Um pouco de tudo se fez. E muito de
escondido se exibiu. Um desastre bissexto trouxe à tona a solidariedade humanística
guardada na maioria das gentes. E não faltaram antigas práticas em meio à
reflexão que o instante impôs.
O tormento legando lições diversas.
A realidade fragmentada diante da
hipnose da água subindo... subindo... subindo... fez este escriba de província viver
(54 anos entre elas) duas cheias que o atordoaram e escrever estes retalhos,
que cobram do leitor a costura para se tornar dominical.
Ato I
Os sinos anunciavam, as luzes atraiam
olhares e dirigiam a alegria. A festa cristã maior em mais um ano se aproximava.
O compre, compre, não deixe de comprar, vestindo vermelho, blim-blom-blim-blom-blim-blom.
O espírito de fazer das tripas coração ocupando mentes e lares todos daqueles
que passaram o ano sem mesmo dispor de tripas para comer.
Ceias em diferentes formas ensaiadas.
Até que outros Ricardos, Henriques e
Hamlets nada sheiquispirianos ocuparam o palco, cada um impondo o seu enredo.
Ato II
“De repente, não mais que de repente” (Soneto de Separação, de Vinicius de Moraes) o céu nublou e começou a gotejar. Ampliou o gotejo. E o gotejo se fez caudal.
Poucas as horas para que o homem se percebesse impotente. Águas subindo...
subindo... subindo... como se quisessem subir a Serra do Marçal. De Itororó a Ilhéus o mar imenso. Itororó nunca
dimensionara o Colônia como agora; Itabuna lembrou às novas gerações o Cachoeira
de 1967.
Ato III
A solidariedade então se fez. Centenas
voltaram-se para apoiar os milhares então desassistidos.
De todos os quadrantes apoio material
e moral para os desabrigados.
E o Natal então se materializou como
nunca.
Epílogo
I
E se fez a história repetida, como
farsa.
No antanho os milhares de nordestinos
flagelados recebiam do governo meio salário mínimo para atuar nas frentes de
trabalho. Construíam açudes e barragens em propriedades de abastados e
políticos como anúncio do Advento de uma Nova Era: água, quando chovesse, que encontraria
espaço para ser armazenada nas grandes extensões, nunca nas talhas daqueles
desvalidos.
No presente não faltaram os coronéis,
como os que se beneficiavam da indústria da seca. Não mais açudes, no entanto.
Milhares de toneladas de alimentos e
mantimentos outros, destinados pelo voluntariado anônimo, servem de pano de
fundo para a fotografia de alguns políticos que não puseram o pé na lama.
Afinal, 2022 é ano de eleição. E a miséria alheia se oferta oportuna para ser
explorada.
II
Para coroar o instante de singular
convocação à solidariedade o governo federal, na pessoa do insigne inquilino do
Alvorada, se negou a aceitar ajuda internacional oferecida à Bahia.
E enquanto o governo local se tornava
pássaro voando sobre os campos onde a batalha acontecia, o federal gozava suas
‘merecidas’ férias em praias e parques de diversão catarinenses.
III
Para que não nos esqueçamos de Herodes
as crianças ainda estão impedidas de beneficiar-se da vacinação contra Covid-19,
porque aquele governo que retardou a vacinação e fez morrer o dobro do que
morreria se aplicada no tempo recomendado hoje ‘entende’ que são necessários
mais estudos e análises que própria Ciência já definiu, recomendou e governos
além-mar aplicam.
E ficamos a imaginar o que seria das
gerações que hoje estão mais velhas se não houvessem tomado a vacina contra a
paralisia infantil.
Ou se no Brasil do passado estivesse o
dirigente do presente.
Porque neste 2022 há quem ainda veja
na vacinação coisa do Cão. Uma ou outra.
Reflexão
Tudo que nos tem acontecido,
precipitado pela tragédia que nos acometeu justamente no Natal, impõe reflexão.
Uma canção em tempos de chumbo dizia: “É preciso estar atento e forte / não
temos tempo de temer a morte” (Divino e Maravilhoso, de Gil e Caetano).
O tempo no imediato não admite passos
lentos. Correr, sem cansar. Mostrar disposição. O que está por vir muito
depende de nossa reação irresignada.
Dispomos à reflexão de instantes da
história recente do país que nos permitem comparar e escolher o que seja melhor
para todos. Naturalmente não ‘todos’ da unanimidade ‘burra’ nelsonrodrigueana.
Afinal, tragédias muito ensinam e
chamam à reflexão.
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