O mais provinciano dos caboclos do mais remoto dos rincões deste sertão brasileiro sabe, à sorrelfa — sob a égide da experiência, vivida e ouvida — que portar a enxada não faz do homem agricultor; possuir uma caixa de ferramentas não torna o portador mecânico. E a lição mais primitiva — de que só se aprende fazendo — não faz jornalista ou escritor quem simplesmente escreva.
Sob este particular aspecto (escrever)
não somente saber ler e levar ao texto o amontoado de letras. Fundamental a
ideia lógica que o norteie.
E por mais integrante que sejamos de
um inconsciente coletivo (junguiano) que acumule a experiência da humanidade se
não nos debruçarmos sobre a razão das coisas, compreender sua existência e
dialetiza-la para alcançar uma conclusão. Por tal razão nada nos fará
habilitado à Academia se não dispusermos dos fundamentos em torno do que
defendamos. Há uma base, um centro da verdade, que não admite o vazio mental
como fundamento. A verdade científica somente é alcançada através da observação
e do experimento exauridos.
O progresso em torno da elaboração
textual saltou milênios quando a tipografia veio à luz sob Gutemberg.
Naturalmente abriram-se espaços para que muitos alcançassem o que antes era
privativo dos escribas e seus registros em pergaminhos, pedra ou barro.
Mas já vivemos os tempos em que até o
revolucionário papel começa a perder espaço para outras formas de comunicação
textual. E mesmo as nuvens tornam-se destino de impressões.
Circula
na rede conclusão de Humberto Eco, pouco antes de morrer: “O drama da internet
é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade. Normalmente, eles
[os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à
palavra de um Prêmio Nobel. Antes, os idiotas da aldeia tinham direito à
palavra em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a
coletividade".
Os
efeitos do desencanto de Humberto Eco em muito ultrapassado pela realidade
apropriada no curso do último ano de sua existência e dos seguintes. Não mais o
“direito à palavra’, mas a possibilidade concreta do exercício da influência
sobre os que pensam e agem igualmente, que esperam ser ouvidos e acreditam no
que ‘escrevam’ outros.
Por outro caminhar, nos legaram as
leituras a lição milenar em torno do que possa refletir no entender dos
destinos de cada um no ambiente de uma coletividade. Então, uma catarse
reprimida se combina, de certa forma, com a escatologia. Ou seja, a
incompletude espiritual da humanidade em busca de caminhos de superação através
da compreensão escatológica, saída e explicação para tudo se torna.
Em vertente aparentemente diversa, fonte
de convicções, de medos, de temores espirituais, o Apocalipse prenuncia o final
dos tempos no lombo de guerras, pestes, fome, sismos, clamor dos mártires e
tudo que carreado o seja por seus ‘profetas/cavaleiros’
Em cada instante da história desta Civilização — em dimensão própria — as pragas se expressam alimentando os temores e confirmações. Para alguns exegetas, ocorrências no curso de milênios; para outros, de poucos anos, dividido o tempo no contexto das aflições.
Cada Revelação se materializa no
recente terremoto, na enchente, na estiagem. Os ‘profetas’ os utilizam para
afirmar a chegada do final dos dias. O escatológico superado por esta singular
forma de esperança, a catarse.
No entanto, claro fica, que distância
há entre compreender e crer, puramente no sentido de acreditar sem discutir.
Sob este viés a atualidade se tornou pródiga no construir os meios de confundir
o escatológico e o catártico.
Agigantado se tornou, poder capaz de
mesmo influenciar na conformação do poder temporal. Que o digam os que hoje
ocupam no mundo cargos de comando sem capacidade plena para tanto, embalados na
esteira de ‘verdades’ que são mentira e que por tal vertente esteja o planeta a
sucumbir como projeto de Humanidade.
Em meio a um (Eco) e outro
(Revelações), o homem em sua dimensão de compreender os fatos. Que não mais os
compreende por haver alcançado a capacidade de abstrair da observação as
conclusões lógicas no plano da seriedade ou credibilidade: tão somente por
acessá-los.
E muito daquilo que estaria no âmbito
da alucinação se transforma em delírio*.
Humberto Eco e o Livro das Revelações.
O italiano se viu diante do inusitado: avanço e ocupação por um pensamento(?)
retrógrado sobre o espaço antes limitado ao conhecedor.
Quando as Revelações traçaram sua
existência no curso da História da Humanidade, no mundo dos profetas das
Revelações muito se viu do que se aproxima de alucinações.
O que não se imaginou — espantava-se Eco — é que o avanço científico contribuísse tão decisivamente para que a imbecilidade ocupasse o espaço na dimensão que ocupou.
E o que o Livro das Revelações não
revelasse em sua nova versão o verdadeiro cavaleiro: o imbecil triunfante.
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