domingo, 16 de janeiro de 2022

Apesar de tudo

 

Há 200 anos este país alcançava a Independência(?) política urdida à luz dos interesses da Inglaterra a partir daquele 9 de janeiro de 1822. Não à toa, os ingleses os beneficiados por indenização do Brasil a Portugal por danos causados pela declaração de independência no 7 de setembro, em 2 milhões de libras esterlinas (Tratado de Paz e Aliança, de 25 de agosto de 1825), que cobriu a dívida portuguesa para com os bretões que financiaram sua campanha de defesa contra Napoleão e de transferência da Corte para a colônia em fins de 1807.

Sem falar na imediação obtida com a “abertura dos portos às nações amigas” (leia-se, Inglaterra) no janeiro do ano seguinte.

No imediato do Centenário o presidente Artur Bernardes precisou decretar estado de sítio para poder governar e enfrentar os interesses da Inglaterra de se apropriar do Lloyd Brasileiro e do Banco do Brasil, as joias da coroa à época.

No janeiro de 1971, vésperas do Sesquicentenário da Independência, sucumbia nos porões da Barão de Mesquita o ex-deputado Rubem Paiva, ouvindo – enquanto torturado – “Apesar de Você” (Chico Buarque) e “Jesus Cristo” (Roberto Carlos) ritmadas sob choques elétricos e cassetetes.

Três recortes da história desta terra brasilis encadeados. O mais recente daqueles, fruto do projeto de eliminação física dos que exerciam o direito de pensar e combatiam a ingerência do capital estrangeiro sob égide dos Estados Unidos, que acabara de custear um golpe de estado e encastelara militares no poder para garantia das reformas de seu interesse.

Neste ano da graça de 2022 duzentos os anos da Independência, que nunca efetivamente desfez o colonialismo que norteia o país desde idos de 1500 d.C. Tampouco estamos longe dos riscos de antigamente. Mesmo ameaças de golpes.

Atentemos – para compreendermos o instante na planilha histórica e geopolítica – para um fato a ser considerado como relevante: quando Lula se elegeu em 2002 os Estados Unidos no âmbito geopolítico detinha significativa hegemonia e não enfrentava o que hoje enfrenta (China e URSS); a eleição do ‘barbudo’ incomodava, mas não impedia a manutenção das políticas estadunidenses para o “quintal” chamado América Latina.

De lá para cá muita coisa aconteceu, e a pior delas: a descoberta das reservas do pré-sal que não se encontram ainda sob tutela absoluta do capital petroleiro internacional.

O desmonte do Estado brasileiro e das estrias sociais então vigentes (relações capital-trabalho, programas sociais e de geração de emprego e renda, acesso à saúde e à educação, seguridade social etc.), aprofundado a partir do golpe de 2016, levou o país, em cinco anos, à degradação de sua imagem externa e à desconfiança interna.

Lula fala(va) em ‘colocar o pobre no orçamento’; ora substituído dito pensar por governos que visam ‘aprofundar a participação do rico no orçamento’.

Caso vivêssemos em estágio tribal tal aspecto seria tolerado, porque lhe é natural.

Não é o caso de um Estado nacional politicamente organizado, com instituições definidas (ainda que algumas controladas diretamente pela iniciativa privada, a exemplo do Banco Central e das Agências reguladoras) e outras indiretamente (ordenamento jurídico e sua interpretação) sob o crivo da legislação elaborada por um Congresso de maioria absoluta sob controle da classe dominante, com representação à direita, centro e parte da esquerda.

Estamos no estágio de realidade nacional em que os monopólios, a especulação financeira e a acentuada exploração do trabalho instalaram-se no comando das políticas públicas e o conforto por eles gozado não será superado sem luta, porque para essa estirpe de chaga estatal qualquer pretensão entendida como favorável à uma ordem social mais justa e menos desigual lhe soa inconveniente e é alardeada como coisa de comunista, de terrorista, de inimigo da família, da propriedade e das tradições cristãs ocidentais.

Este 2022, ano do Bicentenário e de eleição, repete aspectos semelhantes vividos no curso de dois séculos. Até porque o sonho de independência, não alcançada em plenitude, soa aqui e ali ser retomado através de projetos político-partidário-eleitorais.

Ainda que sob o pálio de alianças conflitantes.

Mas, apesar de tudo... é o caminho que resta.  

 

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