que em tempos difíceis, se alimentou com pirão de café quer levar a categoria ao mingau de café, porque os recursos financeiros (ora suspensos) não dão para ‘farinha de caixão’ (como se dizia antigamente da farinha de qualidade inferior) que dizer para farinha de Buerarema de ‘seu’ Betinho, no Bairro de Fátima!
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Para não cansar o leitor deixamos para a PRÓXIMA SEMANA: 

O que tem a ver a pactuação do presidente do STF com Etienne La Boétie


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