domingo, 9 de junho de 2019

Não leu Etienne La Boétie


Dia desses o país acordou sob notícias de um ‘pacto’ entre os Poderes da República. Certo que o chamado de pacto de logo foi desmentido pelo presidente da Câmara. Mas, o ridículo já ocorrera.

Em meio a tudo, uma singularidade chamou a atenção: o que ali fazia o presidente do STF Dias Tóffoli, tão à vontade que os dentes no quarador apenas confirmavam aquela alegria própria de pinto no lixo.

Montesquieu entrara em desespero. Suas cinzas acabam violadas e, mais, violentadas naquela distante nação soberana que se chamava Brasil e passa pelo estágio de ser apenas State Brazil.

Prenunciou o sempre lembrado, estudado e citado Montesquieu que três poderes deveriam substituir o princípio absolutista. Assim, um deles administraria, ou outro faria as leis (discutidas por representantes) e um terceiro avaliaria a validade das leis e das ações do administrador conforme o ideário de Justiça. Poderes autônomos e in(ter)dependentes, cada um no seu papel institucional, sem comunicação outra que não o bem servir à sociedade e dar-lhe tranquilidade e confiança.

Por tal raciocínio torna-se elementar compreender que é impossível uma pactuação entre eles (que deve existir tão somente em fazer cumprir a finalidade natural, de atender ao interesse comum). Pacto é acordo, é consonância, unidade de pensamento definido e muito apropriado ao universo privado. No campo político-institucional admite-se o pacto, mas quem pactua são as forças políticas.

Cabendo ao governo do instante aplicar as Políticas de Estado fixadas na Constituição Federal cabe ao STF, quando provocado, responder se está conforme ou não, decidindo por mantê-las ou não. Em outras palavras? Cabe ao STF não interferir no ‘como’ da execução das políticas públicas, mas decidir – quando provocado, repita-se – em torno da legalidade e adequação constitucional do que decidam legislativo e Executivo. Ultrapassar tais limites beira a usurpação. E, mais que isso, alimenta a fogueira da bandalheira institucional que ora construímos e que lhe cabia não afagos com o abano mas evitar que tal acontecesse.

Por tudo que sabemos o STF não é força política – ainda que sua retórica contemporânea neste Brasil não tenha sido outra coisa – razão por que não ser racionalmente compreensível que o presidente da Corte se faça presente em café da manhã na moradia do chefe do executivo, ao lado de presidentes da Câmara e do Senado, para discutir (com outros poderes) aquilo que chamam de pacto.

Quando ao café com o inquilino do/no Alvorada nada a comentar. Afinal o Presidente do STF faz parte da turma que come filé de lagosta e toma vinho às custas do povo. 

Poderia Sua Excelência, Dias Tóffoli, arranjar um tempo – pelo menos enquanto esvazia a lagosta e vinhos na sentina (obrigado Tormeza) – e dar uma lida em Discurso da Servidão Voluntária, de Etienne La Boétie. Talvez dali pudesse abstrair, como metáfora, o papel ridículo que assumiu de parceiro – e usuário da cozinha – do inquilino do Palácio da Alvorada.

Para Boètie, reconhecendo que todos os governos (inclusive a tirania) só podem governar durante muito tempo se encontrarem apoio da população e que somente esta os legitima: “[...]não há necessidade de lutar para superar este tirano único, pois ele é automaticamente derrotado se o país recusar o consentimento para sua própria escravização: não é necessário privá-lo de nada, mas simplesmente não lhe dar nada; não há necessidade de que o país faça um esforço para fazer tudo por si mesmo, desde que não faça nada contra si mesmo. São, portanto, os próprios habitantes que permitem, ou melhor, provocam sua própria sujeição, pois, deixando de se submeter, acabariam com sua servidão. Um povo se escraviza, corta sua própria garganta, quando, tendo uma escolha entre ser vassalos e ser homens livres, deserta suas liberdades e assume o jugo, dá seu próprio sofrimento, ou melhor, aparentemente o recebe.”
Jogos, farsas, espetáculos, gladiadores, animais estranhos, medalhas, imagens, e outros tais opiáceos, estes eram para os povos antigos a isca para a escravidão, o preço de sua liberdade, os instrumentos da tirania.”

Temos que, fosse hoje o expresso pelo francês, diria: não só lagostas e vinhos, também um café da manhã ao lado do tirano torna-se isca e moeda de troca para a respeitabilidade, o que o faz desaguar no lugar comum dos que, de uma forma ou de outra, põem o caráter no escaninho do escambo.

Afinal cremos que o ministro Tóffoli não descura do que pretendeu quando se propôs à indicação para ministro do STF. Afinal, há muito demonstra sua vocação para vassalo. E como não leu Boetie regala-se até com café matinal.

Houvesse lido – e capacidade tivesse para interpretar textos – teria percebido que a fórmula para negar a escravidão elaborada por Boétie nele encontrou leitura diversa, para não dizer o contrário.

Que então dizer de sua presença legitimando um 'pacto' que não existe?

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