sexta-feira, 17 de maio de 2013

Preconceito

À desdobrada
A proposição do secretário de Promoção Social e Combate à Pobreza do município de Salvador, Maurício Trindade, de proibir o consumo de cachaça em vias públicas da cidade, traz a eterna saída: matar o boi para curar o berne.

O consumo de álcool - e a cachaça é apenas um de seus derivados - é evidentemente um dos maiores danos à saúde humana e um grave problema de Saúde Pública. Dispensamo-nos enveredar por avaliações técnicas, já que sobejamente sabidas.

Diz o secretário ter realizado pesquisas, com auxílio de associações de moradores e assistentes sociais em diversos bairros da capital onde encontrou grande concentração de pessoas, moradores de rua, em locais públicos consumindo cachaça ou bombinha. Para ele o alto teor da aguardente é considerado alto em relação a outras bebidas. (O Trombone).

Reforça sua argumentação com uma declaração expressa que nos deixa atônito, não por ser inovadora: "Atualmente, cerca de 46% dos crimes são ocasionados por atropelos e, deste montante, 70% dos motoristas estão alcoolizados".

Não sabemos se o prefeito ACM Neto encontrará apoio jurídico para aprovar a medida.

A outra
A cachaça acaba de se tornar produto reconhecido no exterior, a partir dos Estados Unidos, por seu verdadeiro nome: cachaça. Antes por lá era consumida como rum.

A aguardente sob a mira do secretário Maurício não é aquela descoberta pelos estadunidenses e europeus. Que custa os olhos da cara.

É hoje produto nobre, com tradição produtora em Minas Gerais, Pernambuco e Bahia - com destaque para o produzido na Chapada Diamantina.

Ela, como ingrediente principal, leva o nome do Brasil ao exterior através de uma típica marca tupiniquim: a caipirinha. 

Análise...
Duvidamos que o prefeito encontre apoio jurídico para a iniciativa, visto que a proposta está eivada de preconceito e inconstitucionalidade, afastando a igualdade de todos perante a lei, como gênero (claro que encontra paradigma no exame de ordem da OAB), por ferimento ao princípio da igualdade de todos perante a cana, como espécie.

Sob esse prisma, o senhor secretário atiça sua fogueira contra os consumidores de "álcool desdobrado", conteúdo barato e acessível aos dependentes menos aquinhoados.

De sua vergasta puritana ficam de fora o whiskey, a vodca, o rum, a tequila, sem falar no vinho - que é de família nobre - e nem pensar no "vinho de missa". Nessa seara é inimaginável o "meoteiro" consumindo um escocês, nem aquele oriundo do Paraguai.

Vê-se, de imediato, que a turma da "meota" não tem cacife para ingressar em tal clube, razão por que fica à mercê do fornecedor do baixo clero, que se utiliza do artifício de baratear a branquinha com alguns ingredientes que não lhe são da essência qualitativa mas maquiam o visual.

...e ironia 
O senhor secretário quer matar o boi para eliminar, de uma vez, o berne - dissemos acima.

Ironia maior, no entanto, é o argumento do secretário quando cita os "70% dos motoristas alcoolizados" como causa dos 46% de crimes causados por atropelamentos. Desconhecíamos a inserção desta parcela dos antes despossuídos na emergente classe média.

Para o governador Jacques Wagner, que tem alardeado a explosão do crescimento baiano, precisa conferir a informação do secretário municipal Maurício, dar uma espinafrada no desatento assessor que não descobriu o fato revelado, e incluir entre seus feitos a profunda distribuição de renda que leva a turma da meota em Salvador a integrar o universo dos causadores de acidentes automobilísticos.

Menos preconceituosa
Por outro lado, o secretário Maurício poderia ter recomendado ao prefeito ACM Neto uma "bolsa cerveja", visto que a "loura" não contém alto teor alcoólico.

Não fora menos preconceituosa, mais suave, levaria a meotagem ao delírio de se tornar garoto-propaganda do carnaval baiano ao lado de Ivete Sangalo e quejandos.

Isso enquanto não cumprir com o desiderato para o qual foi nomeado: promoção social e combate à pobreza.


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