domingo, 30 de janeiro de 2022

O "cavalo de Tróia"

 

Fomos questionado em razão da conclusão levada a termo no último dominical (“LaranjaMadura”). Mais precisamente pelo “nenhum deles em suas falas enfrenta o ‘cavalo de Tróia’ chamado ‘equilíbrio fiscal’”, referindo-nos a Ciro Gomes e Lula.

Cumpre-nos entender o que seja o ‘cavalo de Tróia’ fora dos limites da História e compreender as facetas de sua existência em nosso dia a dia. E mais, os ‘cavalinhos/guerreiros’ nele introduzidos. Para início de conversa, que o ‘equilíbrio fiscal’ é um dos muitos, este posto em nível de ‘dogma de Fé’.

Eis um capítulo significativo e muito pouco discutido, por tudo que representa em si: o domínio dos Estados Unidos sobre a América Latina – através das agências que controla (FMI, Banco Mundial, OMC, sem falar no próprio Tesouro americano).

Tal controle é secular (mesmo antes do término da II Guerra), motivo de invasões e violências contra sistemas legitimamente eleitos quando não fazem o jogo de seus interesses. Nada mais que o famoso ‘big Stick’ desde os tempos de Theodore Roosevelt Jr. (1858-1919), a diplomacia do grande porrete traduzida nos processos de retaliação contra quem não comungue com seu jogo comercial: tudo para nós.

Detentor do sistema imperialista contemporâneo, como romanos e quejandos outros na Antiguidade (daqueles se utiliza simbólica águia), Inglaterra, Espanha, Holanda, França mais remotamente.

O consenso de Washington – como denominado o originado da reunião ocorrida na capital estadunidense em 1989 – voltou-se para corresponder aos interesses do liberalismo por eles capitaneado em sua versão ‘neo’, impondo aos latinos o que devem fazer em nível de políticas financeiro-orçamentárias.

No Brasil atrelados escancaradamente ao Consenso: Fernando Collor, FHC, o atual inquilino do Alvorada e nem dele escapou (no quesito privatizações/redução do Estado) Itamar Franco. O agente Temer foi instrumento de retomada do controle, com auxílio do Congresso e do aparelho judiciário manipulado através de Moro, Procuradores da República e mesmo STF (quando tolerou os abusos e violações às normas, sem falar em julgamentos que atendem pavlovianamente ao “pacta sunt servanda”, pedra sensível para asseguramento do sistema).

O jogo político em torno do tema é por demais sensível. O poder, de forma direta ou indireta, precisa compreender a diplomacia ‘dos interesses hegemônicos’ sob pena de não sobreviver. Que o digam Lugo (Paraguai) e Dilma (Brasil) entre os exemplos mais recentes. Não incluímos a Venezuela porque ainda consegue enfrentar, mesmo com suas reservas internacionais bloqueadas (sem poder usá-las). 

O nó górdio reside neste detalhe, quando tratamos de eleições no Brasil: se há algum candidato que enfrente em plenitude o ‘Consenso de Washington’.

Para ilustrar um pouco o caro e paciente leitor situemo-nos diante do que afeta a gestão pública brasileira a partir do Consenso, não esquecendo que políticas outras anteriormente a ele foram-nos impostas sob o cutelo do ‘big stick’ a partir do golpe de 1964 (que derrubou Jango e suas ‘reformas de base’), que trouxe na esteira a reforma cambial (que Juscelino, Jânio e Jango enfrentaram), a reforma bancária, a reforma da legislação trabalhista (a criação do FGTS foi o primeiro grande baque nos direitos do trabalhador), a reforma da educação (para alimentar o ensino privado), legislação para garantir o investimento de capital sem risco (alienação fiduciária e seu sistema de ‘execução privada’) etc. etc.

No imediato ao Consenso vivíamos destituídos de poupança interna e dependentes do FMI, que como testa-de-ferro do capital só empresta a quem leia na cartilha do sistema.

FHC aliou-se (e mesmo escreveu) à defesa da “teoria da dependência”, pela qual a América Latina somente se desenvolveria sob financiamento externo. E aí o detalhe: tal financiamento somente às custas da apropriação estrangeira do mercado interno, suas riquezas e, naturalmente, do ‘Estado mínimo’, depois de beijar os pés do caboco FMI.

Os gregos venceram os troianos não porque cercaram a cidade, mas porque a invadiram enganando os de Tróia oferecendo-lhe um ‘cavalo de madeira’ recheado de guerreiros.

Duas tragédias se destacam e abatem o Brasil sobre o crivo do Consenso de Washington, adredemente elaboradas (e aceitas): a Lei de Responsabilidade Fiscal (elaborada para garantir o pagamento da dívida e seu serviço independente de qualquer resultado fiscal positivo) e o famigerado “equilíbrio fiscal”.

Este ‘equilíbrio fiscal’ está mais que garantido, através da ‘Lei de Teto dos Gastos’. Trata o Estado como uma atividade privada (ainda que possa emitir moeda e controlar seu fluxo/circulação): só pode gastar se arrecadar.

Para que o leitor entenda o que dizemos em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal toda ela se resume (para os interesses do capital) no grifo abaixo:

Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, as relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias. (LRF, Art. 9º, § 2º).

Leia atentamente e veja que sentido faz INCLUIR o pagamento do serviço da dívida além de garantir o butim capitaneado pelo capital especulativo (interno e externo).

O cavalo de Tróia que foi posto no Brasil se alimenta de privatizações, Estado mínimo, exploração da mão de obra, garantia a investidores externos em detrimento dos locais, entrega do controle sobre as riquezas naturais etc. etc.

Qualquer governo eleito que o enfrente mais contundentemente sofrerá os ataques externos (políticas de retaliações etc.). Sempre lembramos da entrevista de Moniz Bandeira (em 2013) afirmando que os Estados Unidos não tolerariam o protagonismo do Brasil. Em entrevista posterior a Carta Maior retomou a temática.

Promover desestabilizações na América Latina é apenas um capítulo a mais da cartilha dos Estados Unidos.

No processo eleitoral vindouro não acreditamos que qualquer candidato – em especial os ditos nacionalistas – incluam em seus discursos que enfrentarão o Consenso de Washington publicamente. Em especial no seu ‘calcanhar de Aquiles’, o equilíbrio fiscal.

Lula/Dilma o fizeram (em parte) por caminhos outros. Pagaram a conta. Ele, preso e afastado do processo eleitoral de 2018; ela, derrubada simplesmente.

O ‘cavalo de Tróia’ não brinca. E sabe que o povo/eleitor não entende qualquer discurso que o expresse.

Lula e Ciro Gomes também.


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