domingo, 13 de fevereiro de 2022

Apocalipse em nova versão

 

O mais provinciano dos caboclos do mais remoto dos rincões deste sertão brasileiro sabe, à sorrelfa  sob a égide da experiência, vivida e ouvida  que portar a enxada não faz do homem agricultor; possuir uma caixa de ferramentas não torna o portador mecânico. E a lição mais primitiva  de que só se aprende fazendo  não faz jornalista ou escritor quem simplesmente escreva.

Sob este particular aspecto (escrever) não somente saber ler e levar ao texto o amontoado de letras. Fundamental a ideia lógica que o norteie.

E por mais integrante que sejamos de um inconsciente coletivo (junguiano) que acumule a experiência da humanidade se não nos debruçarmos sobre a razão das coisas, compreender sua existência e dialetiza-la para alcançar uma conclusão. Por tal razão nada nos fará habilitado à Academia se não dispusermos dos fundamentos em torno do que defendamos. Há uma base, um centro da verdade, que não admite o vazio mental como fundamento. A verdade científica somente é alcançada através da observação e do experimento exauridos.

O progresso em torno da elaboração textual saltou milênios quando a tipografia veio à luz sob Gutemberg. Naturalmente abriram-se espaços para que muitos alcançassem o que antes era privativo dos escribas e seus registros em pergaminhos, pedra ou barro.

Mas já vivemos os tempos em que até o revolucionário papel começa a perder espaço para outras formas de comunicação textual. E mesmo as nuvens tornam-se destino de impressões.

Circula na rede conclusão de Humberto Eco, pouco antes de morrer: “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade. Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel. Antes, os idiotas da aldeia tinham direito à palavra em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade".

Os efeitos do desencanto de Humberto Eco em muito ultrapassado pela realidade apropriada no curso do último ano de sua existência e dos seguintes. Não mais o “direito à palavra’, mas a possibilidade concreta do exercício da influência sobre os que pensam e agem igualmente, que esperam ser ouvidos e acreditam no que ‘escrevam’ outros.

Por outro caminhar, nos legaram as leituras a lição milenar em torno do que possa refletir no entender dos destinos de cada um no ambiente de uma coletividade. Então, uma catarse reprimida se combina, de certa forma, com a escatologia. Ou seja, a incompletude espiritual da humanidade em busca de caminhos de superação através da compreensão escatológica, saída e explicação para tudo se torna.

Em vertente aparentemente diversa, fonte de convicções, de medos, de temores espirituais, o Apocalipse prenuncia o final dos tempos no lombo de guerras, pestes, fome, sismos, clamor dos mártires e tudo que carreado o seja por seus ‘profetas/cavaleiros’

Em cada instante da história desta Civilização em dimensão própria  as pragas se expressam alimentando os temores e confirmações. Para alguns exegetas, ocorrências no curso de milênios; para outros, de poucos anos, dividido o tempo no contexto das aflições.

Cada Revelação se materializa no recente terremoto, na enchente, na estiagem. Os ‘profetas’ os utilizam para afirmar a chegada do final dos dias. O escatológico superado por esta singular forma de esperança, a catarse.

No entanto, claro fica, que distância há entre compreender e crer, puramente no sentido de acreditar sem discutir. Sob este viés a atualidade se tornou pródiga no construir os meios de confundir o escatológico e o catártico.

Agigantado se tornou, poder capaz de mesmo influenciar na conformação do poder temporal. Que o digam os que hoje ocupam no mundo cargos de comando sem capacidade plena para tanto, embalados na esteira de ‘verdades’ que são mentira e que por tal vertente esteja o planeta a sucumbir como projeto de Humanidade.

Em meio a um (Eco) e outro (Revelações), o homem em sua dimensão de compreender os fatos. Que não mais os compreende por haver alcançado a capacidade de abstrair da observação as conclusões lógicas no plano da seriedade ou credibilidade: tão somente por acessá-los.

E muito daquilo que estaria no âmbito da alucinação se transforma em delírio*.

Humberto Eco e o Livro das Revelações. O italiano se viu diante do inusitado: avanço e ocupação por um pensamento(?) retrógrado sobre o espaço antes limitado ao conhecedor.

Quando as Revelações traçaram sua existência no curso da História da Humanidade, no mundo dos profetas das Revelações muito se viu do que se aproxima de alucinações.

O que não se imaginou  espantava-se Eco  é que o avanço científico contribuísse tão decisivamente para que a imbecilidade ocupasse o espaço na dimensão que ocupou.

E o que o Livro das Revelações não revelasse em sua nova versão o verdadeiro cavaleiro: o imbecil triunfante.

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* Sobre o tema 


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