terça-feira, 15 de março de 2022

Novela mexicana enquanto os sinos dobram

 

Dentre os muitos instrumentos de que se vale a política externa dos Estados Unidos em defesa dos seus interesses o de levar ao mundo a ideia de que os adversários no tabuleiro geopolítico são os vilões. Os povos árabes que não lhe são afetos não passam de terroristas, ainda que do terrorismo tenha se valido para alcançar objetivos no Oriente Médio quando financiou Bin Laden.

Outros que não leiam em sua cartilha são tachados de comunistas, comunismo aí sinonimizado como stalinismo adjetivado de anticlerical, comedor de criancinhas, estuprador e desonrador de lares cristãos e quejandos outros que deixem o interlocutor em pânico.

O resultado leva à paranoia como a de hoje tentarem banir até centro de estudos que envolvam escritores russos, assim como filmes e cineastas dos festivais de cinema.

A maravilha em que se tornou a Ucrânia pró-Ocidente, desde 2014, controlada inteiramente pelos Estados Unidos a ponto de tornar-se palco de uma guerra desnecessária  comandada internamente por grupos nazistas não vem ao caso. Afinal, a sede de um sindicato de trabalhadores cercado em Odessa e incendiado com todos lá dentro, matando-os asfixiados ou a pauladas os que conseguiram sair não passa de ‘limpeza’.

Nossa mídia, não de hoje, assumiu o compromisso não de informar o que efetivamente ocorre, mas de moldar a opinião dita pública conforme os interesses da classe dominante, que se expressa como poder corporativo. Com postura ideologizada cega o intelecto. Afinal, controlar com mão de ferro a informação é das mais importantes armas da guerra.

Não bastasse mais desinformar que informar (se possível tal contradição), a gloriosa e ‘comprometida’ mídia pátria pede para que choremos. Cada rede ao seu modo e estilo levanta a voz clamando para que o façamos pela Ucrânia e pelos ucranianos.

Não neguemos o direito de chorar. O que não cabe é chorar por esta guerra em si, objeto do pedido lamurioso. Mas chorar por existir guerras. E clamar contra quem as promove porque delas se beneficia. O que inclui as provocações.

Cabe-nos chorar por todos os mortos, vítimas inocentes de guerras estúpidas.

Por quem os sinos dobram. Ontem, hoje, amanhã.

Os sinos que dobram não por Robert Jordan, alistado nas Brigadas Internacionais do romance de Hemingway. Porque dentre os que morrem hoje não há alistados, mas assassinados. Não há idealismo  como no personagem desenvolvido pelo escritor, ele mesmo um voluntário na Guerra Civil Espanhola ao lado dos republicanos contra o nazifascismo franquista.

Em meio um clima de novela. De novela mexicana, que atende a um público que precisa deixar ao largo a realidade e trilhar por clichês e dramas merencórios para sublimar o cotidiano. Sendo novela dá o tom de que não se faz de realidade. E assim, tão somente para assistir e sentir, chorar, ficar indignado etc. Chorar preferencialmente.

No afã de atender ao sistema deram de fazer novela mexicana com coisa séria. Enquanto os sinos dobram pelas vítimas levadas à tragédia tão só para corresponder aos interesses de classe dominantes.

Não vimos, ao tempo de cada tragédia, pedidos para chorarmos pelos 500 mil mortos da Síria, os 30 mil assassinados pelo nazifascismo ucraniano nas províncias de Donetsk e Lugansk desde 2014, onde crianças sucumbiram aos bombardeios seletivos pelos drones encaminhados por Zelenski, o marionette de plantão.

Muito menos pelos mais de 6 milhões de refugiados da Síria ou mais de 2,7 milhões iugoslavos. Pelos vestidos com napalm no Vietnã ou ardendo sob o calor causado pelas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki nem lembrança

Não se brinca com a tragédia alheia. Tampouco cabe utilizá-la como propaganda em defesa de posturas espúrias. Muito menos fazer dela novela mexicana.

E por entre lágrimas clamadas muitas há por aqui, esquecidas sob o pálio da oportunidade, da conveniência e da hipocrisia.

Os mortos tantos na pandemia mal administrada arrastam algumas centenas diariamente. Lágrimas dos filhos órfãos, de pais e mães, irmãos e irmãs, alguns amigos.

E daquela Marielle Franco, assassinada sob o manto da impunidade conveniente, ninguém mais lembra. Ainda que certezas haja de quem os envolvidos, como o noticiou o GGN.

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 Por razões alheias à editoria do blog somente hoje publicamos nosso “dominical”.

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