segunda-feira, 17 de março de 2014

Porque somos

O que somos
O articulista Jânio de Freitas, da Folha de São Paulo, editou no domingo palavras para refletir o quão atabalhoada anda a 'revisão' da outrora "redentora", agora alcançando os limites da denominação do que sempre foi: golpe que implantou uma ditadura militar de nefandas consequências, com apoio da elite brasileira.

Razão assiste a Freitas. Tem muita gente falando e alguns debruçando-se sobre repercussão acadêmica do tema quando encerra profunda dimensão política. Como tal não pode ser relegada ao esquecimento no deságue de meio século. Não pode ser esquecido o golpe como se não tivesse existido.

Ao leitor o texto de Jânio.

Por Janio de Freitas
Os 50 anos do golpe de 64 solicitam de suas restantes testemunhas o que, pelo já visto, parecem não dispor
Minha geração e suas vizinhas, de baixo e de cima, têm dado provas agudas de falta de memória histórica. Os 50 anos do golpe de 64 solicitam de suas restantes testemunhas o que, pelo já visto a outros propósitos, tais gerações parecem não dispor no volume e na qualidade devidos, senão obrigatórios.
Mas, com pesar pela má palavra, a efeméride provoca um agravamento que assombra: às torções de memória, em uns, junta-se o não sei o quê de inúmeros historiadores, cientistas políticos, antropólogos e outros. O resultado, pelo que li e ouvi em parte de mesas redondas, é uma ininteligível balbúrdia de ficção, imprecisões e, se há acadêmicos, presunção.
Vivi e convivi intensamente aqueles anos, talvez moço demais para viver por dentro muitas das situações extraordinárias, até por dirigir um jornal da importância incomparável do "Correio da Manhã" então. Quando do golpe, estava montando, já bem adiantado, um novo e inovador jornal, cujo acionista majoritário era Mario Wallace Simonsen, dono da TV Excelsior que revirou a TV no Brasil e coproprietário da grande Panair, usurpada por uma transa de militares e golpistas civis, e dividida entre a Varig e a própria FAB. Contra muitas opiniões, inclusive a de Simonsen, sustei de imediato a montagem do jornal, convencido de que os militares, daquela vez, vinham para dominar por bastante tempo e a qualquer custo. Muitas de nossas vidas se puseram de cabeça para baixo.
Agora, nos 50 anos, preferi a posição de leitor/ouvinte. As montagens picotadas do que se diz, entremeadas das falas de outros, predominam aqui com uma ligeireza que embaralha o relato factual ou impede a exposição de uma linha de pensamento. Escrever neste espaço (há também um livrinho em estado fetal) seria lógico, não fora o fato de que a ocasião estimula uma profusão de articulistas e a discussão agressiva, em vez do debate, vem a ser inevitável. Estou sem oxigênio para esse clima.
Pode ser difícil esperar que a onda passe para tentar uma contribuição contra o mais impróprio. Já nestes dias, uma tal "guinada de Jango com o comício do dia 13", em texto baseado no trabalho de um professor/historiador, deforma os fatos históricos. O comício foi um ato a mais no processo que se desenvolveu sem guinada alguma de Jango e de suas forças sindicais e partidárias. Se não se entender os processos retilíneos e paralelos, nada se entenderá da formação e da execução do golpe. E da sua instituição como poder.
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Da redação do blog:
Como o general Newton Cruz - confirmando que sabia do ato terrorista pretendido por extremistas militares (redundância) de então, famoso como atentado do Riocentro, que poderia levar a morte a centenas de pessoas - um outro militar desnuda o que ocorreu com Rubens Paiva: morto sob tortura, teve seus restos mortais desenterrados e jogados no mar, como textuado em reportagem de Chico Otávio em O Globo.

Os podres dos porões começam a vir à tona, na catarse das idades dos que viveram o instante como algozes da democracia e, cumprindo o figurino, da vida dos adversários.

Por isso não podemos esquecer.


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