domingo, 23 de maio de 2021

Falando em pactos

 

Afastados os senões que temos levantado em torno do que representa o atual andamento do processo eleitoral em relação ao tanto de tragédia até agora consumada há sinais evidentes de que a debandada em torno do inquilino do Alvorada tomou corpo de forma inexorável. Caso não materialize suas ameaças de golpe ou alguma tragédia física ocorra em relação ao ex-presidente Lula o instante afirma-o futuro presidente da República.

As águas turbulentas não recomendam tranquilidade ao inquilino na travessia para a reeleição. O apoio complementar ao seu universo ‘delirante’ (ver), mesmo que não míngue mais, não será suficiente para barrar o avanço das forças que se unem em torno de sua naufragada. Tomando os dados expressos através do Vox Populi (disponilizados no 247) percentual ‘espontâneo’ que vota no inquilino (19%) e aquele outro de 28% que votaria nele no segundo turno temos os limites mínimo máximo de efetivo eleitorado que “mata e morre” por ele neste instante. No primeiro aspecto (a pequena parcela que mata) fato concreto; no segundo (a parcela que morre) há controvérsias.

Contra a sua pretensão de continuar à frente de tragédias (econômica, saúde, aniquilação do patrimônio público etc.) a presença de Lula no palco sucessório abala pilares que o sustentaram, o que inclui até mesmo a mídia digital (“popularidade digital”), onde seus grupos fizeram o ‘discurso’ eleitoral e permaneciam em estado de ‘louvação’ ao mito. Por outro lado, tendem a esvaziar-se as ameaças e chantagens do inquilino pondo à frente da tropa os militares em nível de unidade. Tal fato nunca fora demonstrado, muito menos agora. A não ser os que formam o ‘partido da boquinha’ como a eles se referiu Florestan Fernandes em razão da quantidade de cargos que ocupam no Governo Federal. Por outro lado, as cúpulas devem perceber os riscos à imagem, caso se aprofunde o observado em pesquisa publicada no 247.

Os interesses em jogo que o levaram ao Alvorada perceberam o risco (desnecessário) em mantê-lo. Sua utilidade se efetivou no quesito entrega do país e satisfaz o conseguido pelo mercado até aqui. Não podem aventurar a postura belicosa do inquilino a colocar no olho do furacão a partir de uma hecatombe social o que a banca conseguiu até agora.

Então a saída se impõe: vencer suas diatribes sem pôr na berlinda os interesses obtidos. Para tanto como sói ocorrer em tais instantes um pacto social por via eleitoral, que possa garantir o afastamento do inquilino sem melindrar o conquistado. Para tanto uma ação concreta: consenso. Para quem está fora, o desejo de entrar. Mas sob articulações que não avancem sobre os resultados alcançados.

Neste instante, grandeza e desprendimento são a tônica. Depois da tempestade em muito causada por exacerbações individualistas postas acima do interesse coletivo, ainda que não se exija de quem quer que seja renunciar às suas convicções, o encontro de FHC e Lula sinaliza uma retomada da ação política justamente por colocar na mesma mesa de conversa peças emblemáticas no que diz respeito a projetos de governo que cada um defende em relação às políticas de Estado. Demonstram, ambos — ainda que alguma carta do tucano não esteja à mostra  que não há diferenças inegociáveis, que não há divergência que não possa transitar para uma confluência programável.

De elementar — por aquilo que significa FHC para a corrente neoliberal — um sinal evidente de que o mercado nada tem a temer de Lula; para o centro-esquerda a nova chance de recomeçar dentro do dar os dedos para não perder anéis.

Política debate conflito de interesses em busca de um consenso. A ausência deste debate no campo político, das ideias em conflito em momentos recentes não podemos dizer que as coisas acontecidas recentemente são fruto de atuação política — exige a renúncia de parte a parte para construir um ponto comum, farol a demonstrar o que leva o homem civilizado à construção do Estado que deseja. Dos últimos grandes exemplos a transição na África do Sul com Mandela e o Pacto de Moncloa que edificou a transição da ditadura franquista para a democracia, aceitando-a sob a égide de uma monarquia constitucional onde o rei foi a solução para atender aos adeptos de Franco, aonde o irônico é que a monarquia espanhola (então extinta) ‘ressurge’ sob o crivo de uma canetada do ditador: a ‘nomeação’ do rei por ele indicado em 1969.

Os pactos assinados em Moncloa visavam sustar a profunda crise econômica em andamento e estabelecer um programa de ação política e social.

Neste Brasil de hoje há sinais de que uma parcela considerável de apoiadores do inquilino chegou a uma conclusão: sua permanência será a hecatombe para todos. Neste sentido até o comando de doutrinas evangélicas “quero mais” como bênção do Altíssimo — ainda não se manifestou o pentecostalismo católico — percebem que não há milagre nem exorcismo que as alimente ($$$$) e faça-as sobreviver sem os meios de que se valem: dinheiro em poder dos fiéis.

O dízimo nos tempos áureos da distribuição de renda, ganhos reais para o salário mínimo e o quase pleno emprego fartou-as. Minguou com o desastre atual de uma economia que não gera nem trabalho, quanto mais riqueza a ser distribuída.

Para este escriba de província eis o lado oculto do pacto em andamento: interesses de igrejas (que) carecem da retomada de ações político-sociais. Que levem mais recursos ao bolso do povo. Não estarão na mesa de negociações diretamente, mas influenciarão, com certeza.

No mais, ficamos a matutar desta singular capacidade de por aqui inovarmos em tudo: inclusive em pactuação política. Na Espanha Moncloa se fez à sombra de uma monarquia extinta cujo rei foi ‘nomeado’ pelo ditador; aqui, até com o pentecostalismo ‘quero mais’.


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