quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Ode

A um amigo

José APRÍGIO de Souza, valentia de Corema, quarto zagueiro do Botafogo de Ozias, desafio à sergipanada da Drogaria, parceiro de noitadas seresteiras que Itororó de outros tempos sempre há de lembrar. Não só pelo seresteiro de violão empunhado – que de vez em quando sumia (o violão) para Itacaré – mas pelo raro em quem simbolizada em essência a existência do latino amicus.

Amigo de Nara Leão e Cacá Diegues, de Andreaza Filho. O homem a quem deve a cumprida promessa brasileira de o Concorde pousar no Galeão no dia aprazado.

Coisa que Itororó não sabe!

Pra que saber?
...
Porta da ‘Drogaria’ a meio-pau. Diálogo de manhã tradicional em dia especial:

– É, ‘mestre’, tô aqui. Esperando ‘cumpadi’ Luciano para o ensaio.

– Não fica melhor fazermos um duo?

– Tá demorando... e eu tenho pressa!

– Não vos agonieis, Aprígio!

O arpejo soa nos ouvidos – desembalando o duo, onde o escriba lança a segunda temerária – com uma quinta inovadora, provocando os versos no embalo da melodia:

– “Ando devagar, porque já tive pressa...” (1)

– E aí, Mide, toca ou não toca?

– Só se ficar com a chave, porque eu tenho hora... – e completa: – Tô fazendo concessão hoje...

– “E levo esse sorriso, porque já chorei demais...”

– Só for o “sorriso do lagarto”...

– Cala a boca ‘bico de chaleira’, deixa o nariz cantar!

– “Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe...”

– “Só levo a certeza, de que muito pouco sei, ou nada sei...”

A manhã ensaia, perdida, entre esvoaçar-se em luzes ou quedar-se plúmbea, para louvar o parceiro que a cantou em instantes vários, findada a noite.

 Conhecer as manhas, e as manhãs...”

– “O sabor das massas, e das maçãs...”

O tinir dos copos na Drogaria se faz arrastado, lento, gregoriano. Entoa por entoar, pede descanso, rede.

– “É preciso amor pra poder pulsar...”

– “É preciso paz pra poder sorrir...”

– “É preciso a chuva para florir...”

Chuva não faltou nestes dias. Regou a terra, fez orgulhar as sementes fagueiras na ousadia de brotar, fez estampar sorrisos.

– “Penso que cumprir a vida seja simplesmente...”

– “Compreender a marcha e ir tocando em frente...”

– “Como velho boiadeiro levando a boiada...”

– “Eu vou tocando os dias, pela longa estrada eu vou, estrada eu sou...”

O caminhar caminha no verso do conterrâneo Suassuna: “cumpriu sua sentença...” (2)

É, velho Aprígio – paraibano aportado no sertão da jacobina baiana nos limites de São José, pertinho ali de Monte Alegre, onde descobriu comer bem na feira-livre, com sobremesa de rapadura, doce de araçá ou de marmelo na palha de banana, destrambelhado por estes lados de Itapuhy, descoberta Itororó – estamos no estrofe do teu canto-marca.

 “Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Estamos aqui mestre, em busca...

– “Morena, bela, do Rio Vermelho...” (3)

– Ora, Aprígio, essa foi a que você cantou pra Rai, lá no final dos anos 60!

– “Adeus, Bahia...” (4)
_______
(1) Tocando em Frente (Almir Sater-Renato Teixeira)
(2) Verso de Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna
(3)  Morena do Rio Vermelho (Oswaldo Fahel)
(4) Adeus do Baiano (Oswaldo Fahel)

Nenhum comentário:

Postar um comentário