terça-feira, 11 de novembro de 2014

De Eça de Queiroz

À agenda de Lula
O ex-presidente Lula, em fase adiantada da ultima campanha presidencial, denunciou que a militância estava mais a discutir economia que política. Tocava Lula na ferida: quando necessário discutir o que se pretendia, como modelo de projeto, para o futuro do país (política), discutia-se números às vezes vagos em torno da atividade econômica.

A percepção de Lula tem natureza naquilo que no mundo da hermenêutica jurídica se denomina a partir da expressão latina mens legis (O espírito da lei): o que pretendeu alcançar o legislador  e sua mens legislatoris (o espírito do legislador), o que intencionou  com a lei que discutiu, votou e aprovou. 

Sacudiu Lula, com sua provocação/convocação, a que a militância se voltasse para retomar a discussão do que se pretendia(e) para o Brasil, como construção e aprimoramento de sua soberania, controle e domínio sobre suas riquezas e vocação para potência, reconhecendo a sua gente e seus valores específicos, ou atender aos que sempre viram o país como aluno subserviente ao que o mestre/estrangeiro deseja e impõe.

Propôs o ex-presidente a ruptura - recém iniciada com a participação da militância a que convocava - com a letargia histórica, aventada por Eça de Queiroz, quando, pelo heterônimo de Fradique Mendes, observara em carta a Eduardo Prado: “... em vez de terem escolhido esta existência que daria ao Brasil uma civilização sua, própria, genuína, de admirável solidez e beleza – que fizeram os brasileiros? Apenas as naus do senhor D. João VI se tinham sumido nas névoas atlânticas, os brasileiros, senhores do Brasil, abandonaram os campos, correram a apinhar-se nas cidades e romperam a copiar tumultuariamente a nossa civilização européia, no que ela tinha de mais vistoso e copiável... quase contrárias a sua índole e ao seu destino”.

É o mesmo Eça que, na missiva, pontua a lição maior para esta terra: “No dia ditoso em que o Brasil, por um esforço heróico, se decidir a ser brasileiro, a ser do novo-mundo – haverá uma grande nação. (...) pode contar com um soberbo futuro histórico, desde que se convença que mais vale ser um lavrador original do que um doutor mal traduzido do francês”. 

Lula, como presidente, retomou a visionariedade de outros brasileiros (como Miguel Bonfim, Darcy Ribeiro), e estabeleceu as premissas para a ruptura com a postura conservadora de ver este país sempre mais voltada para o Atlântico, para o caminho da Europa. Nunca para a 'sua' mata. Superada a cultura europeia encontramos, como naja encantada, os Estados Unidos. Esta a dificuldade de nos assumirmos como povo. 

Temos dificuldade perceber  ou não nos é dado compreender  que típicos bolsões de isolamento foram levantados para evitar a construção da unidade nacional. O que nos levou à dispensarmo-nos de uma reflexão crítica sobre nossa prática de compromisso com a nacionalidade. Não a temos nem em nível de consciência da sua necessidade. A educação, a serviço da elite, não desancou sua função.

O que o português Eça de Queiroz enxergou no século XIX materializou-se em uns poucos instantes da História recente do país, retomada pelo vigor da oportunidade com o início de uma fase com Lula.

No fundo, a agenda de Lula é o que pensava o estrangeiro Eça sobre o Brasil. Que tem em muitos brasileiros a vocação contrária: a de retomada da subserviência a Europa e Estados Unidos como razão de (não)existir.

Cumpre-nos compreender  e aprender que mais nos vale ser um lavrador original do que um doutor mal traduzido do francês.

Ou do inglês estadunidense.



Nenhum comentário:

Postar um comentário