sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Não estamos

Fora de órbita
Alguém pessoalmente nos questionou diante do que registramos em "Efeito viral, antídoto" publicado neste espaço na terça 21. Sentimos na ponderação a atávica postura - pautada no inconsciente coletivo de nossa sociedade - de admitir a discriminação social como fenômeno imutável, imperceptível quando não enfrentada em debate.

Os denominados 'rolezinhos' geram análises - já o dissemos. Aprofundam-se estas, como a de Eliseu Neto, psicanalista, psicólogo e gestor, veiculada no www.advivo.com.br desta sexta 24, que apenas perspassa por fato concreto que aprofundaremos em análise futura, mas que está contida no texto de Eliseu: a sua lógica econômica. 

No mais, é compreender um fenômeno tão velho quanto a existência da sociedade organizada: jovem sempre tem uma demanda reprimida - pelo menos a da necessidade de aparecer, se fazer presente/existente. Mas, vamos a Eliseu:

por Eliseu Neto
Jovem suburbano percebeu que está excluído e resolveu incomodar a classe média com o que tem de mais simples: sua presença
Rio - Dias atrás, quando o rolezinho do Shopping Leblon ainda estava de pé, vi muito preconceito vir à tona. Quando apoiei o ato no Facebook, a primeira palavra que apareceu foi “vagabundos”, seguida de “Engraçado você apoiar baderna. Ter livre acesso é uma coisa, causar pânico na sociedade é outra”. Um amigo espanhol, que vive aqui, escreveu “Shopping é lugar de família, odeio quem atrapalha meu lazer”. O que as pessoas não veem é que o pobre não tem obrigação de sair da pobreza, ele tem o direito de sair dela.
Temos uma economia de mercado baseada no consumo, mas ele é dividido: existem, por exemplo, no Rio, locais ditos populares, como a Saara. E existem lugares de maioria branca e maior renda da Zona Sul.
Essa é toda a questão do rolezinho. O jovem suburbano percebeu que está excluído e, num ato corajoso e inteligente, resolveu incomodar a classe média com o que tem de mais simples: sua presença. Shoppings fazem todo tipo de promoção para nos levar para dentro deles, sorteiam carros, fazem shows, decoram. Mas jovens pobres não são bem-vindos em certos locais. Descobriram finalmente o apartheid brasileiro.
Um amigo disse: “Eu faço a minha parte, ajudo deficientes no asilo.” Esse é o pensamento da classe média: o deficiente fica no asilo, o pobre, nos shoppings populares, a classe C, na econômica do avião.
“Trabalhar, ninguém quer...”, continuam os críticos. Mas qual a diferença entre o jovem de classe média que não precisa trabalhar e vai ao shopping e esses meninos? Por que presumimos que logo os pobres são vagabundos, se todos estão no mesmo lugar fazendo a mesma coisa, nada, só andando de lá pra cá (dando um rolé)? Mas o rolé dos pobres é logo definido como “baderna, arruaça e confusão”.
Num país com 75% de analfabetos funcionais e com 20% da população sem acesso nem a saneamento básico, o que sobra é a resposta das classes média e alta: pobre e negro tem que trabalhar — apenas trabalhar — sem reclamar. Não queremos ver aqueles que nos servem usufruindo a mesma coisa que nós, isso “atrapalha nosso lazer”.
O rolezinho é um dos movimentos mais legítimos e inteligentes que já vi. Usa o medo, o preconceito e os valores podres e deturpados de uma camada social contra ela mesma. Afinal, na maioria dos casos, não existe crime, existe pânico e histeria coletiva.
Eliseu Neto é psicanalista, psicólogo e gestor de carreira


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