domingo, 22 de agosto de 2021

Voto impresso versus juristocracia

 O tema aqui trazido (voto impresso) acaba de deixar o mundo dos vivos. No entanto entendemos melhor abordá-lo agora, porque antes discutido estava sob a égide da emoção, alheiado da razão técnico-jurídica, pautado sob jogo de interesses e não sob o crivo da lógica que o alimentaria em terras civilizadas.

A ideia levada ao homem comum é de que o voto impresso faria desaparecer/extinguiria a urna eletrônica, o que seria um retrocesso. Que a celeridade que deu fama ao processo eleitoral brasileiro (rapidez na publicação do resultado) estaria sacrificada e a ‘perfeição’ existente iria para as cucuias.

Em terra aonde viceja mais fakenews que cocumelo onde urina cavalo (hábito faz o monge) unzinho a mais nenhuma diferença faz. Afinal, para a turma do confundir é muito melhor que explicar.

A atenção foi desviada do principal para um detalhe de insignificância, misturaram alhos com bugalhos e todos comeram gato por lebre. Confundiram urna eletrônica com impressão do voto feito por ela. Não bastasse, levantaram a dúvida: o resultado da votação não pela contagem oriunda da urna (boletim de urna) mas a partir do voto impresso depois de aberta a urna onde depositado. 

Em nenhum instante veio à tona um dado fundamental: o voto impresso tem utilidade restrita, tão somente para efeitos de recontagem/conferência quando deferida nos casos previstos em lei pela própria Justiça Eleitoral.

Este aspecto, basilar, de que o voto impresso somente será contado (só tem importância) caso deferida uma recontagem nos casos previstos em lei, depois de deferida pela Justiça Eleitoral, passou ao largo dos humores.

E muita gente boa(?) embarcou nessa nau catarineta.

Comecemos por entender o processo: o atual sistema de votação e apuração eleitoral no Brasil (ainda de primeira geração, quando o mundo já o possui em nível de quarta geração) não admite recontagem de votos em caso de dúvida levantada. Ou seja, o que for apresentado pelo boletim impresso a partir da urna nunca será questionado porque o sistema parte do raciocínio de que é infalível e perfeito, e que seu programa é insuscetível a manipulações.

Desta forma, argumentando em contrário, havendo um ataque de hackers que altere o programa no que diz respeito à manipulá-lo quanto ao resultado nenhuma forma há de dirimir a dúvida.

Por seu turno a impressão do voto (levado a uma urna externa que será aberta somente nos casos em que a lei autorizar, especificamente diante de recurso para fins de recontagem) soa mais transparente e democrático, além de assegurar direito inalienável: o de recorrer.

Portanto, é falaciosa a afirmação de que o voto impresso seria a base da contagem/apuração, quando o é tão somente para fins recursais (deferido — repita-se — pela própria Justiça Eleitoral).

Assim, a dialética pressuposto (o que é anterior e condição para que algo ocorra) e suposto (o que daquele decorrer, que vem depois) deixa antever, de imediato, a impossibilidade de o voto impresso substituir a urna eletrônica. Mesmo porque, sendo aquela (a urna) a base do sistema de votação (o voto se dá através dela), a impressão de voto depende dela. Outrossim, se o voto é impresso quem o imprime? Naturalmente a urna.

Compreendido o tema sob esta circunstância não há dúvida que o voto impresso apenas alimenta — em caso de dúvida — uma recontagem deferida pela Justiça Eleitoral, sem qualquer vínculo com o processo de votação e apuração (que se dão através da urna).

Esgotando o raciocínio: o voto impresso, para fins de recontagem, tem origem na urna (caso aquela seja deferida) o que significa dizer que exige que procedimento eleitoral seja por via eletrônica. Ou seja, o computador (urna) registra o voto e o imprime para conferência se posto em dúvida o resultado mapeado a partir da urna.

Portanto, a impressão do voto não trata de uma questão relacionada ao processo eleitoral (eletrônico ou não), mas de ver atendido um dos mais sagrados princípios assegurados por qualquer Estado Democrático de Direito a quem quer que seja quando diante do Estado-Juiz: o direito à irresignação.

No curso da semana esmiuçaremos o tema sob aspectos que não entraram na discussão além da paixão e dos interesses imediatos em jogo, inclusive levantando a grande questão: o que temem membros da cúpula do Poder Judiciário e do Eleitoral em particular em razão de uma decisão congressual que assegurasse a impressão do voto? Alguma relação com uma certa juristocracia e dos meios de que se valha para firmar-se?

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